Na aula particular de matemática com Padre Pietro Introna, personagem de Romolo Valli (1925-1980), o jovem Lorenzo, interpretado por Jacques Perrin, morto em abril deste ano, diz: “Padre, queria saber se respondemos pelos atos dos nossos parentes”.
O que atormentava o rapaz era saber que seu irmão mais velho, Marcello (Corrado Pani), havia se aproveitado da ingenuidade de Aida (Claudia Cardinale), uma mulher de beleza deslumbrante que sonhava em ser cantora.
Marcello conheceu a moça na cidade de Parma e prometeu a ela uma carreira de sucesso na música, desde que ela o acompanhasse até Milão. Chegando à metrópole de Lombardia, entretanto, ele se cansa da aventura romântica e abandona Aida.
Sabendo da atitude baixa do irmão, Lorenzo se compadece da situação da moça e decide ajudá-la. A amizade inicial, no entanto, vai se transformando aos poucos em uma paixão avassaladora e bem utópica para o rapaz de 16 anos.
O argumento descrito é o do filme “A moça com a valise” (1961), do italiano Valerio Zurlini (1926-1982), que será exibido na abertura do Festival de Cinema Italiano no Brasil, nesta quarta-feira (23/11), no Cine Humberto Mauro. A mostra tem entrada franca e é promovida pelo Consulado da Itália no Brasil. Paralelamente, haverá sessões no Cinema do Centro Cultural Unimed- BH Minas até 30 de novembro.
Ao todo integram a programação 16 longas de diferentes épocas e diretores italianos. Estarão em cartaz desde clássicos, como "Ciúme à italiana" (1970), de Ettore Scola (1931-2016) – além do próprio “A moça com a valise” –, até filmes mais recentes, como “Nostalgia” (2022), de Mario Martone, que foi o escolhido para representar a Itália no Oscar 2023.
Com curadoria de Erica Bernardini – embora ela tenha sido responsável pela escolha dos filmes, deu total liberdade para que os exibidores excluíssem e exibissem os títulos na ordem que quisessem –, o festival também tem como objetivo homenagear grandes damas do cinema italiano, que, além de terem sido símbolo de beleza e sensualidade, desenvolveram trabalhos brilhantes frente às câmeras, como, entre outras, Stefania Sandrelli, Sofia Loren, Claudia Cardinale e Monica Vitti, morta em fevereiro deste ano.
A abertura oficial do evento contará com coquetel e sessão comentada de “A moça com a valise”. Participam do bate-papo Vitor Miranda, gerente do Cine Humberto Mauro, e Samuel Marotta, programador e curador do Cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
PRÉ-ESTREIA
Pela tarde, no entanto, haverá duas exibições como forma de pré-estreia do festival. Os filmes escolhidos para essas sessões foram “A bela moleira” (1955), de Mario Camerini (1895-1981), e “Pão, amor e fantasia” (1953), de Luigi Comencini (1916-2007).
A escolha de “A moça com a valise” para abrir oficialmente a programação, entretanto, foi feita em conjunto por Miranda e Marotta, que têm grande admiração pelo longa de 1961.
“O cinema italiano, por si só, é muito frutífero. Um dos grandes movimentos cinematográficos é o neo-realismo italiano, que mudou para sempre a história do cinema”, explica Miranda. “Pós-neo-realismo italiano, existiram grandes diretores que partiram desse movimento e fizeram sua marca na história do cinema, como (Federico) Fellini (1920-1993), (Pier Paolo) Pasolini (1922-1975), (Roberto) Rossellini (1906-1977). Nessa toada, o Zurlini acabou ficando mais subestimado.”
De acordo com o gerente do Cine Humberto Mauro, isso ocorreu porque as obras de Zurlini têm forte teor existencialista e características que as fazem ser um tanto quanto melodramáticas. “As tramas são mais simples, com um tom meio novelesco e com um eco da literatura”, emenda Miranda.
De fato, a história de “A moça com a valise” tem certa semelhança com o romance “Os sofrimentos do jovem Werther”, escrito quase 200 anos antes por Goethe, no qual o jovem personagem que dá nome ao livro se apaixona perdidamente por uma mulher mais velha e sofre com a impossibilidade de um romance com a amada se concretizar. Zurlini, no entanto, abre mão do romantismo de Goethe para abordar a paixão utópica de seus personagens, justamente, de maneira mais existencialista.
PAIXÃO NA TELONA
No Festival de Cinema Italiano no Brasil também serão exibidos filmes de diretores consagrados, como Luchino Visconti (1906-1976), Bernardo Bertolucci (1914-2018) e Dino Risi (1916-2008). Todos com algumas das icônicas damas do cinema italiano.
“É muito importante citar e homenagear as atrizes, porque no cinema a gente acaba falando muito mais dos diretores. E é um caminho quase que natural por causa da questão da autoria e pelo fato de a direção ser muito dominada por homens. Mas o trabalho do ator e da atriz, muitas vezes, transcende o filme. Se a Itália é reconhecida pelo sangue quente e por ter essa coisa da paixão, é devido às atrizes. Num primeiro momento, elas parecem ser um objeto de desejo, mas são elas que promovem toda a paixão e força que o filme necessita”, observa Miranda.
Além dos clássicos, também serão exibidos nove longas recentes ainda inéditos no circuito comercial brasileiro. Entre eles, "Nostalgia", de Mario Martone. Baseado no romance homônimo de Ermanno Rea (1927-2016), o filme acompanha o retorno de Felice (Pierfrancesco Favino) a sua terra natal depois de 40 anos e os impactos que a redescoberta da cidade onde nasceu causa em sua vida.
“Seca” (2022), de Paolo Virzì, e "Comedians" (2022), de Gabriele Salvatore, são outros títulos inéditos que integram a programação do festival. O primeiro mostra as consequências nefastas de uma seca de três anos em Roma. Já o segundo, tem uma abordagem mais leve ao acompanhar um grupo de comediantes que se prepara para se apresentar a um potencial empresário que pode contratá-los.
FELLINI
“O cinema italiano atual, de modo geral, é muito pautado na revelia dos clássicos. Grandes diretores italianos atuais têm como referência Fellini, que virou uma marca que está impressa em quase todos os filmes atuais. Portanto, é interessante ver esses filmes italianos atuais e pensá-los em conjunto com os clássicos, porque muitos deles tiveram como ‘Bíblia’ os filmes do Antonioni, Fellini e Rossellini, entre outros”, conclui Miranda.
FESTIVAL DE CINEMA ITALIANO NO BRASIL
Abertura oficial nesta quarta-feira (23/11), às 18h30. Às 19h30, sessão comentada de “A moça com a valise”, no Cine Humberto Mauro (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). À tarde, haverá pré-estreia com as exibições “A bela moleira”, às 15h, e “Pão, amor e fantasia”, às 17h, também no Cine Humberto Mauro. A programação se estende até 30 de novembro, incluindo sessões no Cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca. Programação completa de ambos os cinemas em: fcs.mg.gov.br.