Dois concertos programados para esta sexta-feira (18/11) vão oferecer ao público um percurso harmonioso, sem degraus, do clássico ao popular. No Grande Teatro do Palácio das Artes, a Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico de Minas Gerais, com o reforço de quatro renomados solistas, executam o “Réquiem em ré menor”, ou simplesmente “Réquiem”, de Mozart – a última e mundialmente aclamada obra do compositor austríaco.
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Mistérios da criação
As anotações que Mozart registrou sobre as partes inconclusas permitiram que Franz Xaver Süssmayr, que foi seu aluno e amigo, completasse a partitura. Acredita-se que Mozart, com a saúde já deteriorada, tenha composto a obra para seu próprio funeral, a despeito de as várias versões acerca do “Réquiem” apontarem o início de sua criação a partir de uma encomenda.
Sánchez observa que não há consenso sobre essa história, que é apresentada no filme “Amadeus” (1984), de Milos Forman – adaptação da peça homônima escrita em 1979 pelo dramaturgo inglês Peter Shaffer, sucesso na Broadway em 1980, que por sua vez foi baseada na obra “Mozart e Salieri”, escrita em 1830 pelo romancista e poeta russo Alexandre Puskin (1799-1837).
O maestro pondera, contudo, que ela é plausível. “Se não falamos com Mozart, nunca vamos saber o que ele tinha em mente. Na época, a expectativa de vida era baixíssima. Qualquer enfermidade no século 18 era tratada com sangria ou de formas muito precárias. Cada vez que uma pessoa adoecia, pensava que ia morrer. Mozart começou a compor o ‘Réquiem’ com 33 anos, então é possível imaginar que ele já estivesse com medo de morrer”, diz.
Não é despropositado pensar, segundo o maestro, que o compositor, diante do medo da morte, tivesse dedicado a obra a si mesmo. “O fato é que se trata de um tema muito expressivo, carregado de emoção”, destaca. Ele pontua que o termo réquiem é usado para classificar obras litúrgicas utilizadas em cerimônias voltadas aos fiéis falecidos. “A composição desta missa é repleta de incertezas e tão obscura quanto sua temática”, observa.
Há várias versões sobre como surgiu o pedido da peça. Uma delas diz que a missa fúnebre foi encomendada por um homem desconhecido, que teria visitado Mozart utilizando uma máscara e solicitado a ele que não tentasse descobrir sua identidade. Algumas narrativas trazem até o mês da encomenda: julho de 1791.
Outra versão, mais precisa historicamente, aponta que, no ano de sua morte, enquanto trabalhava na ópera “A flauta mágica”, em Viena, e ao mesmo tempo terminava a encomenda de outra (“A clemência de Tito”), Mozart recebeu o mesmo pedido de um visitante misterioso. Sabe-se hoje que a encomenda partiu do conde Von Walsegg, que tinha uma propriedade nos arredores de Viena.
Toda esta aura de obscuridade por trás da criação do “Réquiem de Mozart” reforça o tema da peça. Sylvia Klein destaca este e outros atributos da composição, que a tornam tão respeitada e reconhecida: “É uma obra fúnebre, enigmática por toda a história em volta dela, e esplendorosa. Também penso na situação de Mozart compor estando já muito doente. Deve ter sido catártico para ele, criar pensando na própria morte”, diz.
Sánchez destaca que uma característica marcante do “Réquiem” é a mistura de formas, o que reflete tanto um desejo do autor quanto seu domínio para compor. Mozart morreu quando escrevia “Lacrimosa”, o oitavo dos 14 movimentos, mas teria deixado claro para Süssmayr o que pretendia para o restante da obra.
“Tem um trecho que é quase barroco, evoca Bach, e outra parte, a cargo do solista, que é quase romântica, projeta Beethoven, então tem ali uma mistura de coisas muito interessante. Quem escuta reconhece vários sentimentos, não é algo só triste ou só alegre”, diz o maestro argentino, chamando a atenção para o fato de que a escrita a quatro mãos contribuiu para essa dinâmica.
Desafio na execução
Ele ressalta que essa característica acaba por representar, também, o maior desafio na execução da obra. O “Réquiem” se refere ao inferno, ao céu, à ira de Deus, à crença na luz eterna, e é na passagem de um “sentimento” para o outro, proposta na partitura, que reside a maior dificuldade na abordagem da composição, tanto para o regente quanto para a orquestra, o coral e os solistas.
“Em um dado momento, você tem que declamar mais, como no barroco, um canto quase falado, e em outro, há uma fuga dupla com muitas notas. A fuga é um tema com pergunta e contestação. Quando um coral está cantando junto, as notas todas ao mesmo tempo, é uma coisa, mas quando há essa alternância, numa velocidade grande, a dificuldade é efetiva”, diz.
Sánchez perdeu a conta de quantas vezes já conduziu a execução do “Réquiem”, de Mozart, mas afirma que sua atemporalidade e universalidade faz com que a cada vez o sentimento que o compositor quis expressar se renove. “Penso que, se fizermos daqui a 40 anos, ela se manterá atual, como se manteve ao longo dos últimos dois séculos, porque fala do que há de mais humano, fala da vida e da morte.”
“RÉQUIEM”
Orquestra Sinfônica, Coral Lírico de Minas Gerais e solistas convidados apresentam a obra de Mozart, sob regência de Hernán Sánchez, nesta sexta-feira (18/11), às 20h30, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, 31.3236-7400). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada).