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Estado de Minas CINEMA

Filha de Otto Lara Resende estreia na direção com cinebiografia do pai

Helena Lara Resende dirigiu com Marcos Ribeiro "Otto: de trás p/ diante", a partir da autodescrição do escritor feita ao amigo Paulo Mendes Campos


31/10/2022 04:00 - atualizado 29/10/2022 23:21

Apoiado em máquina de escrever, o ator Rodolfo Vaz olha para cima
O ator Rodolfo Vaz interpreta o escritor em "Otto: De trás p/ diante", que fez sua estreia no Festival do Rio e está inédito nos cinemas (foto: Gabriel Lara/divulgação)
 
Sentada numa poltrona, a atriz Julia Lemmertz lê trechos dos livros “Boca do inferno”, “O retrato na gaveta”, “O braço direito” e “As pompas do mundo”. Já à máquina de escrever, o ator Rodolfo Vaz interpreta o escritor e jornalista Otto Lara Resende (1922-1992), mineiro de São João del-Rei e autor das quatro obras, entre inúmeros outros trabalhos. 
 
As cenas fazem parte do documentário “Otto: De trás p/ diante”, que estreou recentemente na Mostra Retratos, no Festival do Rio 2022 (realizado de 6/10 a 16/10), na capital fluminense, embora sem data para chegar aos cinemas.
 
Concentrado e olhando para o teclado da máquina de escrever, o jornalista Otto Lara Resende prepara um texto
Como jornalista, Otto Lara Resende trabalhou para diversas publicações desde que se mudou para o Rio, em 1943 (foto: A Cigarra/Arquivo EM)
Dirigido por Helena Lara Resende e Marcos Ribeiro, o documentário produzido pela TV Imaginária Produções traça a biografia de Otto e tem como guia sua carta-resposta ao amigo e belo-horizontino Paulo Mendes Campos (1922-1991), que lhe pergunta: “Quem é Otto Lara Resende?”.
 
Vale lembrar que, neste ano, os dois amigos,integrantes do quarteto mineiro formado ainda por Fernando Sabino (1923-2004) e Hélio Pelegrino (1924-1988) e chamados de “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”, estariam completando o centenário de nascimento.
 
“Pensamos nessa homenagem pelo centenário, embora tudo tenha começado em 2018, durante uma gravação informal com minha mãe, Helena Pinheiro de Lara Resende, hoje com 94 anos e bem lúcida”, conta Helena. 
 
“Eu era muito jovem quando meu pai morreu. Então, por muitos anos, não consegui mexer nos escritos dele. Só muitos anos depois li ‘O braço direito’. A emoção foi grande”, resume, explicando que, no documentário, ela e a mãe revelam bilhetes e cartas inéditas.

Delicado, violento e abelhudo

Sem querer dar “spoiler”, aí vai uma parte da resposta da pergunta feita por Paulo Mendes Campos, em 1975, na extinta revista Manchete. “A ideia que faço de mim? Um sujeito delicado e violento. Delicado pra fora, violento pra dentro. Um poço de contradições. Um falante que ama o silêncio. Um convivente fácil e um solitário. (...) Solicitude e esquivança compõem meu espectro. Gosto de partilhar, de participar, sou bisbilhoteiro, abelhudo. Gostaria de ajudar todo mundo. Gostaria de viver todos os lances, estar presente. E gostaria também de estar ausente, sumido, fora do mundo.”
 
O texto está “vivo” na voz do ator Rodolfo Vaz, mesclado com imagens de Otto e gravações do disco “Os 4 mineiros”, da Som Livre (1981). Já Paulo Mendes Campos está presente na voz de Isio Ghelman. 
 
De pé numa sala, com uma biblioteca atrás de si, os amigos Fernando Sabino, Helio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos conversam e riem
Fernando Sabino, Helio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, no Rio de Janeiro, em agosto de 1986 (foto: Arquivo OLR/IMS/Reprodução)
 
Feliz com o resultado do documentário, Helena espera que as novas gerações conheçam seu pai pela sua produção literária, e não pelo lado folclórico, curioso, de frases de efeito e até mesmo por ser um segundo título de “Bonitinha mas ordinária”, de Nelson Rodrigues (1912-1980), que teve a primeira filmagem em 1963.
 

"Eu era muito jovem quando meu pai morreu. Então, por muitos anos, não consegui mexer nos escritos dele. Só muitos anos depois li 'O braço direito'. A emoção foi grande"

Helena Lara Resende, roteirista e diretora

 
 
“Tal qual o personagem, o filme é acessível a todos, pois tem emocão, informação e humor, leva à reflexão, e mostra, sobretudo, sua humanidade”, afirma Helena. Ela lembra que Otto gostava muito do seu nome, que é palíndromo: pode ser lido da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. Como no título do doc, de trás para diante.
 
Para contar a história, foi recriado o escritório de Otto Lara Resende na casa de campo, em Petrópolis (RJ), que pertence à família. Helena explica que foram usadas centenas de fotos, de acervos do Instituto Moreira Salles, Arquivo Público Mineiro, Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte, entre outros, e arquivos em vídeo da TV Globo, Band e TV Brasil junto a imagens de São João del-Rei, na Região do Campos das Vertentes, em Minas Gerais, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Lisboa. 
 
“O jornalista e escritor Humberto Werneck também participa do filme, ‘costurando’ as cenas, pontuando e comentando fatos da vida de Otto.” A direção de fotografia é de Guy Gonçalves.

Os realizadores

Marcos Ribeiro é cineasta, jornalista e radialista. Estudou cinema na Escuela Internacional de San Antonio de Los Baños, em Cuba, e cinema documentário na SCE da New York University. Dirigiu os longas metragens “Quem pode jogar?” e “A obra de arte”, tendo produzido e dirigido documentários, séries e programas para diversos canais por assinatura, como GNT, Canal Brasil, Canal Futura, entre outros. 
 
Helena Lara Resende, casada com Marcos Ribeiro, é jornalista, roteirista e diretora estreante. Formada pela PUC-Rio, estudou roteiro e direção de filmes documentários na SCE New York University.
 
Na televisão, foi repórter das TVs Manchete e Globo e apresentadora do Canal Futura. No cinema, roteirizou o documentário longa-metragem “Quem pode jogar” (2020) e faz sua estreia como diretora com o filme sobre seu pai.

Jornalismo e literatura

Nascido em São João del-Rei em 1º de maio de 1922, Otto Lara Resende foi o quarto dos 20 filhos do casal Maria Julieta e Antônio de Lara Resende
 
Na adolescência, demonstrava o desejo de ser escritor. Na cidade natal, aos 15 anos, conheceu Paulo Mendes Campos, quando já tinha pronto “O monograma”, composto por nove histórias.
 
Em 1938, a família se mudou para Belo Horizonte, onde o pai abrira uma escola. Otto fez o curso pré-jurídico do Colégio Arnaldo, ingressou, em 1941, na Faculdade de Direito, passou a publicar crítica literária em O Diário.
 
Dois anos depois, seguiu para o Rio de Janeiro, onde já moravam os amigos Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, e mergulhou de cabeça no jornalismo. 
 
Trabalhou no Diário de Notícias, O Globo, Correio da Manhã, O Jornal, Última Hora e em outras publicações. 
 
Atuou ainda na revista Manchete, na Rede Globo e, finalmente, como cronista, na Folha de S.Paulo, onde assinou crônicas até sua morte, em dezembro de 1992.


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