Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Emocionado, Milton Nascimento ainda não viu as cenas de seu último show

“Ainda não”, foi a resposta que Milton Nascimento deu ao filho na manhã de ontem (14/11). Augusto havia perguntado se ele queria assistir à transmissão do show no Mineirão que encerrou a turnê “A última sessão de música”, na noite de domingo, colocando um ponto final em sua trajetória nos palcos.





“Houve outros shows em que ele se emocionou muito também, mas este foi mais intenso, pois superou todas as expectativas. Falou que achou uma loucura, não estava imaginando aquele tanto de gente”, revela Augusto Kesrouani Nascimento, ele próprio surpreso com o resultado – incluindo a chuva, que esperou a segunda-feira para cair.

A bióloga Isabela Oliveira tatuou a ilustração da capa de "Geraes" no braço, comprou ingresso na Alemanha e ouve Milton no meio da floresta amazônica (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

A "bronca" de Nelson Angelo

Mesmo com muito planejamento, houve coisas decididas em cima da hora. Autor de “Fazenda” (1976), uma das últimas canções do repertório do show, o cantor, compositor e guitarrista belo-horizontino Nelson Angelo se tornou parceiro de Milton no início dos anos 1970.
 
“Ele tinha me pedido várias vezes para convidá-lo. Só que eu achava que ele morava em BH, e ele vive no Rio. Só no sábado soube disso e demos um jeito de ele vir. Pois o Nelson Angelo chegou no camarim me ‘enquadrando’, dizendo que queria cantar. Então, 10 minutos antes do show começar, foi decidido que ele cantaria”, conta Augusto.





Imprevisto também foi o final da noite, quando o backstage se tornou uma confusão. “Seria festa mais fechada para a equipe e acabou chegando um monte de gente que a gente não conhecia”, continua Augusto. Na medida do possível, as pessoas foram recebidas, até que Milton foi retirado para um local mais tranquilo.

A temporada de shows terminou, mas Bituca continua em BH, ainda sem data de retorno ao Rio. Augusto explica que o pai está andando, mas como a locomoção no palco é mais complicada, ele teve de ser amparado na hora em que o show terminou. “Temos usado cadeira (de rodas) para distâncias maiores.”
 

 

"Renascimento" vem aí

Mesmo com o fim da turnê, há ainda muita atividade em torno de “A última sessão de música”. Ontem, a equipe da realizadora Flávia Moraes foi até a sede do Grupo Corpo, no Bairro Mangabeiras, para filmagens para o documentário “Renascimento”.





Foram registrados trechos de um ensaio de “Gil refazendo”, mais recente montagem da companhia, e depoimentos dos irmãos Pederneiras: o coreógrafo Rodrigo e o diretor artístico Paulo.

Desde o início da turnê, em junho, uma equipe faz registros para o projeto sobre a trajetória de Milton. A intenção é lançar “Renascimento” em 2023 – ainda não se sabe se em formato de longa-metragem ou de série.

Última música do show antes do bis, “Maria, Maria” (1976), música de Milton com letra de Fernando Brant, foi composta para o espetáculo homônimo que marcou a estreia do Corpo. É também a canção mais tocada e regravada de Milton, segundo levantamento do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) divulgado em outubro, quando o cantor e compositor completou 80 anos.
 
Thaísa Menezes, que descobriu Milton por causa da professora, diz que arrepiou no gramado do Mineirão (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
 

Bituca no colégio

Em 1990, quando a engenheira Thaísa Menezes nasceu, “Maria, Maria”, gravada por Milton em 1978 (inicialmente tinha apenas vocalise, ganhando letra posteriormente), já era um dos maiores sucessos de Bituca. Na época, o espetáculo do Corpo havia encerrado a longa trajetória de 10 anos em cartaz. Aluna de escola municipal de Belo Horizonte, Thaísa descobriu o mundo de Milton Nascimento por meio de sua professora de artes.





“Meu conhecimento veio dela, que colocava sempre as músicas dele para os trabalhos de escola”, conta Thaísa, que viu Milton no palco pela primeira vez na noite do último domingo. “De todas, ‘Maria, Maria’ é a que me pega mais. E vou te falar: já entrei no gramado arrepiando. Quando ele apareceu no palco, ver aquela emoção com o povo todo do lado foi inexplicável”, continua Thaísa, que estava no Mineirão acompanhada de um grupo de 15 pessoas.
 
Larissa Souza, que veio de Brasília, "desabou" ao ouvir Milton cantar "Bola de meia, bola de gude", a canção das crianças (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
 

O primeiro show de Larissa

Thaísa passou boa parte da manhã de ontem comentando sobre o show com os amigos. Naquele momento, Larissa Souza, de 28 anos, já havia arrumado as malas para pegar a estrada. A atriz e iluminadora veio de Brasília com o namorado apenas para ver o espetáculo. Também para ela foi a primeira vez de Milton no palco. “Foi, com certeza, um dos dias mais lindos da minha vida.”

“Sou de Belém do Pará. Meu avô era um homem preto, do interior, garimpeiro. Ver o Milton tecendo outras possibilidades, muitas delas restringidas para a população preta, tem um papel social magnífico. Desde muito pequena escuto ele. ‘Milagre dos peixes’ (1973, disco majoritariamente instrumental) é um dos meus álbuns preferidos”, diz Larissa.



 
A atriz revela que “desabou” ao ouvir “Clube da esquina 2”, “Caçador de mim” e “Bola de meia, bola de gude”. “Nesta chorei sem parar, pois me diz muito, a música tem um olhar muito especial sobre nossas crianças e baliza minhas atitudes”, completa Larissa.
 
 

Cada um dos 55 mil fãs que foram ao Mineirão tem sua própria história com a música de Milton. A da bióloga mineira Isabela Oliveira, de 33, diz muito sobre sua vida tanto familiar quanto profissional. Em 18 de maio, quando começou a venda de ingressos, que se esgotaram em quatro horas, ela estava em temporada de estudos na Alemanha.

Doutoranda, conseguiu comprar de lá três entradas para o show em BH em novembro. “Ouço Milton desde a nascença, pois meu pai é muito fã. Lembro-me de chegar em casa da escola e ouvi-lo no vinil. Então, ele faz parte da minha vida inteira e da relação com meu pai”, conta. Henrique Oliveira acompanhava a filha no Mineirão.




 
 

Acalanto contra o medo na floresta

A temporada na Alemanha terminou e Isabela foi para Manaus, onde vive atualmente, trabalhando como bióloga. Ela voltaria a BH para passar o Natal com a família apenas em dezembro – Milton antecipou o retorno.

“Trabalho na Amazônia, e a música dele fala do contato com povos indígenas, biodiversidade, rios. Quando entro na mata para expedições, as músicas do Milton sempre vêm na minha cabeça. Tenho medo de acampar no meio do mato, então quando tenho que dormir na rede, coloco o fone e escuto Milton. Ele é também um conforto para que consiga dormir no meio da mata aberta”, conta Isabela, que carrega tatuada, no bíceps esquerdo, imagem da capa do álbum “Geraes”, lançado em 1976.

Hamilton de Holanda e Wayne Shorter em Los Angeles (foto: Instagram/reprodução)
Wayne Shorter viu tudo lá dos EUA

 

A transmissão de “A última sessão de música” pelo Globoplay levou o último show para o mundo, como a música de Milton Nascimento sempre pregou. “Alegrias da vida adulta: passar uma tarde com a lenda do jazz Wayne Shorter assistindo a ‘A última sessão de música’ de Bituca”, postou o bandolinista Hamilton de Holanda diretamente de Los Angeles.

 

O saxofonista norte-americano, de 89 anos, é um dos célebres parceiros de Milton – juntos, lançaram em 1974  o álbum “Native dancer”. Shorter também dá nome ao anfiteatro na casa do cantor e compositor, no Rio de Janeiro, inaugurado com show que teve a participação do próprio.