O Brasil visto de cima do palco é um país em convulsão política, onde a desordem estampa as primeiras páginas dos jornais, o Ministério da Cultura foi extinto e as cores verde e amarelo ganham outros significados ao ser espalhadas pelas ruas.
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Caldeirão pernambucano
Antes de falar da volta à ativa, é preciso voltar ao nascimento. Mestre Ambrósio surgiu como uma das bandas formadoras do movimento manguebeat, que celebra 30 anos e catapultou Pernambuco como o principal caldeirão musical brasileiro naquele início dos anos 1990. Dali germinaram nomes como Chico Science, Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, que tinha entre seus integrantes Fred Zero Quatro e Otto.
Só que o manguebeat tinha fauna mais diversa, para além dos nomes que acabaram ficando mais famosos. Para usar a imagem típica do movimento, o lamaçal daqueles anos abrigou figuras que ajudaram a modernizar o passado e produzir uma evolução musical, mas que permaneceram mais nas sombras, como as bandas Eddie, Devotos e Mestre Ambrósio.
“Na época, não existia muito o questionamento sobre fazer ou não parte do movimento, porque era uma coisa só, existia um sentimento forte de colaboração entre os grupos”, diz Siba, outro dos nomes à frente de Mestre Ambrósio. “Mas, olhando agora, dá para perceber que a gente era um manguebeat ao contrário. Partia da cultura popular e deixava as referências do pop e do rock costurarem esses elementos.”
Tornou-se clássico dizer que Chico Science e a Nação Zumbi eram uma banda de rock costurada pela cultura popular e pela percussão do maracatu, enquanto Mestre Ambrósio fazia o inverso – um grupo de ritmos tradicionais que salpicava de pop a embolada, o forró, o baião, a ciranda, o maracatu e o cavalo-marinho.
Esse último, folguedo da Zona da Mata nordestina, ou seja, festa tradicional teatralizada, tem em seu rol de personagens o tal Mestre Ambrósio, que aparece em cena caracterizado por uma máscara pintada de preto e branco.
Máscara do cavalo-marinho
A máscara acabou se tornando símbolo da banda, aparecendo em shows e capas de discos. E estará mais uma vez nos palcos nesse retorno, que marca não apenas os 30 anos de carreira e de manguebeat, mas também os 18 anos desde a última apresentação.
Em 2004, foi no Sesc Santo André, em São Paulo, que Mestre Ambrósio parou de tocar. E será também no Sesc, mas no Vila Mariana, que vai voltar à ativa até domingo (6/11). Em dezembro, será a vez das unidades Jundiaí, Sorocaba e Itaquera receberem a apresentação.
Nos ensaios, os músicos vêm tentando recuperar a liga no palco. “Em três dias, já tínhamos selecionado as músicas. Existe uma memória corporal, foram 12 anos e 500 e poucos shows juntos”, fala Helder Vasconcelos, que toca fole de oito baixos, uma espécie de acordeom.
“É um show muito físico. A dança, as máscaras, o que herdamos da cultura de rua, tudo vai estar no palco”, afirma o percussionista Sérgio Cassiano.
Vão fazer parte das apresentações, que depois de São Paulo viajam ao Recife, as faixas “Pé de calçada”, “Se Zé Limeira sambasse maracatu”, “Pescador”, “Coqueiros” e “Fuá na casa de Cabral”, num pot-pourri dos três discos, todos relançados recentemente em vinil, marcando não apenas o retorno do grupo, mas um aceno aos fãs moderninhos.
Sem afobação
Siba, porém, afirma que ainda não existe qualquer conversa para que o reencontro extrapole o saudosismo e dê à luz o quarto álbum, com inéditas. “A gente está bem cauteloso. O objetivo é trazer o nome da banda de volta, tocar juntos mais uma vez. Não queremos gerar expectativas.”
Mas o sambinha “Lembrança de Folha Seca”, faixa do disco “Terceiro samba”, o último da banda, traz um recado para o próprio grupo e para fãs curiosos para ouvir o que Mestre Ambrósio ainda pode criar. Lá pelas tantas, diz a letra: “Se a estrada é tão longa/ não adianta se cansar”.