O cantor, compositor, ator e comunicador Saulo Laranjeira está comemorando 70 anos de vida e resolveu se dar de presente a realização de um desejo que acalenta há muitos anos. Ele sobe ao palco do Grande Teatro do Palácio das Artes na próxima sexta-feira (11/11), às 21h, para celebrar o aniversário com show inteiramente dedicado à obra de Elomar Figueira Mello.
Acompanhado por uma formação de câmara, com violinos, viola, violoncelo, piano e flauta, e contando com a presença do maestro e violonista João Omar, filho de Elomar, Saulo vai desfilar alguns dos temas mais conhecidos do cultuado e recluso músico baiano, com quem mantém uma relação estreita desde a década de 1970.
Quando, em 1987, estreou seu programa de entrevistas, causos e números musicais “Arrumação”, na Rede Minas, Saulo já expunha ali a proximidade e a admiração pela obra de Elomar, já que o título foi tomado emprestado de uma de suas músicas mais conhecidas, dos versos “futuca a tuia/ pega o catadô /vamo plantá /o feijão no pó”.
Saulo Laranjeira canta "Arrumação" com a participação de João Omar
Vontade antiga
Após um primeiro momento de indecisão com relação ao roteiro musical que levaria para o palco, a partir do instante em que resolveu celebrar seus 70 anos com um show, Saulo diz que se deixou levar pelo coração. “Eu poderia trabalhar com repertório autoral, mas realizar um projeto em torno da obra de Elomar é uma vontade que me acompanha há muito tempo”, diz.
Ele afirma que, para marcar o aniversário, queria algo que fizesse vibrar sua emoção e que espelhasse seu compromisso com a cultura popular e a música regional. “Fazer 70 anos é muito especial, então essa foi uma escolha guiada pelo desejo de entregar uma obra que conheço há muitos anos. Bateu uma coisa com a outra, de soprar as velas visitando essa obra na forma como a entendo e interpreto”, conta.
Saulo já dividiu palco com Elomar em diversas ocasiões e também já incluiu músicas dele em suas apresentações, mas ainda não tinha dedicado um show inteiro à obra do baiano, nascido em 1937, em Vitória da Conquista, onde mora até hoje, na sua Fazenda dos Carneiros. O aniversariante explica que algumas das músicas que serão levadas ao palco do Palácio das Artes já ganharam corpo em sua voz; outras, não.
Zona de conforto
“Mesmo as que eu nunca cantei, estão no meu imaginário. Existe uma identificação, de forma que – apesar do desafio, porque é uma obra complexa – eu posso me sentir um pouco mais na zona de conforto. São canções que estão na minha memória emocional”, destaca. Ele diz tratar-se de um concerto muito cuidadoso, até pela presença do filho do homenageado.
Depois de montar o roteiro da apresentação, Saulo, a propósito, compartilhou com João Omar suas escolhas. Também viajou para Vitória da Conquista, há aproximadamente um mês, para ajustar o repertório em companhia do próprio Elomar. Tanto pai quanto filho chancelaram o desenho de espetáculo que foi concebido.
A obra de Elomar inclui óperas, antífonas, autos sertanejos, sinfonias compactas, que trazem elementos das tradições musicais ibéricas e árabes, e são peças pródigas em variantes dialetais, arcaísmos e neologismos. Saulo pontua que quis tornar a apresentação desta sexta-feira mais palatável para o público, por isso centrou foco nas canções.
“Incluí, por exemplo, ‘Campo branco’, ‘Cantiga de amigo’ e, claro, ‘Arrumação’. Tem muita coisa dos primeiros álbuns, que o público identifica logo de cara”, destaca. Ele se recorda de quando e como conheceu Elomar, na companhia de Dércio Marques (1947-2012), a partir da escuta do álbum de estreia do baiano, “Das barrancas do rio Gavião”, de 1972.
“Estávamos em São Paulo quando Dércio me apresentou esse disco. Ele também não conhecia Elomar. Ouvimos juntos e ficamos muito impactados”, diz. Ele conta que sempre foi com muita frequência para sua terra natal, Pedra Azul, no Norte de Minas Gerais, acompanhar os reisados e as manifestações locais da cultura popular.
Visita a Elomar
“Certa vez, convidei Dércio, e como estávamos ali, quase na divisa com a Bahia, relativamente perto de Vitória da Conquista, resolvemos ir visitar Elomar em sua fazenda. Foi uma identificação imediata, nos entrosamos muito bem. A partir daquele momento, Elomar entrou em nossas vidas e nós, de certa forma, entramos na vida dele”, conta.
A dupla de amigos passou a frequentar e se hospedar com assiduidade na Fazenda dos Carneiros. A partir dos anos 1980, eles já tinham um convívio próximo e passaram a desenvolver projetos conjuntamente. “Tinha um centro cultural e casa de shows que eu mantinha em São Paulo, o Fulô da Laranjeira, onde Elomar foi se apresentar muitas vezes”, relata Saulo.
Ele diz que a convivência foi se intensificando e fizeram shows juntos no Palácio das Artes. “Logo no início do programa ‘Arrumação’, a gente fez um especial com ele em Vitória da Conquista, cantando nas varandas da casa dele, eu interpretando meus personagens”, diz. Saulo também atuou como narrador no espetáculo “O auto da Catingueira”, de Elomar, com as participações de Dércio Marques, Xangai, Luciana Monteiro, João Omar e Grupo Giramundo.
Momentos marcantes
De seus 70 anos de vida, 50 deles são dedicados às mais diversas formas de expressão artística. Em sua longa e diversificada trajetória, Saulo Laranjeira, além da música, fez teatro, cinema, televisão e atividades pontuais em outras áreas. Entre os momentos marcantes desse percurso estão as vezes em que dividiu palco com Elomar, mas há várias outras passagens de relevo, conforme aponta.
“Um momento importante foi o recital ‘Ser tão sertão’, baseado na obra de Guimarães Rosa, que fiz na década de 1980, com Lima Duarte e o saudoso Papete. Foi marcante porque me identifico demais com o universo de Guimarães Rosa, e Lima Duarte é um grande conhecedor da obra dele. Fizemos uma temporada de três meses em São Paulo, viajamos muito, até para fora do país, quando nos apresentamos na Filadélfia (EUA)”, conta.
Ele diz que também viveu algumas experiências memoráveis ao lado de outro parceiro de longa data: o cantor, compositor e apresentador Rolando Boldrin. Saulo marcou presença em seu programa, “Som Brasil”, criado no início dos anos 1980, por diversas vezes. “Também fizemos, há quatro anos, um espetáculo muito bonito no Palácio das Artes”, recorda.
O programa “Arrumação”, que estaria completando 35 anos caso ainda estivesse no ar, também é posto entre as grandes realizações da carreira de Saulo. Ele adianta que existe uma possibilidade concreta de a atração voltar à grade da Rede Minas a partir de 2023. “Tenho um carinho especial por esse programa, que me acompanha por tanto tempo e que entendo como uma revista cultural, que tem a música no cerne, mas se ocupa da cultura popular”, diz.
Saulo também soma à lista de grandes momentos de sua trajetória a participação no programa “A praça é nossa”, do SBT, com o personagem João Plenário. “É um programa que faz parte da história da televisão brasileira. O deputado é um personagem muito conhecido, muito popular, que faz as pessoas se divertirem e também refletirem. Tenho muito retorno pelo João Plenário, ainda mais no atual contexto”, aponta.
“Velho Chico”
Em 2016, Saulo viveu outra experiência marcante, conforme aponta, ao interpretar o prefeito da cidade fictícia de Grotas de São Francisco, Raimundo, na novela “Velho Chico”, da TV Globo. Ele disse que conseguiu uma licença do SBT para trabalhar na emissora concorrente e que foi muito enriquecedor contracenar com nomes consagrados da teledramaturgia.
“Foi um projeto com um texto incrível, uma direção maravilhosa do Luiz Fernando Carvalho, que tinha tudo a ver com o que acredito, a questão ambiental, o olhar para a cultura popular. E rodamos no Nordeste, com que tenho uma identificação grande, por ter nascido perto da divisa com a Bahia”, diz.
O desejo de Saulo é seguir enriquecendo esse currículo já crivado de grandes realizações. Ele esteve às voltas, ao longo dos últimos dois anos, com o projeto “A música cantando a nossa história” – uma realização da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj) juntamente com a Laranjeira Produções.
Ele diz ter ficado extremamente feliz com essa realização, que, acredita, vai representar um legado importante para sua história como comunicador. Trata-se de uma série de entrevistas que conduz com mais de 50 grandes nomes da música popular brasileira, em que cada um deles conta um pouco de sua história e interpreta 12 músicas de lavra própria.
Wagner Tiso, Toninho Horta, Guinga, Jards Macalé, Moacyr Luz, Leila Pinheiro, João Bosco, Joyce, Geraldo Azevedo, Chico Lobo, Cátia de França, João Donato e Zeca Baleiro foram alguns dos convidados.
“A gente, por meio desse projeto, gera um acervo importantíssimo, porque as conversas com esses artistas foram bem legais, descontraídas, com eles falando sobre a infância, a relação com a cultura brasileira e as respectivas trajetórias”, diz Saulo.
A série de encontros começou a ser gravada no ano passado, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, ainda sem público, em razão da pandemia, e foi finalizada recentemente, depois de migrar para o Centro de Cultura Laura Alvim, já com direito a plateia. “A música cantando a nossa história” deve estrear nas plataformas digitais em breve, segundo Saulo.
“Foi um trabalho muito denso, que terminou no início de outubro. A última gravação foi com Ivan Lins. Acho que o resultado ficou incrível, porque consegui extrair dos artistas uma verdade, com muita emoção, pela naturalidade com que eu me colocava diante deles”, afirma.
“SAULO LARANJEIRA, 70 ANOS, CANTA ELOMAR”
Show nesta sexta-feira (11/11), às 21h, no Grande Teatro do Palácio das Artes Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. Ingressos para a plateia 1 a R$ 140 (inteira) e R$ 70 (meia), plateia 2 a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), e plateia superior a R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), à venda na bilheteria do Palácio das Artes, das 12h às 21h, e pelo site Eventim. Informações: (31) 3236-7400.