Cantora que despontou tardiamente, depois dos 60 anos, Dona Jandira está longe de ser uma acumuladora, mas confessa que tem pendor para as coleções. É com base em seu acervo de fotografias, objetos pessoais, vídeos de apresentações e obras que ganhou de artistas renomados que o Conservatório UFMG inaugura, nesta quarta-feira (30/11), a exposição “Uma vida pela arte”, comemorativa aos seus 20 anos de trajetória profissional na música.
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Com a abertura inicialmente marcada para o dia 18 deste mês, a mostra teve que ser adiada em razão de uma forte gripe que acometeu a cantora. “Graças a Deus me recuperei muito bem e já estou ótima. Saúde é uma coisa imprevisível”, diz a “jovem senhora de 83 anos”, como costuma se identificar.
Itens da mostra
Ela diz que a seleção dos itens que compõem a mostra foi feita com a colaboração de Mateus Souza, museólogo da pró-reitoria de Cultura da UFMG, órgão ao qual o Conservatório UFMG é vinculado, que responde pela curadoria de “Uma vida pela arte”. Não foi uma tarefa fácil, segundo a cantora.“Nesses 20 anos de trajetória, ganhei muita coisa, muitos presentes de outros artistas e de fãs, e sou o tipo de pessoa que guarda tudo com muito carinho. Seria impossível juntar tudo numa exposição”, afirma, ressalvando que o conteúdo da mostra dá conta de apresentar um panorama sucinto de sua trajetória.
Dos objetos reunidos em “Uma vida pela arte”, ela diz que tem especial apreço pelo violão com que começou tocando, no início da carreira. “Ele é inseparável. Tem outras coisas de que gosto e que dizem muito sobre mim, mas vou guardar segredo”, diz.
Resgate da MPB
Com relação ao show, que apresenta acompanhada por Fernando Rodrigues (cavaco, violão e guitarra), Aloízio Ribeiro (percussão) e José Dias (baixo) – seu produtor desde 2004, quando a “descobriu” em uma audição para registro na Ordem dos Músicos do Brasil –, Dona Jandira destaca que se trata do resgate de uma MPB que já não desfruta de espaço nas mídias tradicionais.“As pessoas, quando encontram comigo, dizem que hoje em dia é difícil ouvir coisas de Ataulfo Alves, por exemplo. Eu retruco: vai no meu show que você vai ouvir”, aponta. Ela afirma que já viveu muitos momentos marcantes ao longo desse percurso de 20 anos de vida artística. Cada show representou uma vivência intensa e enriquecedora, segundo Dona Janeira. “Palco é magia”, sublinha.
Para dona Jandira, apresentar-se na cidade portuguesa de Évora, no festival Exib Música, em 2016, foi uma experiência inesquecível. “Jamais pensei que poderia um dia ir tocar na Europa. Nunca sonhei tão alto. Quando você começa na carreira como eu comecei, com mais de 60 anos, não ambiciona muita coisa”, diz, acrescentando que, em diversas ocasiões, cantou para públicos muito numerosos, que não acreditava que pudesse alcançar.
Início da carreira
Ela cita apresentações na Praça da Estação e no Parque Municipal, em BH, por exemplo. Com relação aos maiores desafios que enfrentou na carreira, aponta que o início foi o mais difícil, porque tornar-se cantora foi mais uma obra do acaso do que propriamente fruto de um planejamento.“Um grande desafio foi justamente eu me entender e me considerar cantora profissional. Em 2004, quando fui fazer meu primeiro show, no Vinil Cultura Bar, na Savassi, fiquei muito apreensiva, confiante no que eu podia fazer, mas sem saber como seria recebida. Deu uma tremedeira”, aponta.
A trajetória artística de Dona Jandira está estritamente ligada a Minas Gerais. Nascida em Maceió (AL), em uma família de músicos, ela se formou em pedagogia, casou-se, teve dois filhos, netos, se aposentou e, já sexagenária, mudou-se para Itatiaia, distrito da cidade de Ouro Branco, a 100 quilômetros de Belo Horizonte.
Cantarolar
Lá, trabalhou como artesã e comerciante. Nas horas vagas, ficava “cantarolando com seu violãozinho”, como diz. Foi assim que, certa feita, chamou a atenção de uma funcionária da Prefeitura de Ouro Branco, que a convidou para desenvolver um trabalho musical com a comunidade local.Depois de relutar, ela aceitou e acabou fundando o coral infanto-juvenil Os Bem-Te-Vis. Para que pudesse se apresentar com o grupo, precisou se inscrever na Ordem dos Músicos – ocasião em que tocou e cantou para a banca que tinha como um dos integrantes José Dias, que, impressionado com seu talento, a trouxe para se apresentar na noite de Belo Horizonte.
“Às vezes eu me pego pensando: mas, gente, como essa história toda começou mesmo? Tudo aconteceu aqui em Minas. Tive uma receptividade muito grande. Jamais pensei, em toda a minha vida, que ia ter algum sucesso, nunca me programei para isso, e aconteceu. Sou alagoana de nascimento e mineira de coração”, diz.
Novos compositores
“Esse projeto é uma pérola. Foi um outro grande desafio na carreira, porque, em Ouro Branco e região, eu sempre via jovens que tinham o dom de compor, mas que não tinham tido ainda os meios para lançar suas músicas, ter a voz de alguém para dar vida a seus trabalhos. É um projeto modesto, porque fazer um festival seria complicado, até do ponto de vista financeiro, mas é uma forma de dar visibilidade para essa produção”, ressalta.
Ela aponta que, ao longo da década passada, o centro cultural que leva seu nome em Itatiaia cumpriu a missão de aglutinar e incentivar os talentos locais, trazendo aqueles que mais se destacavam para apresentações em Belo Horizonte. “Eu apareci assim, do nada, e como tive as oportunidades que tive, achei que era o caso também de dar esse suporte”, comenta.
Retomada das atividades
Com a chegada da pandemia, entretanto, as atividades foram interrompidas, incluindo o Encontro de Compositores. “Desde o início de 2020 está tudo parado, e quando uma coisa fica parada por muito tempo, a tendência é enferrujar, mas tenho a esperança de que no próximo ano a gente possa reativar o Centro Multicultural”, diz a cantora.Ela assente que essas realizações têm, em alguma medida, uma relação com sua formação em pedagogia, o que passa pelo desejo de transmitir conhecimento e criar oportunidades para quem deseja. Dona Jandira diz entender que o objetivo de sua vida artística e profissional é incutir na cabeça das pessoas o fato de que qualquer barreira que se interponha à realização de um objetivo pode ser superada.
“Eu, como pedagoga de formação, penso no que tenho de informação para passar. O que importa é a maneira de aprender, apreender, se comportar e executar o que se deseja. O trabalho que fiz na região de Ouro Branco não é para mim, é por essas pessoas, esses talentos natos que nunca tinham entrado em um teatro ou em um estúdio. O Encontro de Compositores revelou o trabalho de mais de 70 pessoas”, ressalta.
Trabalho de formação
Esse é um viés da trajetória de Dona Jandira que Mateus Souza, da pró-reitoria de Cultura da UFMG, enfatiza. “Nosso objetivo com a exposição é mostrar que seu percurso não se limitou à carreira pessoal, mas se expandiu para apoiar a formação de novos músicos e compositores. Esperamos que este seja mais um marco na biografia desta cantora que, no auge de sua sabedoria e experiência, estabeleceu-se entre os grandes nomes da nossa música”, diz.Sobre a ação Prosa com Dona Jandira, pela qual se coloca à disposição dos visitantes da exposição nos próximos dias 7 e 15 de dezembro, a cantora salienta que é sempre com muito prazer que procura se relacionar com quem acompanha e se interessa por seu trabalho.
“Amo estar próxima das pessoas. Sou faladeira, então gosto de contar da minha carreira, como tudo começou, explicar como faço as coisas. Quem quiser bater um papo comigo lá no Conservatório na véspera do feriado vai ser muito bem recebido.”
“DONA JANDIRA: UMA VIDA PELA ARTE”
Evento de abertura da exposição nesta quarta-feira (30/11), às 19h15, com show de Dona Jandira e banda, às 20h, no Conservatório UFMG (Av. Afonso Pena, 1.534, Centro), com entrada franca. A visitação fica aberta até 21/12, de segunda a sexta, das 14h às 19h30.