No último dia 8 de setembro, quando a rainha Elizabeth 2ª morreu, aos 96 anos, de causas naturais, a equipe da série "The crown" interrompeu as filmagens daquela sexta-feira e anunciou que faria o mesmo no funeral da monarca, marcado para o dia 19 do mesmo mês.
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Realidade ou ficção?
Entre colunistas de TV, jornalistas especializados na família real britânica, políticos retratados na série e até uma atriz ganhadora do Oscar e condecorada pela própria rainha, Judi Dench, o incômodo é que "The crown" esteja indo longe demais no que seria um retrato sensacionalista e totalmente fictício, mas sem deixar isso claro para o público.
Desde sua estreia, em novembro de 2016, "The crown" vem apresentando uma versão criada por roteiristas de TV, porém baseada em fatos reais, do reinado de Elizabeth 2ª. Cada temporada se concentrou nos acontecimentos mais marcantes de uma década de seu reinado, que começou em 1952, quando ela foi coroada, aos 25 anos.
Não é o primeiro produto de cultura pop a fazer isso. O longa-metragem "Uma noite real", de 2015, conta a história de uma aventura em Londres com as então princesas Elizabeth e Margareth, que teriam saído disfarçadas uma noite em 1945.
"A rainha", de 2006, com Helen Mirren no papel da própria, apresenta uma versão do que aconteceu nos dias seguintes à morte da princesa Diana. "Spencer", lançado no ano passado, com Kristen Stewart no papel da princesa Diana, pelo qual foi indicada ao Oscar, imagina um Natal com a família real pelo ponto de vista de Diana, que sofria de bulimia.
Mas "The crown", por diversos motivos, parece diferente. Talvez por causa de sua longevidade, talvez pelo fato de contar a história de maneira muito realista e em ordem cronológica, com os fatos históricos, conhecidos do público, como pano de fundo para os dramas familiares.
Talvez por ser uma produção britânica, com um elenco notável, que todo ano é indicado a vários prêmios, tudo leva o público a assistir à série como se fosse quase um documentário.
E há ainda o agravante de que as atitudes da família real inglesa são a tradução da palavra privacidade. Ninguém sabe ao certo o que acontece entre as diversas paredes dos diversos castelos ou palácios em que eles vivem. Nenhum dos membros da família - pelo menos não os relacionados por sangue, não por casamento - demonstram emoção em situações públicas.
Nenhum deles disse uma palavra que seja a respeito da série que conta a história da família a que pertencem e pela qual trabalham suas vidas inteiras. O príncipe Harry, na verdade, confessou a Oprah Winfrey que assistiu a alguns episódios, mas nada além disso.
Desde a entrada da princesa Diana na vida da família, em 1980, quando ficou noiva do príncipe Charles, aos 19 anos, o alcance popular da família real mudou de patamar. Diana se transformou na mulher mais famosa do mundo nos anos seguintes e atraiu um tipo de atenção que até então só era dado a estrelas de cinema.
Aquela princesa linda, jovem, tímida, carismática, deprimida, traída, vingativa e bulímica que um dia seria rainha transformou toda a realeza britânica em um produto da cultura pop. Uma figura tão pública engendrada em um habitat hostil só fez atiçar a curiosidade e a fascinação do público.
Que, agora, em parte, acredita que assiste a um reality show, ou pelo menos a uma série documental, não a um produto de ficção.
Fúria, protesto e alerta
É isso que vem enfurecendo gente como o ex-primeiro ministro John Major, do Partido Conservador. Quando foi revelado que, em um episódio dessa nova temporada, o príncipe Charles sugere a Major que gostaria que a rainha abdicasse, o político declarou ao jornal britânico “The Mail on Sunday” que isso era "um total absurdo".
A atriz britânica Judi Dench, de 87 anos, escreveu um artigo para o jornal “The Times” em que dizia que a série era "cruelmente injusta com os indivíduos e prejudicial para a instituição que ela representa".
Dench pedia que, antes de cada episódio, entrasse um alerta dizendo que aquela era uma obra de ficção. De fato, dois dias depois da publicação da carta, o trailer oficial da quinta temporada apareceu com um aviso dizendo "inspirada em fatos reais, essa dramatização fictícia conta a história da rainha Elizabeth 2ª e os eventos políticos e pessoais que moldaram seu reinado".
Os 10 episódios que entram no ar agora, no entanto, não têm esse aviso. Como retratam eventos de apenas duas décadas atrás, contam histórias que a maioria das pessoas testemunhou pelos tabloides, ou por fotos de paparazzi e manchetes de jornais, e cujos personagens estão aí, em plena atividade - fora, naturalmente, a princesa Diana e a rainha Elizabeth 2ª.
Com um novo elenco e um novo monarca no comando do Reino Unido, a quinta temporada de "The crown" é, sem dúvida, a série mais esperada do ano. Talvez não para o rei Charles 3º, o herdeiro do trono que passou mais tempo no banco de reserva, a saber todos os 70 anos de reinado de sua mãe, coroada quando ele tinha 3 anos de idade.
Charles, o controverso
Aos 73 anos, Charles é o rei mais velho a assumir essa coroa. E o único, certamente, a ter sido filmado tentando improvisar um samba desengonçado ao lado da passista Piná, em uma visita ao Brasil, em 1978.
Pode ser o mais bem preparado. É certamente o mais controverso e o que teve a vida pessoal mais exposta pelos tabloides do mundo todo. Mas chega ao cargo para o qual foi treinado por toda a sua vida, casado com a mulher que sempre amou, Camilla Parker Bowles, que atualmente responde pelo título oficial de rainha consorte.
Camilla, aliás, é uma das poucas personagens reais a dar bandeira de que vê a série com regularidade e tem curiosidade a respeito.
Em um encontro recente com o ator britânico Dominic West, que interpreta o príncipe Charles nesta temporada, ela o cumprimentou com um aperto de mão e, discretamente, abaixou a cabeça e disse "sua majestade" - como seu marido será chamado de agora em diante.
"THE CROWN"
A quinta temporada da série sobre a família real britânica, com 10 episódios, estreia nesta quarta (9/11) na Netflix.