A regra é clara: se alguém for mexer com meu irmão mais novo, que seja eu. A garota chega na escola e vai atrás dos valentões, um grupo de atletas, que estão fazendo bullying com o caçula de sua família. E a vingança é cruel: ela joga piranhas na piscina onde eles estão treinando. Só Wandinha pode torturar Feioso.
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Personagem central deste novo produto derivado dos quadrinhos de Charles Addams (1912-1988), “Wandinha” é revivida com pedigree. Tim Burton (quem mais?) dirige os quatros episódios iniciais, além de atuar como produtor-executivo. Ainda que sua assinatura pese muito, a história não é dele: foi criada por Alfred Gough e Miles Millar, de “Smallville”.
Holofotes
Jenny Ortega capitaneia um elenco de estrelas que parece confortável com participações menores. Eles estão em apenas dois episódios, o primeiro e o quinto, mas Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán, os novos Morticia e Gomez Addams, estão impagáveis. Obcecados um pelo outro e com o tesão à flor da pele – o que provoca quase ânsia de vômito em Wandinha – eles dividem os holofotes com outros nomes conhecidos.
Christina Ricci, que ganhou o mundo como a Wandinha nos filmes dirigidos por Barry Sonnenfeld (“A família Addams 1 e 2”, de 1991 e 1993), está de volta ao mesmo universo. Mas, aqui, como a professora Marilyn Thornhill, especializada em plantas carnívoras e que vai se tornar aliada da protagonista. Outro destaque do elenco é Gwendoline Christie, que interpreta Larissa Weems, a diretora da escola Nunca Mais.
A trama tem início quando Wandinha, após se vingar com requintes de crueldade dos garotos que abusavam de Feioso (Isaac Ordonez), é expulsa pela enésima vez de uma escola. Já que as convencionais não dão conta dela, Morticia e Gomez decidem colocá-la no internato, o mesmo lugar onde se conheceram tantos anos atrás.
Nunca Mais é tudo menos uma escola comum. Instituição voltada para os diferentes – leia-se vampiros, sereias, lobisomens e toda a sorte de párias –, é administrada pela diretora Weems, a ex-companheira de quarto de Morticia. Não é difícil para qualquer fã de Harry Potter se relacionar com este universo.
Uniforme
Logo de cara, Wandinha despreza o lugar. Muito inteligente, avessa a qualquer forma de tecnologia, ela se recusa inclusive a vestir o azul do uniforme da escola. E ser colocada no quarto com a solar Enid (Emma Myers, uma lobisomem frustrada por ainda não ter se transformado) não a ajuda em nada.
Para tratar dos seus problemas com a Justiça, Wandinha é colocada, à força, em sessões de terapia com a Dra. Valerie Kinbott (Riki Lindhome). Esta sempre a lembra de que seu desrespeito a toda autoridade e sua predileção pelo mórbido são indesejáveis.
A protagonista tenta boicotar como pode o novo colégio. Mas logo se vê numa disputa entre dois garotos, o estranho Xavier (Percy Hynes White), seu colega no Nunca Mais, e o doce e normalíssimo Tyler (Hunter Doohan), o filho do xerife da cidade de Jericho (Jamie McShane). Os habitantes do lugar, por sinal, não têm bons olhos para os internos do Nunca Mais.
A chegada de Wandinha à escola coincide com a descoberta de corpos destroçados na floresta de Jericho. O xerife vende uma história para a população de que seria um urso – mas ninguém realmente compra a explicação, dada a gravidade dos ferimentos. E a personagem começa a ter estranhas visões, muitas ligadas a um monstro enorme, de olhos esbugalhados.
Deixada na escola pelos pais, ela tem um companheiro inseparável: Mãozinha (voz de Victor Dorobantu). O Tio Chico (Fred Armisen) é outro aliado membro dos Addams que aparece na trama.
É desta maneira que a história se desenvolve. De um lado, há a trajetória de uma adolescente fora de padrão em um cenário que também não se encaixa no que é considerado normal. E são estes os melhores momentos da série. A dinâmica entre a protagonista que só usa preto e sua melhor amiga, uma lobisomem que adora bichinhos de pelúcia e cor de rosa, traz sequências impagáveis.
O baile em que Wandinha se vê obrigada a comparecer é um dos grandes momentos da série. A dança que a personagem leva para o centro da história é claramente a hora em que Jenny Ortega faz o seu melhor. Esta sequência que bebeu em “Pulp fiction” vai ficando melhor quando um banho de sangue toma conta do lugar – e aí a referência clara é “Carrie, a estranha”.
Competição
Há ainda uma competição esportiva em que não há regras, crises de identidade e de insegurança, questões também típicas do universo juvenil. Tudo é muito bem filmado – e, não por acaso, tais acontecimentos se dão na metade inicial da série, justamente os episódios dirigidos por Burton.
Mas a história do monstro acaba tomando a segunda metade da produção. Wandinha não quer perder tempo com paixões juvenis, pois suas visões estão se intensificando e ela quer resolver o mistério o quanto antes, já que sua pretensão mesmo é se tornar uma escritora de suspense. Feminista, a garota se espelha em Mary Shelley, que tinha 19 anos quando concluiu “Frankenstein” (1818).
Com a sucessão de acontecimentos, os dramas dos personagens vão perdendo a importância diante do monstro, profecias, apocalipses, flashbacks, mortos renascidos e por aí vai. Descobrir quem é o responsável pela matança – e a razão dos assassinatos – acaba dominando a parte final da narrativa, com muitas lutas e efeitos especiais.
Quando segue por este caminho, a produção se distancia ainda mais de sua origem e torna-se um genérico do velho embate do bem contra o mal. Uma segunda temporada – e dá para imaginar desde já que a série será renovada – poderia se concentrar mais na personagem e nos dramas juvenis dela e de seus pares. Os personagens de Charles Addams são muito mais ricos do que monstros criados digitalmente.
“WANDINHA”
• A série, em oito episódios, está disponível na Netflix