Apaixonado pelas capas de discos de vinil, que marcaram sua infância e juventude, o artista plástico e curador mineiro Hogenério decidiu convidar artistas de diversas partes do país para fazer releituras das capas que tivessem sido significativas para eles de alguma forma. Assim nasceu a exposição “Capas de disco”, que fica em cartaz no Grande Hotel Ronaldo Fraga, em Belo Horizonte, até 10 de dezembro.
Entre as 93 obras expostas nos diversos ambientes da casa, no Funcionários, estão versões de discos icônicos, como "Caetano Veloso" (1971); "In concert" (1972), de Janis Joplin; "The dark side of the moon" (1973), do Pink Floyd; "A night at the opera" (1975), do Queen; "Gal tropical" (1979), de Gal Costa, morta na última quarta-feira (9/11), aos 77 anos; "Tattoo you" (1981), dos Rolling Stones; "Que país é este" (1987), do Legião Urbana, entre outros.
“Desde pequeno, enxergo as capas como verdadeiros quadros. Quando tinha uns 12 anos, colava na parede as capas de discos dos artistas que eu amava, como Rita Lee, Rolling Stones, Velvet”, conta.
Natural de Felisburgo, cidade do Vale do Jequitinhonha, Hogenério é o caçula de 12 filhos. Com tanta gente vivendo sob um mesmo teto, eram comuns conflitos de todas as espécies. Um deles era a escolha do artista que teria suas canções tocadas na vitrola.
Cada filho tinha um estilo de música preferido. Hogenério, por exemplo, gostava de rock, disco music e da MPB de Chico Buarque, Maria Bethânia, Gal Costa e Milton Nascimento. Um irmão pouco mais velho preferia Nelson Gonçalves e Vinicius de Moraes. Já uma das irmãs gostava do Queen e também da disco music. A outra tinha mais interesse pelo samba.
“Era uma variedade de álbuns que tínhamos em casa. Havia desde discos de Martinho da Vila e Clara Nunes até Queen e Rolling Stones”, diz.
Releitura tropicalista
O primeiro insight que Hogenério teve para montar uma exposição com releituras de capas de disco ocorreu em 2008, quando foi convidado para integrar uma mostra na Vallourec. Na ocasião, Hogenério fez uma versão da capa de "Tropicália ou panis et circencis" (1968), álbum de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.
No entanto, ele deixou a ideia de lado até encerrar a exposição “Dança das cadeiras”, em 2019. “Já estava bolando na minha cabeça fazer várias versões de capas. Comecei, então, a convidar os artistas. E, diferentemente das outras mostras em que fui curador, procurei chamar pessoas de outros estados”, diz.
Integram “Capas de disco” artistas do Rio de Janeiro, Pará, São Paulo e Minas Gerais, além de brasileiros radicados nos EUA. Entre os mineiros, Fernando Pacheco assina a tela “Ray, meu rei”, releitura de álbum póstumo de Ray Charles lançado em 2005 com sucessos do cantor.
Gilberto Abreu criou “Meu avô cientista numa primavera de uma noite qualquer”, versão para a capa do disco “Sol de primavera” (1979), de Beto Guedes, que teve a capa original produzida pelo próprio Abreu.
Em sua releitura, o artista apresenta o mesmo bonequinho que ilustra o disco de Beto Guedes, mas já envelhecido, como se tivesse sofrido as consequências da passagem do tempo. Além disso, o personagem está agora ambientado sob o luar.
O próprio Hogenério também assina uma das obras. Sua releitura foi do disco “Island life”, no qual a cantora Grace Jones aparece de perfil, sem roupas, como se estivesse alongando a perna direita e segurando em uma de suas mãos um microfone.
Hogenério reproduz a mesma pose de Grace. A única diferença é o cenário: enquanto o álbum apresenta ambientação que muito se assemelha a uma academia, a foto do artista plástico foi feita em uma fazenda, num lugar descampado.
Escova de dentes vira pincel
A mostra também conta com artistas novatos. O belo-horizontino FLK, por exemplo, reproduziu em “Janis by FLK” a capa do disco "In concert" (1972), de Janis Joplin, que traz o rosto da cantora norte-americana. A reprodução de FLK é uma pintura fiel à imagem original. No entanto, o instrumento que o artista usou para retratar Joplin é o diferencial da obra. “Ele é um artista que só pinta com escova de dentes”, diz Hogenério.
Outro novato é Mestre Rosemir. Policial aposentado e fã do rock da década de 1980, ele produziu “Guns n’ Roses”, versão da capa de “Bad obsession” (1991), que traz, em cerâmica, o emblema da banda homônima à obra de Rosemir – duas armas enroladas pelos cabos de rosas.
“Deu muito trabalho para ele, porque, quando se trabalha com cerâmica, qualquer erro acarreta a quebra da peça. Quando isso acontece, tem que fazer de novo”, observa o curador.
Há versões de "Yauaretê" (1987), de Milton Nascimento, produzida pela paulista Kity Mendonça, na qual a pantera da capa do disco é substituída por uma onça-pintada.
Em "Domingo" (1967), de Caetano Veloso e Gal Costa, o mineiro Geraldo Silva mantém a assinatura gráfica do disco, mas muda a foto por outra em que Caetano aperta carinhosamente a bochecha de Gal.
Também há releituras de discos das bandas AC/DC, Secos e Molhados, 14 Bis, Beatles, Rage Against the Machine e dos cantores Paul Simon, Elton John, Elis Regina, Rita Lee, Zé Ramalho, Maria Bethânia e Clara Nunes.
As obras estão à venda.
“CAPAS DE DISCO”
Mostra com 93 releituras de capas de álbuns. Curadoria de Hogenério. Até 10 de dezembro, de terça a sexta-feira, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 16h, no Grande Hotel Ronaldo Fraga (Rua Ceará, 1.205, Funcionários). Entrada franca