Como grande fã das obras de Roberto Gómez Bolaños, o Chespirito, não poderia deixar de lembrar de Héctor Bonilla, renomado ator mexicano de teatro, cinema e televisão que morreu na sexta-feira (25/11), aos 83 anos, após três anos de luta contra um câncer nos rins. Com papéis em mais de 30 filmes e em 34 novelas, o artista ficou conhecido no Brasil por interpretar a si mesmo no episódio “Um astro cai na vila”, do seriado Chaves (El Chavo del Ocho).
A história é centralizada em Bonilla, que, inicialmente, é assistido na televisão por Dona Florinda (Florinda Meza), Dona Clotilde (Angelines Fernández) e Chiquinha (Maria Antonieta de las Nieves). As três suspiram a cada aparição do artista na novela, considerando-o um dos principais galãs da teledramaturgia mexicana, e repetem a frase dita por ele: "sim, te perdoo!".
Por uma circunstância, Héctor chega à vila após o pneu de seu carro - não mostrado no episódio - furar no meio da rua. Como não dispõe de uma ferramenta para levantar o veículo e colocar o estepe, o ator entra no cortiço em busca de ajuda. O primeiro a conversar com ele é o garoto Chaves (Roberto Gómez Bolaños), que o convida para jogar futebol, porém antes tenta auxiliar Bonilla a resolver o problema chamando Seu Madruga (Ramón Valdés).
Enquanto o desacreditado Chaves luta para convencer Seu Madruga de que Héctor Bonilla está no pátio da vila (com 'M' nos muros em volta!), Dona Clotilde se encanta ao ver o ator pessoalmente. A solteirona do 71, chamada de “Bruxa” pelas crianças, busca dentro de casa uma caneta e um papel para pegar o autógrafo do astro. Este a atende de maneira gentil e, após deixar sua marca, dá-lhe um beijo. Clotilde desmaia de emoção e é acudida por Madruga, que, depois de alguns segundos, dá-se conta da presença do famoso na vizinhança e grita: “Héctor Bonilla!”.
Madruga é quem se encarrega de ceder a Bonilla a ferramenta chamada “macaco” - em espanhol é denominada “gato” (ou Quico?). Contudo, o pai da Chiquinha costuma alugar - e receber adiantado! -, em vez de emprestar. Ele também se recorda de que o instrumento está na casa do vizinho do oitenta e macaco… ops… do oitenta e quatro.
No decorrer da atração surgem cenas de interação de Héctor com Chiquinha, Florinda e até Professor Girafales (Rubén Aguirre) - que, mesmo enciumado com a presença do galã na casa da amada, faz a “gentileza” de trocar o pneu furado do carro e ainda paga pelo aluguel do aparelho a Seu Madruga, pois naquela altura Chaves já teria recebido todo o dinheiro dos bolsos de Bonilla por “vigiar” o automóvel na rua.
Diálogos
Ótimos diálogos tomam conta do episódio de “Um astro cai na vila" - assim como grande parte das tramas entre 1974 e 1980, notabilizadas pela excelente dublagem dos estúdios Maga, de Marcelo Gastaldi (1944-1995), que fez a voz tradicional de Chaves e Chapolin no Brasil. Os melhores, na minha opinião, têm a participação do Seu Madruga.
É inesquecível a frase “atores vemos, costumes não sabemos”, quando ele cobra o aluguel adiantado do macaco a Héctor Bonilla, bem como a mistura de palavras em “o vizinho do oitenta e macaco não encontrava o quatro” (menções honrosas a Carlos Seidl, dublador de Ramón Valdés, e Luiz Carlos de Moraes, voz de Bonilla).
É inesquecível a frase “atores vemos, costumes não sabemos”, quando ele cobra o aluguel adiantado do macaco a Héctor Bonilla, bem como a mistura de palavras em “o vizinho do oitenta e macaco não encontrava o quatro” (menções honrosas a Carlos Seidl, dublador de Ramón Valdés, e Luiz Carlos de Moraes, voz de Bonilla).
Também é muito engraçada a conversa de Madruga e Girafales sobre a presença do ator na vila. “O senhor está bêbado?”, pergunta o professor. “Eu não, e o senhor?”, responde o morador do 72. “Sou abstêmio”, diz o mestre, querendo ressaltar que não consome bebidas alcóolicas. “E o que tem a ver a religião?”, devolve Madruguinha, sem entender o signifcado do vocábulo dito pelo "Tobogã de Salto Alto".
Depois de tomar café com direito a biscoitos e bolos na casa de Florinda e em companhia de Clotilde e Chiquinha, Héctor vai embora da vila. Em outra cena, as três relembram o dia em que o ator esteve no humilde cortiço e sonham com um retorno. Enquanto isso, Bonilla aparece de fininho no pátio e coloca uma bola no barril de Chaves, em forma de recompensa por não ter conseguido jogar futebol com o menino.
Duas partes
O episódio “Um astro cai na vila” é dividido em duas partes, porém somente a segunda foi transmitida pelo SBT no Brasil. Em 26 de março de 2020, a página “Fórum Chaves” elaborou uma thread no Twitter para explicar o caso. Segundo a publicação, a Televisa (emissora mexicana) só exibiu a primeira parte até meados dos anos de 1990 e nem sequer enviou as fitas na remessa negociada com o canal de Silvio Santos.
A parte 1 era considerada mundialmente perdida até o fã porto-riquenho de Chaves, Reniet Ramirez, disponibilizar na internet uma gravação antiga de VHS. No YouTube há vídeos com o episódio completo, cuja duração é de aproximadamente 43 minutos, embora a Televisa frequentemente solicite o bloqueio de diversos canais em razão de direitos de propriedade.
Sem Quico
A exibição original de “Um astro cai na vila” é de 26 de março de 1979 (parte 1) e 2 de abril de 1979 (parte 2). À época, o ator Carlos Villagrán, intérprete de Quico, já havia deixado o seriado. Sua última atuação foi em 11 de dezembro de 1978, na Escolinha do Professor Girafales, em que as crianças recebem aulas de primeiros socorros. Ou seja, é falsa a afirmação de que o bochechudo teria se despedido de Chaves nos três episódios de Acapulco.
Édgar Vivar, o Seu Barriga - um velho gordo que tem um cortiço em São Paulo -, também não contracenou com Héctor Bonilla, porém foi mencionado por Chiquinha e continuava atuando normalmente no seriado.
Poucas aparições, sucesso eterno
Héctor Bonilla para sempre será lembrado no Brasil pelo sucesso em Chaves, assim como outros atores que desempenharam papéis especiais. Quem não se recorda de Ricardo de Pascual, o Sr. Furtado em “O ladrão da vila”, o garçom “cuca lisinha” em “O restaurante de Dona Florinda” e o Sr. Calvillo (Carequinha) em “A venda da vila”? Ou de Abraham Stavans, cliente do botequim de Florinda/mamãe do Quico/Senhora do 14 (as três são a mesma, seu bobão!) em “Tem uma mosca no meu café” e dono do parque de diversões em “Vamos ao parque?”. Há ainda Guillermo Cárdenas, assistente de produção nos programas Chespirito, conhecido pelas bandas de cá como “Figurante Narigudo”.
Quem morreu ou está vivo
Héctor Bonilla (1939-2022) se junta aos nomes mais conhecidos de Chaves que já faleceram, casos de Bolaños, criador da série (1929-2014); Ramón Valdés, o seu Madruga (1923-1988); Rubén Aguirre, o Professor Girafales (1934-2016); Angelines Fernández, a Bruxa do 71 (1922-1994); Horácio Gómez Bolaños, o Godinez (1930-1999); Raúl ‘Chato’ Padilla, o Jaiminho Carteiro (1918-1994); Maria Luisa Alcalá, a Malicha (1942-2016); Abraham Stavans, dono do parque e cliente do restaurante (1933-2019); e Guillermo Cárdenas, o Figurante Narigudo (1952-2017).
Estão vivos Florinda Meza (Dona Florinda e Pópis), de 73 anos; Carlos Villagrán (Quico e Frederico Matalascallando Corcuera), 78; Maria Antonieta de las Nieves (Chiquinha e Dona Neves), 72; Édgar Vivar (Sr. Zenon Barriga Y Pesado e Nhonho), 73; Ana Lilian de la Macorra (Paty), 65; Regina Torné (Glória), 77; e Ricardo de Pascual (Sr. Furtado, Sr. Calvillo e garçom do restaurante), 82 - algumas fontes dizem que ele tem 90 anos.
Mais sobre Héctor Bonilla
Além do sucesso como ator, Héctor Bonilla dublou filmes animados da Disney. Em Ratatouille, de 2007, emprestou a voz a Django, pai de Remy e Emile, ratos que lutam para virar grandes chefs de cozinha. Em Coco (no Brasil, Viva - A Vida é uma Festa), de 2017, fez os papéis dos tios Óscar e Felipe, parentes já falecidos do protagonista Miguel Rivera, que se aventura por um dia no mundo dos mortos em busca da bênção para se tornar um músico no México.
“Senhor Bonilla” também foi político em seu país, defendendo causas progressistas em prol da classe trabalhadora como deputado da Assembleia Constituinte da Cidade do México, entre 15 de setembro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. “Um homem de esquerda que foi muito direito”, afirmou um de seus três filhos, Fernando Bonilla Martínez, em declaração veiculada no site La Jornada, do México, durante as homenagens no funeral do pai.