Jornal Estado de Minas

FILOSOFIA EXPLICADINHA

Carta à senhora morte

O ano começou auspicioso, com a senhora levando o Velho Olavo, pseudofilósofo que em nada contribuía para a ciência, para a democracia e, sobretudo, para a própria filosofia, a quem sua pessoa é devedora desde os tempos mais remotos, em que o sapiens tomou consciência de sua finitude sobre esse planeta.




 
Afinal de contas, filosofamos porque nos sabemos mortais. A compreensão de que a vida corre contra o tempo coloca significado em cada decisão que tomamos, nas escolhas éticas diante de uma existência que se apresenta como projeto, sempre aberta às vicissitudes do destino ou à excelência de sermos versões melhoradas de nós mesmos a cada dia. 
 
Em suma, levar Olavo não era mais que obrigação de ofício, tendo em vista os prejuízos acadêmicos que ele tanto causou para a galera que, de uma hora pra outra, se viu autorizada a verborragiar impropérios no espaço sem lei da internet, ofendendo a Sabedoria com relinchos ressentidos de quem nunca conseguiu aprovar um artigo acadêmico ou necessitou plagiar dissertações para compor um míni currículo para entrar em algum ministério. 
 
No entanto, observando as ações a partir daí, a senhora tem que se explicar. Com todo respeito, creio que a não entendeu bem quando pedíamos uma “renovação” na humanidade. No auge de minha arrogância humana, desaprovo totalmente suas decisões e ainda sacramento: levar, em um mesmo ano, Gal Costa, Rolando Boldrin, Jean Luc Godard, Jô Soares, Elza Soares, Arnaldo Jabor, Taylor Hawkins, Jerry Lee Lewis, Dan McCafferty, Sargento Pincel, Pablo Milanés e, agora, Erasmo, o Tremendão?! Aí vossa senhoria pegou pesado demais!
 
Fico a acreditar que não foi apenas uma falha de comunicação entre nós. Isso foi escolha consciente, arbitrária e desejosa para levar o que temos de melhor do lado cá. Pode falar, sem medo, você está a mando de quem? Ou será que está a fim de juntar esse pessoal todo aí para perto de sua pessoa, porque a própria Terra não é mais habitável para gente lúcida, sábia, sensível e competente? É inveja ou é imoralidade mesmo? 
 
Tudo bem que nossa confiança na humanidade beirou a nulidade nos últimos tempos, não é à toa que o realismo pessimista da leitura de Emil Cioran nunca fez tanto sentido na nervura do real. Afinal de contas, acostumamo-nos a denominar de “progresso a injustiça que cada geração cometeu relativamente àqueles que a antecederam”. 




 
Mesmo não sendo muito adepto da esperança, talvez por acreditar que ela é por demais nociva, produtora de homens medianos que acreditam na resiliência e no Life coaching como modo de suportar as adversidades da existência, vou continuar na teimosia de que, do outro lado do destino sobrenatural, exista uma entidade mais competente, responsável por nascimentos e origens, que consiga repor à altura esse estoque de boa gente que vossa senhoria levou. 
 
E tenho dito. 
 
*Professor e filósofo, buscando as problemáticas da vida diante das solucionáticas do mundo