Em 1997, a baiana Virgínia Rodrigues estreou profissionalmente como cantora em “Sol negro”, seu primeiro disco. Logo na abertura, ouvia-se o canto de Verônica: “O vos omnes/ Qui transitis per viam,/ Attendite et videte/ Si est dolor/ Sicut dolor meus” (Ó vós todos que passais pelo caminho, vinde e vede se existe alguma dor como a minha dor). Com essa música, ela havia chamado a atenção de Caetano Veloso meses antes, na peça “Bye bye, Pelô”, do Bando de Teatro Olodum, em Salvador.
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Independência, Modernismo e racismo
Virgínia é a atração musical desta terça-feira (22/11) do Artes Vertentes – Festival Internacional de Artes de Tiradentes. O evento, que começou no último dia 16 e será realizado até domingo (27/11) na cidade histórica mineira, conta com mesas-redondas, lançamento de livros, filmes e shows.
Esta edição adotou o tema “(In)Dependências”, destacando o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. O festival busca questionar como os dois eventos históricos repercutem nos dias atuais, abordando, sobretudo, a questão racial.
A programação conta com 100 convidados, entre eles o escritor moçambicano Mia Couto, a jornalista gaúcha Eliane Brum, a deputada eleita por Minas Gerais Duda Salabert, o diretor-geral do Centro Cultural Galpão Cine Horto, Chico Pelúcio, o violinista Iberê Carvalho e Adriana Rouanet, diretora-executiva do Instituto Rouanet, filha do intelectual Sérgio Paulo Rouanet e da socióloga Barbara Freitag.
Na noite desta terça-feira (22/11), Virgínia subirá ao palco com a conterrânea Aline Falcão para interpretar obras de dois compositores negros de diferentes gerações: Paulinho da Viola e Tiganá Santana. “É um show para voz e piano”, adianta a cantora, sem poupar elogios à colega. “Aline é excelente pianista. Cheguei a ela pelo Tiganá, os dois trabalham juntos”, conta.
Dona de voz grave e encorpada, característica de mezzo-sopranos, Virgínia fez carreira no exterior. Já se apresentou no Hollywood Bowl, em Los Angeles, Barbican Conservatory, em Londres, e no tradicional Carnegie Hall, em Nova York.
“O rádio era o único meio de comunicação lá em casa. Eu não tinha dinheiro para comprar vitrola, disco, televisão, nada disso”, lembra Virgínia.
Ela considera um privilégio viver na época em que as rádios programavam os mais diferentes estilos musicais. “Tocava Caetano, Milton (Nascimento), Chico (Buarque), (Gilberto) Gil, Clara Nunes – sambista que morreu em 1983, mas ainda sou muito apaixonada por ela – e Bidu Sayão (1902-1999). ‘Ave Maria’, de Gounod, e ‘Bachianas’, de Villa-Lobos, conheci pela rádio”, recorda a baiana.
Teatro e militância
Foi na época do Bando de Teatro Olodum, pouco antes de lançar seu primeiro álbum, que Virgínia percebeu que sua voz de mezzo-soprano poderia também ser utilizada no ativismo em benefício do povo negro. Então com 25 anos, ela entendeu que no Brasil existe uma “falsa abolição”.
“Não houve abolição. O povo negro, que tem consciência, sabe que não houve abolição. No Brasil, infelizmente, muitas reparações devem ser feitas ao povo negro e, principalmente, aos verdadeiros donos dessa terra, os indígenas”, ela afirma.
Ainda nesta terça-feira, haverá a contação de histórias “Vozes da mata”, com o gestor cultural Fernando Chagas e os contadores Aline Cântia e Sebastião Farinhada.
Vozes de Moçambique, Israel e da Guiné
Também haverá o bate-papo "Quilombo: território e resistência", com os professores José Luiz de Oliveira e Manuel Jauará, o curador do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos de BH, Padre Mauro, e o capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário Escrava Anastácia, Mestre Prego.
No mesmo dia, será realizado concerto com peças de Maurice Ravel (1875-1937), Francis Poulenc (1899-1963), Nino Rota (1911-1979) e Darius Milhaud (1892-1974). Por fim, o longa “Amarcord” (1973), de Federico Fellini (1920-1993), será exibido.
Na quinta-feira (24/11), haverá lançamento de livros; concerto com peças de George Enescu (1881-1955), Johannes Brahms (1833-1897), Robert Schumann (1810-1856) e Sergei Rachmaninoff (1873-1943); e exibição do documentário "Maïdan: Protestos na Ucrânia" (2014), de Sergei Loznitsa.
A programação segue na sexta-feira (25/11), com as mesas-redondas "Autonomia por meio da arte" e "Democracia, populismos e polarização", esta última mediada por Adriana Rouanet. Também haverá concertos de música clássica, exibição de congado e encenação da peça "Luiza Mahin...eu ainda continuo aqui", dirigida por Jorge Maya, com Cyda Moreno, Marcia Santos, Tais Alves e Jonathan Fontella.
Sustentabilidade cultural
No sábado (26/11), a agenda prevê apresentação do Coro VivaVoz, concerto de música clássica e performance de dança "Antes que a fanfarra tenha terminado o compasso". Foram programadas as mesas-redondas "Natureza, educação, ciência e estado", "Meninos, eu não vi! O indígena na literatura brasileira" e "Independência e sustentabilidade das atividades culturais", esta última com participação de Chico Pelúcio, diretor-geral do Centro Cultural Galpão Cine Horto.
Encerram o festival, no domingo (27/11), as mesas-redondas “Segundo sexo, feminismos plurais: resistências e lutas" e "Mesmo o silêncio gera mal entendidos", esta última com participação de Duda Salabert.
Também serão exibidas as animações "Ouvindo Beethoven" (2016), de Garri Bardin, e "Os olhos de Cabul" (2019), de Eléa Gobbé-Mévellec e Isabelle Breitman. Também haverá concerto de música clássica.
FESTIVAL ARTES VERTENTES
Até o próximo domingo (27/11), na cidade histórica de Tiradentes. Programação completa: www.artesvertentes.com. Ingressos à venda pelo site do evento para mesas-redondas, shows, performances e sessões de cinema, por R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia).