O artista plástico Marco Tulio Resende não pode ver uma caçamba na rua. Adora mexer e guardar coisas que os outros jogaram fora. Há 15 anos, numa dessas incursões, se deparou com uma pilha de descartes de uma gráfica. Eram centenas de reproduções da imagem de uma criança chorando. Tal material foi conservado, como outros tantos, em seu ateliê no Bairro Sion.
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O material foi produzido entre 2020 e 2021. O artista trabalhou com as 300 reproduções que havia coletado – um número menor está sendo exposto porque a dimensão da galeria não comporta todo o trabalho. Aposentado da Guignard desde 2019 – graduado na escola em 1974, atuou como professor da instituição durante 37 anos –, Resende viu que o trabalho tinha que ser mostrado neste momento. “Se o assunto esfriar, ele não teria mais tanto impacto.”
A curadoria de “Hiato” é de Augusto Fonseca, que destaca no texto da apresentação da mostra “a força gráfica estabelecida pelo artista, na qual, disposto a procurar uma saída para a fragilidade que a base do suporte e do momento ofereceram, realizou um inventário de novas possibilidades”.
Unidade
Em 50 anos de carreira, Resende nunca foi de utilizar muita cor. “Como a impressão da imagem era em um preto e branco meio esverdeado, trabalhei pretos, brancos e cinzas, tanto na tinta acrílica quanto com carvão e grafite. Mantive a unidade para fazer um bloco só. Acho que ele funciona como um grande trabalho.”
Resende comenta que além da questão pontual, do mal-estar geral no mundo, “Hiato” também se relaciona com sua obra, pois trata da memória. “Trabalho não só a memória afetiva, mas também aquela que nos faz quem somos, a maneira como percebemos o mundo. Todos temos muitos ‘eus’: o temporal, da época EM que vivemos; o DNA; a herança familiar. Tudo influencia muito a gente”, afirma.
“HIATO”
Individual de Marco Tulio Resende. Abertura neste sábado (19/11), das 11h às 14h, na galeria da Escola Guignard – Rua Ascânio Burlamaque, 540, Mangabeiras. Entrada franca. Até 16 de dezembro