Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Peça 'Ex-Magination', com Michelle Sá, conquista territórios pretos de BH


A atriz, diretora e educadora Michelle Sá encerra a temporada do espetáculo “Ex-Magination” com apresentação neste sábado (26/11), às 20h, no Teatro Espanca, com entrada franca.
 
A montagem integra a programação do projeto Solo Negro – idealizado pela Cia. Burlantins, com curadoria de Julia Tizumba –, que se propõe a criar espaço para a difusão do trabalho de artistas negros de Belo Horizonte.





“Ex-Magination”, que estreou na segunda quinzena de outubro, é ficção científica que dialoga com a realidade do Brasil e do mundo, diz  Michelle. 
 
Ex, a personagem dela, chega à Terra vinda do planeta LSP-44, habitado pelos povos dengos (negros) e gingas (mulheres que amam outras mulheres), sociedade que entra em colapso após ser violentamente colonizada pelos moedinos.

Utopia na Terra

A opressão faz com que povos originários do LSP-44 percam a memória e a capacidade de imaginar. “Minha personagem foge e vem para a Terra, que, na peça, é um lugar utópico, idílico, ideal para se viver, onde Ex começa a recuperar a memória e a imaginação. A gente propõe uma inversão”, aponta a atriz, que também assina a direção criativa e a dramaturgia em parceria com Nívea Sabino.

“Ex-Magination” resulta da pesquisa que Michelle Sá e sua equipe vêm desenvolvendo sobre afrofuturismo e ficção científica, cujo principal esteio é a obra da escritora norte-americana Octavia Butler (1947-2006).





“A peça associa o que acontece naquele planeta com a história do Brasil e a forma como o país foi colonizado, tratando também de temas sensíveis da atualidade, como racismo e orientação sexual”, diz Michelle.

A propósito, LSP, nome do planeta de Ex, é a sigla de Lésbicas Sapatas Pretas. De acordo com a atriz e diretora, além das leituras de Octavia Butler e autores congêneres, a dramaturgia partiu de entrevistas feitas por ela e Nívea Sabino, poeta natural de Nova Lima, reconhecida no circuito dos slams.

“Fomos a campo conversar com mulheres negras e lésbicas de 20 a 60 anos para entender suas alegrias e tristezas. Muitas estão integradas ativamente nas discussões sobre o que é ser mulher preta e sapatão nesta sociedade racista e homofóbica”, conta Michelle. “É um espetáculo permeado por muita poesia, além da história ficcional”, aponta.






Trilha sonora e Alexa

Assinada por Manu Ranilla, integrante do coletivo Negras Autoras, a trilha sonora cumpre função cênica importante. “É um espetáculo solo, mas a trilha inclui outra personagem, virtual como a Alexa, a inteligência artificial que conduz Ex no processo de recuperação de sua memória e de sua história”, explica.

O destino de Ex é retornar a seu planeta e ajudar o povo a recuperar a capacidade de imaginar um futuro em que gingas e dengos possam ter existência plena, independentemente de gênero, raça ou de escolhas profissionais.

Ex vem à Terra aprender a libertar seu povo (foto: Pamela Bernardo/divulgação)
A temporada de “Ex-Magination” consistiu na circulação do espetáculo pelo circuito que Michelle chama de “territórios pretos”, que incluiu, por exemplo, o quintal da casa de dona Fininha, matriarca da família do músico Sérgio Pererê, no Bairro Glória, e o Reinado 13 de Maio, no Bairro Concórdia, tradicional reduto de guardas de congo e moçambique.





Nos seis locais onde a montagem foi apresentada, houve debates sobre os temas abordados pela dramaturgia. “Foi um desafio imenso e surpreendente, porque o retorno foi incrível”, diz a diretora e atriz, destacando a heterogeneidade do público, com homens, mulheres, crianças e idosos.

“Os assuntos que a gente trata no espetáculo e nos debates ainda estão muito dentro do círculo institucional. Quando a gente leva questões raciais e sobre sexualidade para o seio familiar, onde ainda pode haver certo tabu em torno disso, é outra coisa. Tudo fluiu muito bem, foram encontros muito bonitos”, comenta Michelle.

Diálogos à vista

A intenção é de retomar a circulação de “Ex-Magination” em 2023, antes de partir para novas criações.

“Ainda temos muitos territórios a percorrer. A proposta é, principalmente, dialogar com a comunidade preta, mas podemos estar em qualquer lugar, diante de qualquer público, seja no Espanca ou no Palácio das Artes”, diz Michelle Sá, chamando a atenção para a importância de encerrar a temporada de estreia na programação do Solo Negro.

“EX-MAGINATION”

Monólogo com Michelle Sá. Projeto Solo Negro. Neste sábado (26/11), às 20h, no Teatro Espanca (Rua Aarão Reis, 542, Centro). Entrada franca.