Depois de passar nove anos fora de catálogo, está de volta às livrarias “O bandido que sabia latim” (Tordesilhas), biografia do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989) escrita por Toninho Vaz.
A nova edição traz capítulo inédito sobre o imbróglio entre o autor e a família de Leminski, que, em 2013, proibiu a publicação da quarta edição do livro, originalmente lançado em 2001.
Curitibano como o biografado, Vaz fez 81 entrevistas com parentes, parceiros, alunos, ex-mulheres, professores, amigos e desafetos de Leminski. Reuniu escritos, poemas, fotos inéditas e rascunhos de textos inacabados do escritor, professor, crítico literário e jornalista paranaense.
Supremo
A nova edição sai agora graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a exigência de autorização prévia do biografado ou de sua família para a publicação de livros do gênero.
Segundo Vaz, a nova edição traz informações importantes sobre o poeta, morto aos 44 anos em decorrência de cirrose hepática devido ao alcoolismo.
“Há nove anos, o livro sofreu censura familiar. Inicialmente, foi um problema jurídico, porque antes a censura prévia era concebida pela lei brasileira, até que o STF colocou outra norma nessa história, liberando o livro de qualquer censura ou apreciação prévia. Só agora consegui uma editora que resolvesse encarar um problema que, antes de ser literário, era jurídico”, afirma Vaz.
Suicídio
Em 2013, o livro, que fora editado pela Record, sairia pela Nossa Cultura. Alice Ruiz, que havia sido companheira do poeta – mãe de Estrela e Áurea, filhas dele –, desaprovou informações incluídas na quarta edição sobre o suicídio do irmão de Paulo Leminski.
“A Tordesilhas fez uma análise técnica e chegou à conclusão de que não haveria brecha jurídica que pudesse ameaçar a nova edição”, explica o autor.
Toninho Vaz revelou que Leminski tinha um filho, fato até então desconhecido. O rapaz, Lucky, tomou conhecimento disso por meio da biografia publicada em 2001. O poeta conviveu com o garoto em 1968 e 1969. “Depois foi um mistério, até que o menino descobriu que era filho dele e tomou uma série de decisões, já como herdeiro. Atualizo isso tudo”, revela. A relação de Lucky com as irmãs é conflituosa, envolvendo discordâncias em relação ao inventário.
O biógrafo foi amigo de Leminski. “Por ser mais novo, ele me considerava seu aluno. Fiquei muito próximo, fui chamado para fazer sua biografia em 1999, o livro que saiu em 2001”, comenta.
Vaz afirma que Paulo foi um mestre para ele. “Eu me interessei por tudo o que é universo cultural, intelectual, por meio do Paulo. Antes, era um sujeito tacanho, tinha 20 anos e morava em Curitiba. O dom dele de professor me proporcionou gostar de ler, estudar”, conta.
Aliás, foi Leminski quem estimulou o biógrafo a ser jornalista. “Depois de ler um texto meu, nem me lembro qual, ele me disse: ‘Velho, você tem talento para isso. Se quiser viver de escrever, você consegue'.”
Aos 75 anos, o escritor Toninho Vaz conta que sua décima biografia será dedicada ao compositor, arranjador e maestro tropicalista Rogério Duprat (1932-2006). Já lançou livros sobre o poeta Torquato Neto e os compositores e cantores Zé Rodrix e Luiz Melodia.
Desafio
Decifrar Paulo Leminski Filho não é tarefa fácil, diz Toninho. “A mãe era negra e o pai polaco, por isso ele tinha o cabelo liso. Dona Áurea, escura e de origem indígena, nascida em Paranaguá, era dona de casa. O pai, Paulo Leminski, tenente do Exército. Pois o Paulo sai desse ambiente nada sofisticado em matéria cultural e se torna o que foi. Como explicar isso?”
No seminário dos beneditinos, em São Paulo, o jovem curitibano decorou a Enciclopédia Britânica e estudou inglês a ponto de se tornar professor autodidata. “Paulo falava bem francês, inglês e tinha conhecimento bastante profundo de alemão. Ele caía em cima dos livros, tanto que aos 20 anos já usava óculos fundo de garrafa. Escritor e poeta, com certeza, mas na vida era um professor”, diz Vaz.
No caso da poesia, Leminski teve mestres como os poetas Haroldo de Campos (1923-2003), Augusto de Campos e Décio Pignatari (1927-2012). No mosteiro, ao deixar Curitiba, conviveu com um monge erudito que traduzia línguas mortas, a Bíblia e documentos históricos da igreja, “uma coisa sofisticadíssima em termos culturais”, informa o jornalista curitibano.
Vaz e Leminski se afastaram quando o “discípulo” saiu do Paraná. “Casei-me no Rio de Janeiro, onde moro até hoje, e o via esporadicamente. Depois, fiquei algum tempo em Curitiba entrevistando pessoas que conviveram com o Paulo nos últimos dois ou três anos de vida dele.”
Toninho Vaz fez carreira em várias redações. Foi repórter do Jornal do Brasil e da revista IstoÉ, também trabalhou na Globo como editor de texto do “Jornal Nacional”, “Fantástico” e “Globo esporte”.
Playboy
O jornalista diz que Leminski foi homem à frente de seu tempo. “Lembro-me de quando ele comprava a revista Playboy, edição norte-americana, para ler aquilo que depois, no jornalismo e no meio intelectual, virou um mimo: as páginas com grandes entrevistas. Antes das fotos de mulheres nuas, havia entrevistas sensacionais. Não existia a edição brasileira e Paulo me aplicou naquilo. Eram entrevistas profundas, que nos davam informações substanciosas sobre o universo poético e cultural”, diz.
“O BANDIDO QUE SABIA LATIM”
.Biografia de Paulo Leminski
.De Toninho Vaz
.Editora Tordesilhas
.366 páginas
.R$ 99, com brinde, no site da editora (www.alaude.com.br)