Afrofunk, afrobeat e afrofuturismo dão o tom – ou os tons – ao disco “Alto da Maravilha”, projeto de Russo Passapusso, cantor e compositor do grupo BaianaSystem, com a dupla Antonio Carlos e Jocafi, que estourou nos anos 1970 com “Você abusou”, “Mudei de ideia” e “Desacato”, entre outros sambas.
Os ritmos africanos presentes nas canções da dupla veterana, que despontou nos festivais da canção sessentistas, sempre encantaram Russo, de 39 anos, fã dos dois desde garoto. O novo álbum, com 12 faixas, é a concretização de um velho sonho dele.
Encontro de gerações
A parceria destas duas gerações da música de Salvador vem desde 2019, quando a dupla participou do disco “O futuro não demora”, do BaianaSystem. Antonio Carlos e Jocafi são coautores e intérpretes de “Água” e “Salve”. Em 2020, veio o single “Miçanga”.
Antonio Carlos conta que tudo começou quando ele e Jocafi fizeram um show no Teatro Rubi, em Salvador. “Fomos a uma televisão dar entrevista para a jornalista e apresentadora Pamela Lucciola, mulher de Russo. Não o conhecíamos pessoalmente, embora já tivéssemos ouvido falar muito dele e do BaianaSystem. Russo chegou ao estúdio levando nossos discos para que pudéssemos autografá-los”, relembra o cantor.
Em meio ao bate-papo sobre música, Antonio Carlos e Jocafi convidaram o fã para uma participação no show. Russo cantou “Glorioso Santo Antônio” e a amizade nasceu ali. Depois, a dupla participou do lançamento de “Paraíso da miragem” disco solo do amigo. Na Concha Acústica de Salvador, ficaram conhecendo os produtores Curumin, Zé Nigro e Lucas, parceiros paulistas do anfitrião. “Começamos a compor juntos”, diz Antonio Carlos.
Vieram a COVID-19 e o isolamento social, o que acabou ajudando o trio. As 12 faixas de “Alto da Maravilha” foram gravadas a distância. “Por incrível que pareça, ela (pandemia) deu força à nossa parceria. Começamos a fazer músicas uma atrás da outra, hoje temos canções para mais um disco. O próximo se chamará ‘Dupla de três’”, conta ele.
Ao comentar o repertório do novo álbum, Antonio Carlos diz que “Alabá” tem a cara da dupla. “‘Pitanga’ é uma das mais bonitas; ‘Vapor de Cachoeira’ a gente fez brincando, o Curumin fez a letra. ‘Forrobodó’ é mais a dupla, mais Nordeste, gostosa de ouvir e dançar. Já ‘Tapa’ é crítica social, bem emblemática. ‘Ponta pólen’, coisa linda, cresceu bastante na mixagem e foi feita com Curumin”, afirma.
De acordo com o compositor e cantor, “Truque” é reflexo do desejo de Russo Passapusso de resgatar elementos do passado de Antonio Carlos e Jocafi. “Tem o sample de 'Diacho de dor', gravada por Maria Creuza em 1974”, comenta. “‘Olhar pidão’ é mais de Russo e ganhou a participação da Karina Buhr, intérprete fantástica. Já ‘Catendê” é a mãe de ‘Você abusou’, ‘Desacato’ e ‘Mudei de ideia’. No início, são os acordes puros. Ouve-se um violão tocando os acordes que transformaram o samba no que ele é.”
Sonho a três
O baiano define “Alto da Maravilha” como um sonho triplo. “Russo é uma figura muito especial para a gente. Quando chega a uma certa idade, o músico precisa de um incentivo a mais para compor, para criar. Graças a Deus, nossa cabeça está muito boa. Aí juntou a nossa dupla, Russo e mais a Márcia Melchior. Isso fez com que a gente voltasse a ter vontade de compor. Agora vamos em frente”, diz ele.
A produtora Márcia Melchior é mulher de Antonio Carlos. Com ajuda dela, o trio conseguiu compor a distância durante o confinamento social. “Russo pegava o pedaço dele na Bahia e mandava para o celular dela. Então, pegávamos um gravador, ligávamos no celular, preparávamos a música, no Rio, e devolvíamos para o celular, que mandava de volta para o Russo. Assim nasceu ‘Caixa de Pandora’ a primeira música que fizemos juntos.”
Gil e Karina
“Alto da Maravilha” (Natura Musical/Máquina de Louco) traz um convidado especial: Gilberto Gil em “Mirê mirê”, single lançado em agosto. Karina Buhr canta “Olhar pidão” e o percussionista mineiro Djalma Corrêa é outro convidado.
O nome do álbum se refere a um quilombo na cidade de Senhor do Bonfim, no interior da Bahia, onde Russo Passapusso passou a infância. Curumin, Zé Nigro e Lucas Martins assinam a produção. A capa é de Ricardo Fernandes, com ilustração de Mauricio Fahd e direção de arte de Filipe Cartaxo.
“ALTO DA MARAVILHA”
.Disco de Antonio Carlos & Jocafi e Russo Passapusso
.Natura Musical/Máquina de Louco
.12 faixas
.Disponível nas plataformas digitais