Folhapress
Foi difícil adivinhar o que seria feito com o Pantera Negra no cinema depois da morte de Chadwick Boseman, que interpretava o personagem desde 2016. A sequência do seu primeiro filme solo já vinha sendo preparada pela Marvel quando o ator morreu por causa de um câncer de cólon em 2020, fazendo a produtora mudar os rumos da história para seguir sem ele.
Trocar o astro por outro intérprete poderia parecer desrespeitoso, recriar suas feições digitalmente seria caro e desistir do personagem causaria um prejuízo aos cofres da Marvel, que lucrou mais de R$ 1 bilhão com o primeiro longa.
O jeito foi matar o herói na ficção também. Em "Pantera Negra: Wakanda para sempre", que tem sessões de pré-estreia nesta quarta (9/11) e entra em cartaz a partir de amanhã, o personagem é enterrado por seu povo, e as mulheres que o rodeavam ganham protagonismo.
Na trama, após o velório de T'Challa, o Pantera Negra, sua mãe Ramonda assume o comando do país Wakanda. Ao lado da general Okoye e de sua filha Shuri, ela tenta proteger a nação de potências mundiais que se interessam pelo tal vibranium, um metal preciosíssimo que só existe naquele lugar. É quando seres do fundo do mar, liderados pelo poderoso Namor, entram em conflito com o povo da superfície.
Pioneirismo negro
"Pantera Negra", de 2018, trouxe pela primeira vez um ator preto como protagonista na Marvel desde "Homem de Ferro", longa que deu pontapé inicial na saga blockbuster do estúdio 10 anos antes, em 2008. Deu espaço também a várias personagens femininas.
Agora, no novo filme, são elas que tentam preencher a lacuna deixada pela ausência de Boseman. Letitia Wright vive uma Shuri tomada pelo sentimento de luto. É uma garota carregada de pesar, distante da alegria que a marcava nos filmes anteriores.
"Amo a Shuri do primeiro filme, ela era um raio de sol. A família dela a encorajou a ser um gênio cheia de fé. Agora, seguimos a partir disso. Como ela continuaria se estivesse de coração partido?", disse a atriz, em entrevista coletiva.
A polêmica da vacina
Apesar de ganhar protagonismo na história e ter seu rosto no centro dos cartazes de divulgação de "Wakanda para Sempre", Wright foi uma pedra no sapato da Marvel durante a produção do longa. Isso porque a atriz guianesa-britânica virou uma das grandes vozes do movimento antivacina em Hollywood.
Em dezembro de 2020, Wright publicou nas redes sociais um vídeo em que um youtuber questionava os efeitos das vacinas contra a COVID-19.
Pouco depois, fontes disseram que a atriz com frequência fazia comentários antivacina no set de filmagem de "Wakanda para Sempre". A Disney, que é dona da Marvel, foi forçada a emitir um comunicado sobre a vacinação.
A empresa exigiu que funcionários que trabalhassem numa de suas instalações comprovassem a sua vacinação.
O comportamento de Letitia Wright não comprometeu sua participação no longa, porém. É Shuri, afinal, quem conduz a trama. Mas não deixa de ser curioso ver a atriz manifestar opiniões negacionistas ao mesmo tempo em que interpreta uma personagem que fala tanto de morte e família.
Isso sem contar com o fato de que Shuri é vendida como uma pessoa que domina tecnologia e ciência e que está sempre à frente dos pesquisadores de fora de Wakanda. A contradição entre Wright e sua personagem, nesse sentido, é bastante incômoda .
A imagem de "Pantera Negra" só não fica completamente colada à atriz por causa das personagens Ramonda, Okoye e Nakia, vividas respectivamente por Angela Bassett, Danai Gurira e Lupita Nyong'o.
São personagens que também mudam por causa da morte de T'Challa. Nyong'o diz que Nakia, o par romântico do herói, funcionava como uma espécie de oásis para ele, e agora ela quer fazer o mesmo por Shuri. "Tive que aprender com a personagem a contornar minha frustração em perder Chadwick", afirmou em entrevista coletiva.
Danai Gurira interpreta aqui Okoye, a general implacável das guerreiras de Wakanda. O novo filme quebra a imagem de bruta da personagem para expor suas fragilidades. "É crucial que vejamos todas as facetas desses personagens e que exploremos sua humanidade com caleidoscópios."
Wakanda vira curso em SP
Yasmine Evaristo, pesquisadora e crítica de cinema que vai dar um curso on-line sobre "Pantera Negra" no Museu da Imagem e do Som, o MIS, em São Paulo, diz que o novo filme tenta rebater o machismo e racismo da indústria, mas cutuca as intenções dos estúdios Marvel.
"Precisa ter pessoas negras na direção e na produção, sabe? A galera que está ganhando grana com cinema ainda não são as pessoas negras."
O filme da Marvel não representou uma mudança só para os filmes de super-heróis. O recente "A mulher rei", com Viola Davis, assustou a indústria, disse a atriz em entrevistas.
Segundo ela, foram seis anos buscando quem quisesse bancar o projeto e, não fosse o sucesso de bilheteria de blockbusters como "Mulher-Maravilha" e "Pantera Negra", o longa talvez nunca saísse do papel.
Para além da indústria cinematográfica, a existência de "Pantera Negra" exerce impacto sobre outras esferas. Evaristo conta que, em 2018, levou crianças de Belo Horizonte para uma exibição do filme.
A pesquisadora ouvia comentários como "olha, aquele homem do filme, tem o cabelo do meu pai". Eram frases ditas por garotinhas pretas que mantinham os olhos pregados enquanto guerreiras com a mesma cor que a delas derrotavam supervilões.
“PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE”
(EUA, 2022. 161 min.) Direção: Ryan Coogler. Com: Angela Bassett, Letitia Wright e Lupita Nyong'o. Classificação indicativa: 14 anos. Sessões de pré-estreia, a partir das 18h desta quarta-feira (9/11), em salas das redes Cineart, Cinemark, Cinépolis e Cinesercla. Em cartaz a partir desta quinta-feira (10/11).