Jornal Estado de Minas

CINEMA

"Abestalhados 2" é a sequência de um filme que nunca existiu



Uma vista por alto na programação dos filmes em exibição nas salas de cinema fará os olhos pararem diante de “Abestalhados 2”, em cartaz desde a última quinta-feira (26/10). "Já?", poderá perguntar o incauto leitor que aposta nas continuações para garantir boa diversão na telona.





Enquanto o dedinho ou o mouse deslizam para lá e para cá na tela do celular ou do computador, o título do longa fica reverberando na cabeça. "Afinal, que filme é esse? Que diacho, não me lembro do primeiro. Foi só no streaming e perdi?"

Calma, amigo leitor. Sua saúde mental não está completamente comprometida e você não pirou. Mas caiu como um patinho na jogada da produção dessa comédia nacional, que sugere ser a continuação de uma versão original que, na verdade, nunca houve. 

“Abestalhados 2” vem a ser o resultado de um outro filme, “Acelerados 2”, sonho da pequena produtora Mother Fake, que procura driblar das formas mais absurdas (e por isso mesmo engraçadas) as dificuldades para colocar o título de ação e aventura nos cinemas.

Elenco

Além do nome, o longa provoca uma sensação de déjà-vu (para o bem) quando se observa a relação do elenco, recheado de nomes reconhecidos na comédia com origem na TV e na internet. Paulinho Serra, que integrou o time de atores de “Vai que cola”, além de ter feito muitos outros trabalhos televisivos; Raul Chequer e Leandro Ramos, do Choque Cultural, programa de humor exibido no Canal Brasil; e Felipe Torres, do Hermes e Renato.





No longa dirigido por Marcos Jorge (“Estômago”) e Marcelo Botta (“Adnet Viaja”), Serra interpreta Paulo Carmo. Sonhador convicto, ele faz as maiores manobras para tirar do papel o filme que sonha fazer, “Acelerados 2”. 

O enguiço começa logo na cena de abertura. Tão sonhador quanto atrapalhado, Paulo consome todos os recursos disponíveis para o longa, que já não eram muitos, nas gravações dessa cena inicial.

Chequer interpreta o roteirista Manuel Oliveira, que não abre mão de suas ideias e se recusa terminantemente a se render aos padrões do mercado. Leandro Ramos é Eric Rios, diretor de produção e técnico de som, mas acaba como um faz-tudo. Felipe Torres é Alexa Balas, que, como faz questão de dizer, sabe "filmar um noir como ninguém".





Encrencas

Mas, de fato, o maior talento do quarteto é se meter em confusões. O elenco reúne também Alexandre Rodrigues, Cris Vianna, Dudu de Oliveira, José Loreto, Nicola Siri, Wanderlei Silva e Wellington Muniz. O roteiro é assinado por Marcos Jorge, Marcelo Botta, Gabriel Di Giacomo e Pedro Leite

Com cenas apresentadas em forma de documentário que exibe os bastidores do longa, o filme arranca risos do espectador, ao mesmo tempo em que faz sua declaração de amor e homenagem ao cinema brasileiro, que enfrenta toda sorte de empecilhos para se manter.

A recente crise sanitária e o descaso do atual governo federal com o setor são dois exemplos recentes do tipo de obstáculo que a produção audiovisual enfrenta. “Abestalhados 2”, aliás, foi um dos primeiros filmes nacionais produzidos de acordo com os protocolos de segurança contra a COVID-19.  

Se a ideia de criar o título de uma continuação fictícia é um pulo do gato, fazer um filme dentro de outro não representa nenhuma novidade. No entanto, é aí que reside a graça e é também de onde resultam as melhores cenas do filme, nas situações das quais o quarteto nem sempre consegue se safar.

As soluções beiram a irresponsabilidade, como a “ideia genial” que os amigos, que são também colegas em uma agência de publicidade, têm de conquistar estrelas de suas campanhas publicitárias para estrelar o longa com custo zero.





Cilada

José Loreto, interpretando a si mesmo, caiu na cilada. Aceitou o convite para participar de um anúncio beneficente, mas só percebeu o golpe quando foi parar em uma maca do Samu.
 
Alexandre Rodrigues (“Cidade de Deus”), por sua vez, faz um comercial de margarina como pai de duas crianças louras. Ele é negro.
 
Para os apressadinhos em deixar a sala de cinema, um aviso: vale esperar pelos créditos finais, quando os “comerciais” são exibidos.

O entrosamento do elenco é um ponto a favor do filme. Os fãs de Paulinho Serra, acostumados a toda aquela energia que parece não ter fim, verão o ator mais contido e nem por isso menos divertido.
 
“Ele tem uma técnica absurda, com todas as variações de tom dentro dele”, elogia Marcelo Botta, que lembra que o filme começou a ser rodado no início de 2020, antes, portanto, da chegada da pandemia. A crise sanitária levou à suspensão das filmagens, só retomadas em setembro daquele ano, com a implementação de normas de combate à COVID no set. 





Com longa carreira na televisão, iniciada nos anos 2000, na MTV, Marcelo Botta assina sua primeira direção de cinema. Muitos dos atores e dos membros da equipe criativa do filme passaram pela MTV.
 
“Conseguimos unir gerações diferentes que fazem comédia”, diz o diretor. Mas ele aponta Paulinho Serra como o embaixador que congregou toda a turma “para viabilizar um projeto tão maluco de tanta inovação”.

 “ABESTALHADOS 2”

(Brasil, 2022, 94min). Direção: Marcos Jorge e Marcelo Botta. Com Paulinho Serra, Raul Chequer, Leandro Ramos e Felipe Torres.Classificação indicativa: 14 anos. Em cartaz no Cineart Del Rey (16h30 e 20h20, de hoje a segunda); na próxima terça (1º/11) e quarta, as sessões serão às 13h30 e às 17h15