Jornal Estado de Minas

DESAVENÇA

"Acho que Cássia Kis precisa ser punida", afirma Paulo Betti


Paulo Betti tinha entrado na casa dos 60 quando começou a olhar para trás. Os diários e textos que escreveu na juventude se tornaram a base do espetáculo “Autobiografia autorizada”. A montagem, escrita, dirigida (com Rafael Ponzi) e interpretada por ele, recupera a trajetória do filho caçula (o 15º) de uma camponesa analfabeta e de um esquizofrênico de Sorocaba, interior de São Paulo.





Lançado em 2015, o espetáculo nunca deixou de ser apresentado. Nem mesmo na pandemia, quando Betti fez uma temporada on-line – houve sessões remotas com 4 mil pessoas, outras com um só espectador. De volta a Belo Horizonte, onde apresentou o monólogo em 2016, Betti faz única sessão neste domingo (20/11), às 19h, no Sesc Palladium.


Na entrevista a seguir, Betti, que chegou aos 70 em 8 de setembro passado, comenta que só agora, na maturidade, entendeu que é realmente um ator. Apoiador de Lula e do PT desde a primeira hora, ele falou também sobre o que espera do novo governo, das mudanças que gostaria de ver na Lei Rouanet e do imbróglio com Cássia Kis. 

O que significa para você este reencontro com o público nos palcos?

Sinto que o público tem estado muito desejoso do contato direto com o ator. Quando a peça acaba, as pessoas esperam, querem conversar, tirar fotografia, enfim, trocar ideias, participar. Todo mundo está muito motivado por causa do processo que temos passado nos últimos anos. Foram muitas mortes, perdas, e o teatro significa o reencontro. As pessoas estão gratas por estar vivas.





Você chegou aos 70 recentemente. Chegar a essa idade em plena atividade muda muita coisa?

Evidentemente que tem seus problemas, mas sou muito disciplinado, regrado e conservado (risos). Depois dos 60, começaram a me chamar de mestre. Agora, já começam a me levar pela mão, me conduzindo ao lugar onde devo ficar, embora eu não precise disso. Vou parodiar um amigo meu, Anton Chaves, um ator maravilhoso.

Ele dizia: “Será que sou ator mesmo?”. Hoje acho que não tenho mais dúvida: sou ator, e cheguei a essa conclusão aos 70 anos. Descobri bem tarde que sou ator e hoje domino minimamente meu ofício. O Domingos Oliveira dizia que eu era um falso modesto. Acho que ele tinha razão.

Neste ano, você está viajando com o monólogo, esteve em dois filmes que chegaram aos cinemas (“O debate”, de Caio Blat, filmado em 2022, e “O pai da Rita”, de Joel Zito Araújo) e fez a novela “Além da ilusão”. Os papéis não param, não é?

Nós, homens, somos privilegiados nesta questão em relação às mulheres. Estou sempre fazendo papéis que me colocam na área, e fico feliz com isso. “Além da ilusão” foi uma novela excelente, de época, no governo do Getúlio, falava de questões da guerra, da mulher naquele período.



E já estou com proposta para fazer outra novela. Fiz “O debate”, um filme de guerrilha, filmado rapidamente, pronto em questão de um mês. Tinha plano sequência de seis minutos do meu personagem fumando um cigarro cenográfico filha da p... Eu tinha que acender o cigarro, falar, andar, descer escada. Foi esse filme que me deu noção de que sou ator mesmo.

Você ainda é contratado da Globo, certo?

Ainda sim, mas isso vai mudar. Isso porque meu contrato não chegou ao fim. A Globo não vai ser mais da maneira que era, com aquele elenco... Mas vou fazer outra novela, tenho convites para fazer filmes no streaming. E voltei a assistir a novelas na pandemia. Adorei ver “Pantanal” e aquela que passava antes (“Um lugar ao sol”). Gosto de ver meus colegas.

O que eu não vejo é série: a última que vi foi “Bonanza” (risos). Não, quando todo mundo comenta, vejo alguma para não ficar por fora, tipo “Breaking bad”. Mas acabo achando que não é tudo o que estão falando.





Você se engajou muito na campanha de Lula, fez vários vídeos para redes sociais para tentar mudar voto. Houve contato para que fizesse parte da equipe de transição?

Não, acho que perceberam que estou trabalhando muito. E não tenho nenhum problema de não estar na transição, estou adorando não estar em lugar nenhum. Na real, sou um ator. Estou numa vida muito corrida.

Esta semana, fiz o espetáculo em Maceió, ontem no Rio, hoje em São Gonçalo, domingo em BH. Mas estou vendo com muito bons olhos a transição, as pessoas convidadas para participar da equipe. E o desejo de todos nós é que a coisa dê certo. E vamos ter novamente um Ministério da Cultura!

O retorno do MinC é a demanda mais imediata do setor cultural. Mas o que você espera, efetivamente, que o PT de volta à Presidência do Brasil traga para o setor, tão demonizado nos últimos quatro anos?

Seria legal haver um aprimoramento da Lei Rouanet, que, aliás, sempre foi dinâmica. Mas tem que haver uma campanha de esclarecimento, já que as pessoas não sabem o que é a lei, quando ela é necessária.

As fake news atrapalharam muito. Outra questão que acho que tem que haver é retomar tudo de bom que estava acontecendo (antes da gestão Bolsonaro), como os Pontos de Cultura, a Ancine funcionando bem, com uma capilaridade in- crível. Acho que a gente tinha um projeto bem bacana que foi interrompido. Com a sua retomada, haverá uma valorização da cultura, e não sua demonização.





“Autobiografia autorizada” não faz uso de lei, correto? Como você está bancando a temporada?

Nesta peça especificamente não usei lei, mas tive um patrocínio inicial (quando da primeira  temporada, em 2015). Atualmente, eu viajo com a peça com cachês baixos quando faço espetáculos de graça (com entrada franca). Meu cachê é R$ 20 mil brutos. Com isso, tenho que pagar equipe. Compara com dupla sertaneja que cobrava R$ 700 mil, R$ 800 mil para fazer show em cidades pequenas. É um valor razoável.

Agora, a Lei Rouanet é excelente. Mas parte dela tem que sair do eixo Rio/São Paulo. A lei depende dos departamentos de marketing das empresas, que vão querer os artistas mais conhecidos para ter retorno de publicidade. Seria ideal que tivesse um ramo dela saindo do eixo, facilitando mais para os artistas que sejam desconhecidos. Isso favoreceria muito a cultura, pois hoje ela (a lei) favorece muito as grandes produções.

Recentemente, Cássia Kis expôs conversa privada que você teve com ela durante uma live com Leda Nagle. Essa situação lhe causou muito incômodo?

Não foi tão incômodo, não. Acho que as coisas acontecem. Mas acho que a Cássia não tem o direito de fazer a pregação homofóbica que está fazendo. Acho que ela precisa ser punida. E também pela atuação contra a democracia. Ela está bastante equivocada. Não tem cabimento, neste momento, ir pra frente de quartel pedindo que haja intervenção.



Lamento, pois a considero ótima atriz, uma amiga. Para você ter uma ideia, o tio da Cássia é o jogador de futebol da minha infância, do (Esporte Clube) São Bento, de Sorocaba. Ela é sobrinha do Gonçalves, e eu ia para o estádio para vê-lo jogar. Nas minhas conversas com a Cássia, o papo sempre girou em torno do Gonçalves, um cara elegante, ma- ravilhoso. Agora, no momento em que ela está falando coisas absurdas, acho que tem que ser punida.

Você pretende usar verde e amarelo nos jogos da Copa?

De jeito nenhum. Aliás, se usar, vai ser com o 13 do Lula nas costas. Mas acho que vou usar camisa vermelha mesmo. Naturalmente, vou torcer pelo Brasil. Gosto de futebol e gosto do Brasil. Espero ter que comemorar gols do Neymar, estou torcendo para que ele jogue muito bem. Mas confesso que estou torcendo mais para o Vinícius Jr. e pelo Richarlison.

ESPETÁCULO EM FESTIVAL

“Autobiografia autorizada” será o espetáculo de abertura do 1º Festival Santo Antônio das Artes, em Santo Antônio do Monte, no Centro-Oeste mineiro. O monólogo será apresentado na próxima sexta-feira (25/11), às 20h, no Poliesportivo Dr. Renato Azeredo. O evento, que vai até o dia 30, conta com espetáculos e oficinas. Entrada franca (os ingressos serão disponibilizados uma hora antes da apresentação).

“AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA”

• O monólogo com Paulo Betti será apresentado neste domingo (20/11), às 19h, no Sesc Palladium,
• Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro.
• Ingressos: Plateia 1 – R$ 50 e R$ 25 (meia); Plateias 2 e 3 – R$ 40 e R$ 20 (meia).
• À venda na bilheteria e no Sympla.
• Informações: (31) 3270-8100