(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LUTO NA MÚSICA

"Me orgulho de cada roupa que vesti, de cada cabelo que usei", disse Gal

A cantora baiana, que morreu nesta quarta-feira (9), aos 77 anos, falou abertamente sobre vários temas em entrevistas ao "Estado de Minas"


09/11/2022 13:55 - atualizado 09/11/2022 15:12

Gal Costa, de vestido vermelho, com os braços abertos em frente ao um foco de luz
Gal Costa era uma das atrações confirmadas do festival Primavera Sound, realizado em São Paulo dias antes de sua morte, nesta quarta-feira (9/11) (foto: Marcos Hermes/Divulgação)

“Não me sinto velha, tenho uma alma jovem e tenho energia para cantar até quando der”, disse Gal Costa ao Estado de Minas, em março de 2021. De fato, Gal cantou o quanto pôde.

Ela, inclusive, era uma das atrações confirmadas do festival Primavera Sound, realizado em São Paulo, dias antes de sua morte, nesta quarta-feira (9/11). A participação, no entanto, foi cancelada às vésperas do evento, em decorrência de problemas de saúde de Gal. A causa da morte da cantora ainda não havia sido divulgada, até o início da tarde desta quarta.

 

Com sua personalidade irreverente, Gal Costa sempre foi muito sincera, o que se confirma nas diversas entrevistas que deu ao Estado de Minas ao longo de sua carreira. “Tudo o  que fiz foi verdadeiro”, afirmou, em 2010, quando acabava de completar 65 anos. 

 

"Me orgulho de tudo o que fiz: de cada roupa que vesti, de cada cabelo que  usei, de cada canção que gravei. Não atuei como revolucionária. Apenas vivi isso de  maneira verdadeira, sendo irreverente, diferente do padrão da época. É  uma coisa que está em mim, na minha maneira de ser. É o que sou", afirmou.


"Gosto de saber o que as pessoas pensam, o que  elas querem. Entro sempre (na internet), vejo os e-mails, leio jornal, ouço música, viajo, faço tudo a que tenho direito no computador. Adoro tecnologia. Sou moderna porque sou moderna", disse.

 

Três anos depois, em 2013, quando lançou o DVD "Recanto Gal ao vivo", ela admitiu que, de fato, mudanças haviam ocorrido em sua voz. “Não perdi meus agudos, mas ganhei nos graves”, disse. “Minha voz mudou porque amadureci, porque cresci.”

Momentos de mudança 

“Canto músicas de uma geração que nunca havia gravado antes. Minha carreira é marcada por esses momentos de mudança”, afirmou Gal em 2015. Na ocasião, ela havia desembarcado na capital mineira com o show “Estratosférica”.

 

“Estratosférica é celebração e comemoração do passado, do presente e do futuro, sem sofrer demais com a saudade ou com a expectativa”, explicou a este jornal. “Gosto muito do ao vivo, de estar junto com os músicos criando ideias para a música e depois apresentar tudo no palco. Ao vivo é pura emoção, papo direto com o público, uma troca essencial”. 

 

Gal admitiu em diferentes ocasiões que sempre teve interesse em romper com a estética dominante. 

 

“O primeiro rompimento veio com ‘Divino maravilhoso’ (1969), a estética daquele trabalho mexendo com o meu jeito de cantar”, afirmou na entrevista de 2013. Já em 2015, ao divulgar o show “Estratosférica”, voltou ao tema: “A sonoridade é ousada, com alguma estranheza. Gosto muito disso”.

"Existiu um certo preconceito por parte do meu público quando anunciei o convite a Marília Mendonça. Mas sou tropicalista, né? E não tenho preconceito. Estava decidida a gravar uma sofrência em ritmo de dance music, achei que nada era mais genial do que isso. A primeira pessoa que pensei chamar foi a Marília. Menina muito talentosa, ela se distancia dos outros artistas de seu estilo, na minha opinião"

Gal Costa, em entrevista ao Estado de Minas

 

A ousadia apenas revela o quanto Gal Costa tinha a mente aberta e era livre de preconceitos. “(Eu) sou tropicalista, né? E não tenho preconceito”, disse em 2018. Na época, ela tinha acabado de anunciar uma parceria com a cantora e compositora sertaneja Marília Mendonça (1995-2021). 

 

Vestida de preto, Gal Costa canta no palco
Gal durante apresentação em BH, em abril passado, no Breve Festival (foto: Alexandre Guzanshw/EM/D.A.Press)
“Existiu um certo preconceito por parte do meu público quando anunciei o convite a Marília Mendonça. Mas sou tropicalista, né? E não tenho preconceito. Estava decidida a gravar uma sofrência em ritmo de dance music, achei que nada era mais genial do que isso. A primeira pessoa que pensei chamar foi a Marília. Menina muito talentosa, ela se distancia dos outros artistas de seu estilo, na minha opinião. Tem uma maneira de compor e cantar maravilhosa. Tenho profunda admiração por Marília”, elogiou Gal.

 

Além de Marília Mendonça, Gal fez parcerias com os mais variados artistas e gravou canções que originalmente não “se encaixavam” em seu estilo. Um exemplo foi a gravação de “O que é que há”, de Fábio Jr. 

 

“Nunca tinha cantado Fábio Jr. As pessoas adoram”, revelou a cantora em 2019. Anos antes, em 2016, ela já havia afirmado: “Considero importante gravar tanto os compositores antigos quanto meus contemporâneos e os mais novos. Tem muita coisa do passado da música brasileira que continua atual, moderno e contemporâneo, enriquecendo o repertório e a alma de quem está ouvindo. Meus contemporâneos, por sua vez, são muito importantes. É sempre bom descobrir autores novos, eles têm forte conexão com o que fizemos”.

 

"Quero despertar só coisas boas nas pessoas, e é muito gratificante saber que esse disco pode levar um conforto, um pouco de alegria para quem gosta e se conecta com o meu trabalho"

Gal Costa, em entrevista ao Estado de Minas

A aceitação do público, no entanto, não foi unânime. Foram muitas as críticas que Gal recebeu, sobretudo pela parceria com Marília Mendonça. “Agora, as críticas não me incomodam. Gosto dela (Marília), que se diferencia dos outros que fazem canções de peão. Para mim, é a melhor de todos”, comentou.

 

Embora tenha começado a carreira na década de 1960, Gal conseguiu conquistar diferentes gerações. Já com mais de 70 anos, ela mantinha um público jovem, que acompanhava suas músicas e, sobretudo, seus shows.

 

“Eles gostam principalmente do meu trabalho dos anos 1960.” Afinal, é um público “que não teve a possibilidade de me ver na época cantando no palco. (O show) É o registro da minha história, que é rica e passou por vários momentos”, disse ainda na entrevista de 2019.

Brasil e mundo caóticos

Durante a pandemia, a baiana lançou “Gal 75” (2021), álbum em que recria canções do seu repertório, em duo com cantores das novas gerações. Para ela, o período de reclusão em função da pandemia “foi um momento de respiro e de alívio ir para o estúdio gravar. Este é um momento em que as pessoas estão tendo prazer em ouvir músicas de catálogo, músicas da minha geração. É a memória de um tempo que era bom. Quero despertar só coisas boas nas pessoas, e é muito gratificante saber que esse disco pode levar um conforto, um pouco de alegria para quem gosta e se conecta com o meu trabalho”.

 

Embora a pandemia tenha pego Gal de surpresa, ela já havia feito uma previsão obscura em fevereiro de 2019. Ao Estado de Minas, disse: “Não sou vidente, mas acho que as coisas tendem a piorar. A gente não sabe o que vai acontecer, mas não é só o Brasil que está caótico, mas o mundo todo”.

 

À época, Jair Bolsonaro começava seu primeiro ano de mandato, deixando as políticas culturais em segundo plano. Portanto, para Gal, aquela era hora de militar, “aqueles que gostam, que se sentem na obrigação de militar. Eu, de certa forma, tenho minha história, minha carreira, que é revolucionária. Mas não sou militante, no sentido de um ser político. Fui militante através da mudança, da transformação”.

 

Olhando a carreira em retrospecto, a cantora definiu, em 2021: “Eu sou todas as Gals. Não dá para desvincular uma da outra. A única diferença entre elas é que hoje, mesmo continuando jovem espiritualmente, eu sou mais experiente. A maturidade traz mais confiança, mais serenidade e segurança. O meu espírito não acompanha minha idade cronológica, porque minha alma é jovem. Tenho uma carreira rica, cheia de nuances e mudanças. Isso me motiva sempre”.

 

Por fim, Gal concluiu em sua última entrevista para este jornal, em março de 2021: “Eu adoro a vida, ela é muito preciosa para mim. Não me sinto velha, tenho uma alma jovem e tenho energia para cantar até quando der”.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)