Erasmo Carlos renasceu 21 anos atrás. “Pra falar de amor” (2001), lançado pela extinta gravadora Abril Music, foi um marco. Na época escanteado, ele não gravava um disco havia cinco anos. De inéditas então, era uma década sem novas músicas. Mais importante que isto: o disco de 11 novas faixas o apresentava às novas gerações com nomes de peso: Marisa Monte, Carlinhos Brown e Marcelo Camelo, então um dos nomes de frente do Los Hermanos.
Suas duas últimas décadas foram muito produtivas – em discos e parcerias. “Sou um compositor. Se não for com o Roberto, vai ser com outro. Se for com o Roberto, ótimo, temos uma vida quase inteira juntos. O que não posso é ficar sem parceiro”, ele me disse em 2015.
Na época, havia quase dez anos que a dupla Roberto e Erasmo não compunha uma canção. E Roberto, tanto naqueles anos quanto agora, continuava em cima do pedestal que é dele e de mais ninguém, mas repetindo-se à exaustão, num eterno looping, em discos e shows.
Erasmo, não. “Tudo é um risco”, ele continuou, lembrando-se do ímpeto de compor, “assim com um médico tem que trabalhar”. A fase mais rica destes últimos anos trouxe os temas de sempre, amor e sexo, em três álbuns também prolíficos em novas canções e parceiros.
“Rock’n’roll” (2009), “Sexo” (2011) e “Gigante gentil” (2014) são discos de rock em essência, que vão de encontro à própria trajetória de Erasmo, mas que o colocaram no presente. Enquanto Roberto continuava (como até hoje) a distribuir rosas no final de cada apresentação, Adriana Calcanhotto, parceira e autora da letra de “Seu homem mulher”, o deixou confortável para cantar que ele era o sujeito que “não manda rosas, que não ouve as rosas”.
Já se aproximava dos 70 quando enumerou posições sexuais em “Kamasutra”, na esperta letra de Arnaldo Antunes. “O orgasmo é o único cansaço mais gratificante do que o da estrada”, ele se saiu com esta também em entrevista a esta repórter. Ligado na produção contemporânea, o álbum “Amor é isso” (2018) teve como primeiro single uma canção da banda Maglore, “Não existe saudade nos cosmos”. Com Emicida, também neste disco, dividiu a gravação de “Termos e condições”.
Ainda que tenha sua trajetória indelevelmente ligada ao rock, Erasmo foi muito além. Um de seus últimos álbuns, “Meus lados B” (2015), gravado ao vivo, recuperou sua fase setentista, num misto de samba (“Cachaça mecânica”) e soul (“Dois animais na selva suja da rua”), que Taiguara deu de presente a ele e à mulher Narinha).
Assim como alguns de seus contemporâneos, Caetano, Gil, Milton e Gal, que neste século também fizeram um movimento de aproximação de jovens plateias, Erasmo tirou qualquer poeira e passou a subir no palco como um artista de seu tempo.
Continuava fervendo, como diz “Vem quente que eu estou fervendo” (Eduardo Araújo e Carlos Imperial), obrigatória em qualquer show. Lançado em fevereiro, “O futuro pertence à... Jovem Guarda”, que lhe deu o Grammy Latino de melhor álbum de rock em língua portuguesa nesta semana, coloca seu antigo repertório numa roupagem atual. Já no fim da vida, fez seu reencontro definitivo com o passado. Com todas as glórias que o presente lhe deve.