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Estado de Minas FESTIVAL DE HISTÓRIA/FHIST

Livro resgata 200 vidas 'apagadas' da memória de Minas Gerais

'História para não esquecer' revela trajetórias da inconfidente Hipólita Teixeira, da sufragista Alzira Nogueira e da maestrina Dinorá Carvalho


01/12/2022 04:00 - atualizado 01/12/2022 13:28

ilustração mostra mulher com venda nos olhos, em primeiro plano, e multidão de olhos fechados atrás dela
(foto: Fernando Lopes/CB/D.A Press)

Quando soube que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, havia sido preso em 10 de maio de 1789, no Rio de Janeiro, Hipólita Teixeira enviou da atual cidade mineira de Prados, sua terra natal, a Vila Rica um bilhete ao inconfidente Padre Toledo e outro ao marido, Francisco Antônio de Oliveira Lopes. A fazendeira defendia a reação armada para salvar a Inconfidência Mineira. Há algum tempo, ela participava das reuniões de conspiração contra a Coroa e sua voz tinha certo peso entre os inconfidentes.

“Quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas. E mais vale morrer com honra que viver com desonra”, teria escrito Hipólita aos dois destinatários. No entanto, a Devassa (processo contra os inconfidentes) já se desenrolava, o que impediu o levante.

A história de Hipólita mais parece argumento daqueles filmes que recriam o passado, dando final alternativo ao que de fato ocorreu – Quentin Tarantino fez isso em “Bastardos inglórios”; os brasileiros Ana Luisa Azevedo e Jorge Furtado seguiram a cartilha em “Barbosa”.

Contudo, a tentativa de Hipólita é fato, garante o livro “Histórias para não esquecer – 200 vidas mineiras”, organizado pelo jornalista e pesquisador Américo Antunes.

Longe de Diamantina, fHist se divide

A publicação será lançada nesta quinta-feira (1º/12), no Memorial Minas Gerais Vale, na abertura do Festival de História (fHist). Inicialmente, o evento seria realizado nesta primeira semana de dezembro. Porém, questões internas fizeram com que a programação fosse reformulada. A abertura continua nesta quinta, mas oficinas, mesas-redondas e apresentações musicais ocorrerão em março de 2023.
 
Américo Antunes
Américo Antunes organizou livro sobre 200 personagens praticamente desconhecidos da história de Minas (foto: fotos: Acervo pessoal )
 

A história de Hipólita é apenas uma entre várias envolvendo pessoas que contribuíram para a formação de Minas Gerais e do Brasil, mas foram “apagadas” com o passar do tempo.

Ao contrário dos envolvidos no levante contra a Coroa punidos com o exílio (a única exceção foi Tiradentes, condenado à morte), a fazendeira inconfidente nem sequer foi citada nas investigações. Seu próprio marido, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, foi deportado para Moçambique, onde morreu. Mas ela continuou vivendo onde hoje fica Prados.

No entanto, causa estranheza que mesmo sem ser citada nas investigações, Hipólita foi punida com a perda do patrimônio sem meação conjugal. Ou seja, algo foi feito para que ela não ficasse exposta em tão escandaloso crime, mas, ao mesmo tempo, não fosse inocentada.

Além da punição discreta por um crime de lesa-majestade, ela usou suas artimanhas para reaver todos os bens que lhe foram confiscados. Morreu dona de seu antigo patrimônio.

Evitar que histórias como a de Hipólita sejam esquecidas é o que Américo Antunes pretende com seu livro. O conteúdo da publicação foi apurado e elaborado por equipe formada pelos jornalistas Cândida Canêdo, Denise Menezes, Felipe Canêdo, Juliano Antunes, Marta Vieira, Mônica Santos, Teresa Caram e Último Valadares.

“Nosso corte foi a fundação da capitania de Minas Gerais, em 1720. São pessoas que nasceram no território mineiro nessa época, personagens que tiveram certa relevância num determinado momento histórico nos séculos 18 a 21 nas mais abrangentes áreas: políticos, artistas plásticos, economistas, médicos, escultores, pintores, escritores e poetas”, explica Antunes, que também coordena o fHist.

Entre os 200 personagens que constam no livro, estão Alzira Nogueira (1886-1970), Dinorá Carvalho (1895-1980) e Chiquinho Bomba Atômica (1906-1990).

Médica formada, apesar da família e do professor

Natural de Minas Novas, a médica feminista Alzira Nogueira rompeu com a tradição de sua época. Quando às mulheres eram destinadas as funções de esposa e dona de casa, Alzira enfrentou muita resistência (inclusive da família) para cursar medicina.

O próprio diretor da Escola de Medicina de Belo Horizonte tentou, sem sucesso, fazê-la desistir da ideia de se graduar.

Superada essa barreira, Alzira encabeçou outra luta: o direito ao voto. A exclusão feminina começou a ter fim em 1905, quando Alzira se revoltou contra a estrutura machista da sociedade. Em Belo Horizonte, ela e amigas invocaram a Constituição e exigiram participar como cidadãs do processo eleitoral.

Ela conseguiu. E seu tornou a primeira mulher a votar. Porém, como o sufrágio feminino não era garantido por lei, magistrados recorreram à Justiça e Alzira Nogueira teve os votos cassados posteriormente.

Orquestra só de mulheres

Dinorá Carvalho era maestrina em Uberaba. Na década de 1930, criou um conjunto de cordas e percussão composto apenas por mulheres, a Orquestra Feminina de São Paulo, o primeiro grupo do gênero na América do Sul.

“Tem aquela velha história de que mineiro, para dar certo, tem que sair do estado, não é?”, brinca Américo Antunes. “Infelizmente, no universo que nós pesquisamos, isso se confirma. Boa parte morreu no Rio de Janeiro ou em São Paulo”.

Chiquinho Bomba Atômica é outro pque segue a regra. Nascido em Ouro Preto, o físico Francisco de Assis Magalhães Gomes ganhou o apelido de “Bomba Atômica” por causa de boato de que no gabinete em que ele trabalhava, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, eram realizadas em segredo pesquisas radioativas e investigações bélicas.

Magalhães Gomes, respeitado professor, sempre negou, assegurando ser inimigo da bomba atômica. Continuou se dedicando à física e foi o único brasileiro da comissão criada pelo Papa João Paulo II para revisar o julgamento de Galileu Galilei, em 1979.

“Esse projeto pretende estabelecer o fio condutor entre o que somos hoje e o que veio antes de nós. Esse fio condutor é a memória. Não dá para nos entendermos sem observar quem veio antes, porque a vida dessas pessoas – algumas traumáticas, vale dizer – é o que forma a nossa identidade”, observa Américo.

Caminhão "atropela" fHist 2022

Além do lançamento de “Histórias para não esquecer – 200 vidas mineiras”, o fHist promove, nesta quinta (1/12), a mesa-redonda “200 anos pós-Independência, que identidade queremos?” e apresentação musical do Duo Mitre. As atividades ocorrem no Memorial Minas Gerais Vale.
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Realizado por 10 anos em Diamantina, o fHist estava programado para Belo Horizonte e Ouro Preto nesta edição de 2022, com o intuito de ligar a atual e a antiga capitais mineiras por meio da memória. O evento começaria hoje e seria encerrado no sábado (3/12). Porém, as atividades ficaram para março de 2023, ainda sem dias estipulados.

Sob curadoria de Pilar Lacerda, a programação contaria com a historiadora Heloisa Starling, coletivos de slam e atrações musicais. Também viria à capital mineira, neste início de mês, o Itinerários da Independência, caminhão-museu do Projeto República da UFMG, coordenado por Starling.

“O caminhão se transforma em museu, com salas de projeção e materiais interativos. Ele traz para a discussão personagens esquecidos da nossa história”, explica Pilar.

“A gente abriria o caminhão-museu na Rua Sapucaí, rua muito histórica de BH. Mas a prefeitura demorou demais para liberar o alvará e, quando garantiu, pediu uma série de atestados e comprovações que inviabilizaram as atividades em 2 e 3 de dezembro”, afirma a curadora.
 
caminhão que se transforma em museu ao lado de cartaz onde se leem as palavras sentimentos da terra. em volta do veículo há banners alusivos a exposição
O caminhão do Projeto República, que se transforma em museu, em sua temporada de 2013 (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press/24/3/13)

''A gente abriria o caminhão-museu na Rua Sapucaí, rua muito histórica de BH. Mas a prefeitura demorou demais para liberar o alvará e, quando garantiu, pediu uma série de atestados e comprovações que inviabilizaram as atividades em 2 e 3 de dezembro''

Pilar Lacerda, curadora do fHist

 

De acordo com Pilar, grande parte da programação dependeria do caminhão-museu. Por isso, precisou ser adiada para março, quando será realizada mesa-redonda com Heloisa Starling, Cidinha da Silva, Marcela Telles e Virgínia Starling sobre o livro “Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá”, de Heloisa.

Também ficaram para março as oficinas de história e educação, além de apresentações do Slam das Minas e da banda Macondos.
 

Rostos de JK, Drummond, Clara Nunes, Milton Gonçalves e Fernando Brant, entre outros, formam painel de imagens da ilustraçãona capa do livro Histórias para não esquecer
(foto: FHIST/reprodução)
“HISTÓRIAS PARA NÃO ESQUECER – 200 VIDAS MINEIRAS”

.Organização: Américo Antunes
.Independente
.274 páginas
.Distribuição gratuita pelo site festivaldehistoria.com.br
.Lançamento nesta quinta-feira (1/12), às 20h, no Memorial Minas Gerais Vale (Praça da Liberdade, 640, Funcionários), durante abertura do fHist. Entrada franca. Informações: festivaldehistoria.com.br.

NESTA QUINTA (1/12)

18h – Abertura
18h30 – Mesa de debates “200 anos pós-Independência, que identidade queremos?”, com Flaviana Lasan, educadora e artista visual; Lara de Paula Passos, poeta e arqueóloga; e Felipe Canêdo, mediador
20h – Lançamento do livro “Histórias para não esquecer – 200 vidas mineiras” e sessão de autógrafos
21h – Show do Duo Mitre
 
. Memorial Minas Vale (Praça da Liberdade, 640, Funcionários)


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