Cícero Lucas, o Deivinho do filme “Marte Um”, cresceu em meio às rodas de samba frequentadas pelo pai na capital mineira. Filho do cantor e compositor Dé Lucas, o menino costumava levar brinquedos para se divertir no palco sentado aos pés do pai, que soltava a voz em canções autorais e dos grupos Revelação e Exaltasamba.
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Dois anos depois, o diretor ligou para Dé Lucas perguntando se Cícero, já com 13 anos, não gostaria de fazer um teste para o filme que ele estava preparando. “Eu nem sabia direito o que estava acontecendo. Fui (fazer o teste) só porque meu pai mandou eu ir”, conta Cícero.
Tímido de doer
Hoje com 17 anos, ele ainda se parece com o garoto do filme. A única diferença é a barba, que começa a nascer no queixo. Reservado, quase sempre olhando para o chão, ele recebe a equipe do Estado de Minas em sua casa, no Bairro Serra. O pai é quem mais fala.
“Sou tímido. Então, no começo das gravações, ficava mais retraído, mais na minha”, conta o jovem ator. “Conforme o tempo foi passando, a gente foi criando laços com toda a equipe. No final, era como se eu estivesse com a minha família mesmo.”
O longa acompanha a família Martins. O pai, Wellington (Carlos Francisco), é um porteiro ex-alcoólatra aficionado por futebol. A mãe, a diarista Tércia (Rejane Faria), acredita ser vítima de maldição depois de virar alvo de pegadinha numa lanchonete. O caçula Deivinho (Cícero Lucas), pré-adolescente, pode ser promessa do futebol, mas sonha em ser astrofísico. A primogênita Eunice (Camilla Damião) estuda direito em universidade pública.
O fio condutor do filme é o dilema enfrentado por Deivinho. O pai projetou nele o sonho fracassado de ser craque da bola, mas o garoto planeja integrar a missão espacial Marte Um, cujo objetivo é colonizar o planeta vermelho.
Deivinho e o diretor Gabriel Martins têm algo em comum. Nascido e criado na periferia de Contagem, o cineasta treinou na escolinha de futebol do Cruzeiro – a mãe via ali futuro promissor para ele. Mas o sonho do menino era outro: tornar-se cineasta.
Gabriel estudou cinema, começou a produzir filmes por conta própria. Em parceria com amigos criou, em Contagem, a produtora Filmes de Plástico, que lançou os elogiados “Temporada”, dirigido por André Novais, “No coração do mundo”, de Gabriel e Maurílio Martins, e “Terremoto”, de Gabriel, entre outros filmes.
Cícero, no entanto, não se baseou na vida do diretor para interpretar o garoto de “Marte Um”. “Li o roteiro muitas vezes antes de começar a gravar. Achei que o Deivinho tinha muito a ver comigo. Foi o que me ajudou a fazer o personagem”, revela.
Futebol e telescópio
São várias as semelhanças entre os dois. De pronto, ele cita o interesse em pesquisar e aprender coisas novas, a paixão pelo futebol e a intimidade com as irmãs. Cícero tem duas: uma com 31 anos, e a outra com 27.
“Quando você era mais novo, gostava de histórias sobre o universo e de estudar astrologia também, lembra?”, interrompe Dé Lucas, dirigindo-se ao filho.
“É verdade”, responde Cícero. “Queria ter um telescópio para poder ver as estrelas e tudo mais”, relembra, contando que nunca chegou a ter um.
Sem jamais ter atuado, o tímido Cícero mostrou desenvoltura no set. “Ele chegava com as falas dele decoradas e as dos outros personagens também”, ressalta o pai coruja. A única dificuldade da produção foi fazer com que ele vestisse o uniforme do Cruzeiro.
Atleticano roxo, Cícero não aceitou vestir a camisa do rival. “Falaram comigo que haviam feito o uniforme, mas não aceitei de jeito nenhum. Isso não”, diz.
A carreira de ator, aliás, não é prioridade para Cícero. Ele quer terminar os estudos e já emendar a graduação em música, seguida por mestrado e doutorado.
Assim como Deivinho, Cícero Lucas vai lutar por um sonho: tornar-se músico e fazer carreira internacional.
A 'fake news' do Oscar
“Marte Um” luta para disputar o Oscar de Melhor filme internacional, em março. Em dezembro, será divulgada a lista de pré-selecionados. Os cinco candidatos ao prêmio serão anunciados apenas em janeiro.
Em agosto, quando o longa de Martins foi escolhido para representar o Brasil, Cícero foi o último a saber.
“A gente tem grupo no WhatsApp só com o pessoal do filme. Quando saiu a notícia, eu estava na escola, sem internet. O pessoal do grupo vibrando e eu sem receber nenhuma mensagem”, relembra Cícero Lucas.
Quem avisou foi uma colega de escola. “Eu não acreditei. Achei que era fake news ou algum tipo de boato.” Mas era verdade. “Até hoje a ficha ainda não caiu”, diz o garoto.
“A gente nunca imaginou que chegaria ao Oscar. Quando fomos para o festival de Sundance, no início do ano, a gente começou a ter ideia de que o filme poderia chegar ao patamar em que está hoje, ou até maior”, acrescenta. Ele se refere ao evento norte-americano onde, em janeiro, estreou o longa rodado na periferia de BH.
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“Marte Um” ganhou os prêmios de Júri popular, Especial do júri, Melhor trilha sonora e Melhor roteiro no último Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul. Nos Estados Unidos, foi premiado nos festivais de São Francisco, OutFest e BlackStar.
“(Foi) Na estreia em Gramado que a ficha começou a cair mais. Quando vi atores renomados como Antônio Pitanga e Bárbara Paz chorando, emocionados, pensei: É… O negócio é bom mesmo, hein?”, conta Cícero, rindo.
Para o filme chegar à festa do Oscar em 12 de março, é necessário realizar campanha massiva de divulgação internacional, a fim de garantir que integrantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood possam vê-lo. Em novembro, “Marte Um” será exibido em Los Angeles e Nova York.
Vaquinha para viagem
A família de Cícero lançou campanha de financiamento coletivo para conseguir dinheiro para o jovem viajar para os Estados Unidos e participar do lançamento de “Marte Um” naquele país. O garoto desconhecia que a Filmes de Plástico custearia a viagem dele.
“Não sabíamos disso quando lançamos a vaquinha”, afirma Dé Lucas. “Depois, ficamos sabendo que a produtora vai arcar só com a ida dele, não com a do familiar”, explica o pai do ator, preocupado com o fato de o filho menor de idade fazer uma viagem internacional sozinho.
“A vaquinha que está no ar hoje é para arcar com os custos do familiar que acompanhar o Cícero”, esclarece Dé Lucas.
O longa “Marte Um” está em cartaz no Centro Cultural Unimed BH-Minas, às 16h, e na sala 1 do UNA Cine Belas Artes, com sessões às 14h, 16h10, 18h20 e 20h30.