Um astro do rock desiludido que enlouquece e, em seus delírios, acredita ser um ditador fascista. Em essência, “The wall” (1979), 11º álbum de estúdio do Pink Floyd – além do último trabalho que contou com os quatro integrantes da formação clássica – é sobre isso. A metáfora central é representada pelos “tijolos” deste muro, que refletem os problemas sociais, econômicos e políticos da época.
Tanto pelo conjunto das 26 canções que compõem a ópera rock quanto pelo significado da obra, “The wall” conseguiu dialogar com a passagem do tempo, mantendo sua atualidade, mais de quatro décadas após seu lançamento. O álbum duplo, que reflete a relação de Roger Waters com sua própria vida, vem sendo relido por ele e por outros desde então. O filme de Alan Parker (1982) só fez aumentar o culto à obra.
Com apresentação única neste sábado (5/11), no Minascentro, abrindo a temporada de sete datas no Brasil, o musical “Pink Floyd – The wall live” leva para o palco a trajetória de Pink, tal qual foi criada por Waters. A montagem, que estreou há 30 anos em Liverpool, chega ao país com um elenco de 11 pessoas: cinco músicos e seis atores.
Loucura
Com a mesma duração do disco – pouco mais de 80 minutos – o musical apresenta trechos do longa-metragem de Parker, bem como animações para criar o clima de loucura que toma de assalto o rockstar.
“Muitas pessoas, de um modo geral, também constroem seus próprios muros para esconder fatos que querem esquecer. Acho que isso faz com que ‘The wall’ seja relevante e se relacione com tanta gente até hoje”, comenta Alan Vest, criador e diretor do espetáculo.
Foi em 1992 que Vest decidiu criar o musical. A primeira providência tomada foi pedir autorização de Waters – que compôs todas as músicas, algumas delas em coautoria. “Escrevi ao empresário dele, que depois de algumas tentativas me enviou uma carta autorizando. Sempre fui fã dele. Para mim, Roger Waters é o Pink Floyd, o melhor letrista do mundo.” Mas até hoje, passadas três décadas, ele ainda não assistiu ao musical. “Quem sabe, um dia”, diz Vest.
Com tanto tempo em cartaz, o espetáculo foi ganhando diferentes intérpretes. Mas o que se verá nesta noite é basicamente a mesma versão da estreia, em 1992. Pink, o protagonista de “The wall”, é um alter ego de Waters. Outra inspiração para o personagem fictício foi o vocalista e guitarrista Syd Barrett (1946-2006), fundador do Pink Floyd, que deixou a banda em 1968 – problemas de saúde mental intensificados pelo abuso de drogas o levaram a uma existência errática desde então.
A prima de Syd
Em 2014, o musical teve na plateia Rachel Barrett, prima de Syd. “Como ela era próxima de Syd, nos deu muitos conselhos e também cedeu fotografias dele que não eram conhecidas”, conta Vest. Rachel, desde então, se tornou coprodutora do musical.
Em sua leitura da obra do Pink Floyd, Vest também se permitiu criar. “Durante ‘Hey you’ há um número de dança com um homem e uma mulher. Ora eles estão em preto ora em branco, representando o bem e o mal tentando dominar a mente de Pink”, comenta o diretor, que acredita que “The wall” só foi criada por Waters para explicar sua alienação em relação ao público.
O Pink Floyd nunca mais foi o mesmo desde “The wall”. As coisas já não andavam fáceis antes do disco, principalmente com Waters e o tecladista Richard Wright (que deixou a banda durante a gravação e retornou ao grupo como músico contratado). No início das gravações, o quarteto ainda gravou junto – mas o álbum só foi finalizado na França, com cada um gravando separadamente.
“The wall” foi e continua sendo um sucesso – é o segundo álbum mais vendido do grupo, perdendo apenas para “The dark side of the moon” (1973). Mas o muro erguido entre Waters e seus colegas de banda nunca foi desfeito.
Veja como o enredo e as músicas se casam
No início dos anos 1950, Pink é um jovem inglês com franca carência da figura paterna (“Another brick in the wall – parte 1”). Mexendo nas coisas do pai, morto durante a Segunda Guerra Mundial, descobre relíquias do serviço militar.
Na escola, ele é humilhado pelo professor, que se revela abusivo com os alunos (“The happiest days of our lives”). Pink percebe um sistema escolar opressivo, no qual as crianças caem em um moedor de carne. As crianças então se rebelam e destroem a escola (“Another brick in the wall – Parte 2”).
Pink também é afetado por sua mãe superprotetora (“Mother”). Outras experiências traumáticas são representadas no muro que ele criou, afastando-o da sociedade (“Empty spaces”).
Adulto, Pink se casa, mas a separação não demora a vir, quando ele descobre que sua mulher está tendo um caso (“Young lust”). Ele leva uma fã para o seu quarto de hotel – ao ser provocado, ele acaba colocando-a para fora (“One of my turns”). Após a saída da fã, Pink entra em depressão (“Don’t leave me now”).
Depois de destruir a televisão com seu violão, ele jura que não precisa de mais ninguém (“Another brick in the wall – Parte 3”). Dessa maneira, Pink acredita ter completado a parede mental que construiu para se proteger (“Goodbye cruel world”).
Pink começa a delirar. Em crise, ele raspa todo o corpo (incidente ocorrido com Barrett, que apareceu em uma sessão de gravação de “Wish you were here” com as sobrancelhas e pelos raspados). Enquanto assiste ao filme “Labaredas do inferno” (1955) na TV, Pink cria um alter ego nazista.
Neste momento, seu empresário mais alguns paramédicos invadem seu quarto de hotel e o descobrem em depressão. Injetam drogas nele para que se apresente no show daquela noite (“Comfortably numb”).
No palco, Pink acredita ser um ditador e que o show é um comício nazista. Seus seguidores começam a atacar minorias (“Run like hell”).
Em julgamento (“The trial”), Pink é retratado como uma pequena boneca de pano rosa que raramente se move. O juiz é um par gigante de nádegas. O advogado é um homem alto, ameaçador, parecido com um abutre, e o professor é uma marionete abusiva e odiosa. Depois de ouvir as partes e as testemunhas, o juiz ordena que a parede seja derrubada.
Após um silêncio prolongado, a parede explode e Pink é ouvido pela última vez gritando. Três crianças limpam uma pilha de escombros (“Outside the wall”).
“PINK FLOYD – THE WALL LIVE”
O musical será apresentado neste sábado (5/11), às 21h, no Minascentro (Avenida Augusto de Lima, 785, Centro). Ingressos: Setor 1 – R$ 390 e R$ 195 (meia); Setor 2 – R$ 360 e R$ 180 (meia); Setor 3 – esgotado. À venda no local e no Sympla