Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Músicos mineiros preparam série que vai contar a história do tango



Uma conjunção de fatores abriu espaço na agenda do compositor, instrumentista e educador Rufo Herrera – argentino radicado em Belo Horizonte há mais de 40 anos – para que ele investisse em um novo projeto, intitulado Tempos Três, que integra juntamente com os músicos mineiros Fernando Santos (contrabaixo) e Antonio Viola (violoncelo).





Criado em 2020, o trio está em fase de finalização de uma websérie intitulada “Tempos Três: Uma cronologia do tango”, dividida em seis episódios, que até o final deste mês deve começar a ser transmitida pelo Instagram e pelo YouTube. Nela, Herrera conta o desenvolvimento do popular ritmo portenho, desde seus primórdios até os dias atuais, ilustrando a história com números musicais relativos a cada período.

Ele explica que a chegada da pandemia somada ao fato de ter se aposentado como professor da Universidade Federal de Ouro Preto e de seu Quinteto Tempos estar em uma espécie de hibernação foi o que o motivou a convidar Fernando Santos e Antonio Viola – companheiros de longa data – para montarem o Tempos Três.

“Tive a ideia de formar esse grupo como uma maneira de abrir outros caminhos para continuar com minha atividade. É algo despretensioso, mas com uma proposta estética bem delineada, com foco no tango”, destaca. O estímulo para a realização da websérie, ele explica, veio da percepção de que o gênero vive um momento de grande visibilidade em todo o mundo.





“Tenho acompanhado o movimento de uma nova geração que é em escala planetária, com muita gente estudando o bandoneon e tocando o tango no Japão, na China, na Coréia, na França, na Noruega – países que já têm suas próprias orquestras dedicadas ao gênero. São jovens de 15, 18 anos, que, tecnicamente, eu diria, já superaram os músicos da minha geração”, aponta.

Ele chama a atenção para o fato de que esse contingente inclui, também, muitas mulheres instrumentistas. “Na época em que comecei, o bandoneon era um instrumento proibido para mulheres. Hoje está cheio de garotas por aí tocando muito bem”, diz o veterano músico, que está com 88 anos.

Caminho tortuoso

Mas para chegar ao atual cenário, um caminho tortuoso foi percorrido. Herrera situa que os primórdios do tango remontam ao século 19, quando, por volta de 1870, a Argentina viu surgir o embrião do gênero que viria a se consolidar a partir do início do século 20.





“Nunca se produziu muita coisa teórica em relação ao tango. (O escritor Jorge Luís) Borges escreveu a respeito, mas sem muito compromisso com a pesquisa. Ele ignora, por exemplo, que o tango também vem da África. A própria palavra tango tem origem africana”, afirma.

Herrera aponta que a história contada na websérie tem início com a música “El choclo”, composta por Ángel Villoldo em 1903. “Era um cantor e violonista que dominava a técnica, um músico profissional com muita capacidade e talento, então esse tema fez bastante sucesso. Existem mais de 50 gravações dele com diferentes orquestras.”

Segundo diz, o tango teve sua época de ouro entre as décadas de 1920 e 1950 e começou a entrar em declínio nos anos 1960. Foi quando Herrera e os músicos de sua geração partiram em busca de trabalho em outros lugares do mundo, porque o espaço para o gênero na Argentina começava a minguar.





“Na década de 1970, você só tinha duas ou três orquestras de tango famosas em Buenos Aires. O próprio Piazzolla seguia trabalhando, mas fora do país, mais presente na Europa e nos Estados Unidos do que na Argentina”, afirma.

Enfoque pop

Somente no fim dos anos 1990, conforme observa, é que uma nova geração resolveu revisitar o gênero sob uma nova perspectiva, mais alinhada com a música pop – algo que, num primeiro momento, foi visto com desconfiança pela crítica e pelos tradicionalistas.

O músico afirma que “mataram” o tango em vários momentos ao longo do século passado. “Cada vez que surgia uma ideia nova em torno do tango, vinha a crítica e caía em cima: ‘O tango morreu’. Na websérie ‘ Tempos Três’, eu conto esse percurso de forma bem sucinta, com textos introdutórios seguidos de uma música ilustrativa do que eu digo. É um trabalho bem didático, com a informação passada de forma clara e com muita música”, ressalta.

Ele diz que a parte musical da websérie já está toda gravada e que, para disponibilizar a produção, falta apenas um trabalho de edição dos textos. “Quando gravei, não me preocupei muito com o tempo, fui contando as histórias que sei, então essa parte da narração ficou muito longa. Agora vamos trabalhar para equilibrar o texto com a música.”