Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Mariana Xavier traz a BH monólogo sobre a noite dos desesperados


Com uma carreira artística iniciada aos 9 anos, no teatro, a atriz Mariana Xavier ganhou projeção nacional com sua participação no filme “Minha mãe é uma peça” (2012), atuou em novelas da TV Globo, foi repórter do “Vídeo show”, integrou o elenco de outros cinco longas-metragens e estrelou 17 montagens cênicas, mas nunca tinha feito um monólogo.





Essa lacuna foi preenchida em março deste ano, quando ela estreou “Antes do ano que vem”, peça que chega a Belo Horizonte para duas apresentações neste sábado (19/11) e domingo, no Cine Theatro Brasil Vallourec.

Com texto de Gustavo Pinheiro e direção de Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas, a montagem tem uma narrativa que expõe necessidades, angústias e desejos de sete personagens – todas interpretadas por Mariana – que encaram a virada do ano com perspectivas bastante distintas. 

Quem catalisa a trama é a faxineira Dizuite, que trabalha na Central de Apoio aos Desesperados (que faz clara analogia com o Centro de Valorização da Vida – CVV). Com a inesperada ausência da psicóloga responsável pelo plantão na noite de réveillon, a funcionária se vê diante da missão de atender, aconselhar e confortar os mais diversos tipos de pessoas – todas aflitas, às voltas com seus medos e anseios – que ligam em busca de auxílio.





O olhar de Dizuite para os problemas alheios, com uma psicologia muito peculiar, baseada na sabedoria popular e nas dores e delícias de seu próprio cotidiano, é que dá o tom da comédia. Pela chave do humor e da leveza, a peça se propõe, segundo Mariana, a discutir questões fundamentais para a sociedade contemporânea, como solidão, empatia, solidariedade e a nova ‘ditadura de felicidade’ imposta pelas interações virtuais.

Comédia com reflexão 

A atriz conta que, em 2017, movida pelo desejo de comemorar seus 40 anos de vida – que completou em 2020 – encenando o primeiro monólogo de sua carreira, começou a conversar com o dramaturgo, roteirista e jornalista Gustavo Pinheiro. 

“Eu não tinha ideia do que poderia ser, apenas disse a ele que gostaria que fosse uma comédia, mas que não fosse só entretenimento, que levasse alguma mensagem, alguma reflexão”, recorda.





Pinheiro foi passar a virada daquele ano na França, e lá leu uma notícia sobre o maior número de tentativas de suicídio ocorrer precisamente na noite de réveillon. Ele ficou intrigado com isso, investigou o tema e voltou para o Brasil com essa proposta de texto, inspirado em um dado real, segundo Mariana.

“É um espetáculo que tem como mote essas datas tidas como ‘de felicidade obrigatória’, que causam excitação e insuflam esperança para muita gente, mas também trazem muita frustração e angústia, por tudo o que não se conseguiu realizar. É um momento que pode causar sentimentos muito opostos”, pontua.


Transtorno de ansiedade 

Ela diz que, quando leu o texto pela primeira vez, em 2018, estava com um diagnóstico de transtorno de ansiedade, o que amplificou o impacto da trama apresentada por Pinheiro. “Eu estava vivendo um momento profissional excelente e, ainda assim, tinha essa angústia, então já me emocionei de cara diante do texto, porque fez muito sentido para mim. Pensei que era uma história que poderia se comunicar muito bem com as pessoas”, comenta.





Batido o martelo sobre o que seria sua estreia em um monólogo, Mariana partiu em busca de um diretor. Ela conta que já “namorava” Lázaro Ramos profissionalmente há muitos anos e logo pensou nele para assumir a função. A oportunidade de fazer o convite veio em um encontro casual na Praça de Alimentação do Projac – o complexo de estúdios da Rede Globo.

“Ele estava acompanhado de Bianca Lopes, que dirigia o programa dele, ‘Lazinho com você’, e que também tinha me dirigido no ‘Vídeo Show’. Falei para o Lázaro que gostava muito dele, e ele disse que gostava muito de mim também. Bianca fez essa ponte e eu achei perfeito, porque precisava de alguém com humor e sensibilidade, já que esse tema da saúde mental é muito delicado e eu queria tratar com responsabilidade”, diz.

Direção compartilhada 

A baiana Ana Paula Bouzas acabou embarcando no projeto por uma precaução da atriz e pela proximidade e amizade com Lázaro. “Sei que ele é essa pessoa que pega 280 projetos para desenvolver ao mesmo tempo e não poderia estar tão presente quanto eu gostaria, então pensei que a gente precisaria de um segundo nome, que pudesse cobrir as lacunas”, diz Mariana.





Conterrânea de Lázaro e com mais de 30 anos de atuação como atriz, dançarina, coreógrafa, diretora cênica e preparadora de elenco, Ana Paula foi convocada pelo ator e diretor. Ela já havia trabalhado com ele anteriormente, sempre em processos “muito bacanas, muito harmônicos”, e por isso não hesitou em aceitar o convite.

“A gente tem uma relação muito leve e muito amorosa. Tenho uma admiração profunda por Lazinho, um respeito pela trajetória e pelo trabalho dele”, diz Ana Paula, justificando a fluidez do processo de direção compartilhada. Ela observa que Lázaro é, com efeito, uma figura muito demandada e que por isso eles trabalharam, em vários momentos, separadamente com Mariana.


Afinidade artística 

“A gente veio dividindo esse lugar da direção com complementaridade e com um respeito mútuo muito grande, porque temos, ambos, a questão da escuta e de pontos de vista que são parecidos, o que tem a ver com afinidade artística. A gente se entende muito mais do que entra em conflito”, afirma.





Mariana, por sua vez, diz que também sempre acompanhou de perto e com interesse o trabalho de Ana Paula e que ela se desdobrou num primeiro momento de ensaios. “Foi uma guerreira, porque estava morando em São Paulo e vinha para o Rio toda semana de ônibus, para ficar hospedada na minha casa, porque, no início, não tinha patrocínio, a gente estava tocando o barco por nossa conta, com nossos recursos”, recorda.

A atriz conta que a chegada da pandemia impactou “Antes do ano que vem” em várias instâncias. A previsão de estreia da peça era para 10 de janeiro de 2020. Seis dias antes de seu debute no monólogo, Mariana quebrou a perna. Ela diz, bem-humorada, que foi um aviso prévio da pandemia.

Queimar o cartucho 

“Foi como se o universo estivesse falando para eu não queimar o cartucho, segurar, porque ia dar ruim. Se eu começasse em janeiro mesmo, teria que interromper logo em seguida, ia ficar aquela coisa no meio do caminho, em suspensão por dois anos”, diz. Ela recorda que, durante a pandemia, com o espetáculo pronto para estrear, passou pelo que muitos artistas passaram, emocionalmente falando.





“A sensação de solidão, o afastamento das pessoas, a falta de perspectiva de realizar os projetos. Fiquei muito desesperada mesmo, sem conseguir planejar nada, me sentindo à deriva.” Com o arrefecimento da pandemia, os trabalhos foram retomados, com a chegada de mais um reforço: o diretor de encenação e movimento, coreógrafo e também ator Márcio Vieira.

“Durante a pandemia, Ana Paula voltou a morar em Salvador, Lázaro saiu da Globo e assumiu uma série de compromissos na Amazon, quer dizer, muita coisa mudou. Nenhum dos dois poderia estar comigo de uma forma mais próxima, daí entrou o Márcio, para fazer a direção de movimento e estar junto nos ensaios, ser também uma espécie de babá de atriz”, graceja.


Trabalho em equipe 

Ela considera importante sublinhar o trabalho em equipe, sobretudo num momento de muitos ataques à cultura e muita desinformação sobre como funcionam as produções artísticas. Mariana observa que os profissionais envolvidos com a parte técnica dos espetáculos foram os mais prejudicados com o isolamento imposto pela pandemia.





“Um monólogo não se faz só com uma pessoa, tem uma equipe criativa enorme envolvida, uma turma que foi justamente a que mais ficou desassistida ao longo desses últimos anos. É importante a gente falar sobre isso, para esclarecer as pessoas que muitos empregos são gerados em qualquer produção artística”, salienta.

A atriz diz que ficou apreensiva com seu primeiro monólogo, agoniada, pensando se de fato gostaria de estar só em cena, já que, conforme ressalta, é afeita ao jogo e à troca no palco. “Embora tivesse uma equipe enorme nos bastidores, fiquei com muito medo, pensando ‘e se eu esquecer o texto’?. Numa peça em grupo ou em dupla, isso se resolve, tem o outro ator para socorrer num caso de lapso de memória”, diz.

Conexão com o público 

A partir da estreia, no entanto, ela entendeu que estava ancorada em um porto seguro. “A conexão com o público acontece de uma maneira tão bonita, tão profunda, que já na estreia eu não me sentia sozinha em cena. Eu me divirto muito e me emociono muito, durante e depois, com os comentários que chegam a mim, com o que escrevem a respeito”, destaca.





A personagem central da peça, Dizuite, lida com as angústias alheias no momento de mudança simbólica que representa a passagem do ano. E a atriz Mariana Xavier, como encara essa data? Ela diz que adora, entende o réveillon como um momento de renovação de fôlego, de ânimos e de esperanças em relação ao que está por vir.

“Mas não sou uma pessoa de traçar metas, fazer planos a longo prazo. O que causa frustração nas pessoas é projetar lugares e realizações inalcançáveis, irreais. Não sou totalmente alheia às pressões sociais, ninguém é, mas acho que me livrei da maioria delas. Viver sem essa expectativa de agradar ao outro torna tudo mais leve”, afirma.

“ANTES DO ANO QUE VEM”

Monólogo com Mariana Xavier. Texto: Gustavo Pinheiro. Direção: Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos. Neste sábado (19/11), às 20h30, e domingo (20/11), às 18h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Av. Amazonas, 315, Centro, 31.3201-5211). Ingressos para a plateia 1 a R$ 80 e R$ 40 (meia) e para plateia 2 a R$ 50 e R$ 25 (meia), à venda na bilheteria do teatro e no site Eventim