Jornal Estado de Minas

FILOSOFIA EXPLICADINHA

A Última Sessão de Música

por Renato de Faria*

Ainda bem que domingo já é considerado dia santo mesmo. Nada melhor que uma data canonizada para ver um deus. Dia 13 nos despedimos de um amigo de Apolo que, ao contrário das outras tantas divindades, decidiu dar seu “até logo” não com sacríficos, cruzes, mortes e dores, mas com festa, alegria, música e cantoria.





Uma divindade que, bem diferente dessas olimpianas, cheias de egoísmos e traições, nos apresentou a tradição africana, dessa que nos ensinam sobre a natureza, o respeito à amizade e a prática do amor, reafirmando que que todo homem de verdade deve ser forte, sem maldade, com fé cega, mas com a faca amolada.


Sempre tive horror às aspirações partidárias, mas confesso que, somente após a Ave Maria de ontem, a mosca do poder me mordeu: fosse eu Presidente da República, eleito ou vencido, decretaria todo Do-mingo como Do-Mílton. Mudaria calendário, festa religiosa, missas e cultos. Esse dia seria reservado para se encontrar com os amigos, em qualquer clube, diante de alguma esquina, com os pés na grama de qualquer quintal ou na roda de violão, no meio rua, cantando até termos a certeza de que os sonhos não envelhecem.


Sei lá... Acho que nunca mais conseguirei voltar ao Mineirão e saber que esse lugar será profanado após a Última Sessão de Música. Não haverá final de Copa do Mundo, Libertadores, Copa do Brasil ou mesmo o insosso Campeonato Brasileiro que me fará pisar lá novamente e não lembrar que ali, naquele lugar, se despediu Bituca.





Nunca mais voltarei ali. Heráclito disse: nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio, nem o homem, serão os mesmos da segunda vez. Traduzindo: nada será como antes. De minha parte, o Estádio Magalhães Pinto deveria mudar de nome para Monumental Dona Lília. Bastaria ao Governo do Estado providenciar descanso aos peregrinos de todo o mundo que se encontrariam para celebrar o fato de todo amor ser sagrado.


Fecharia o Mineirão às 23h59 do dia 13 de novembro de 2022, com todos os copos no chão, palco montado, portas semiabertas, bilhetes e cartazes ao vento e com o gramado ainda molhado pelas lágrimas de todos que estiveram ali após às dezoito horas no embarque de encontros e despedidas, expressão de paixão e fé, celebrando a história de um homem, de um país, de uma América Latina, dos artistas que se foram e de canções dedicadas, não à indústria cultural, mas à felicidade humana.


Como uma mãe que vê seu filho partir e decide não mexer no quarto até sua volta, eu faria isso com o Estádio Magalhães Pinto, batizado, desde então, Monumental Dona Lília. Deixaria tudo como está para que os devotos sentissem a força da Última Sessão de Música e ao cantarem percebessem que toda forma de amor vale a pena! E nos momentos mais difíceis, desses em que a bruxa insiste em nos assombrar, teríamos a certeza de que um menino, com a sanfoninha debaixo do braço, boné de maquinista e o coração de estudante, estaria disposto a nos dar a mão.

 

*Renato de Faria é professor e filósofo, buscando as problemáticas da vida diante das solucionáticas do mundo