Aos comemorar seus 40 anos de carreira, a dupla Kleiton & Kledir ganha biografia escrita pelo jornalista Emílio Pacheco. Porém, o livro não se resume à trajetória dos irmãos Ramil. Mostra, principalmente, como a música do Sul conquistou seu espaço na MPB e no pop nacional – sem perder o sotaque e mantendo características peculiares dos gaúchos.
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Planejada para sair em 2020, quando se completaram os 40 anos da dupla Kleiton & Kledir, só agora a biografia chega a público pela Editora Bestiário. O atraso se deve à pandemia, entre outros contratempos, explica Emílio Pacheco.A sugestão da biografia partiu do produtor carioca Marcelo Froes, escritor, advogado e pesquisador de música popular brasileira, criador do selo Discobertas e da Sonora Editora.
“Eu escrevia para o International Magazine, jornal que ele editava. Em 1999, Marcelo faria uma longa entrevista com a dupla e me pediu algumas perguntas para repassar aos irmãos”, conta Pacheco.
Inicialmente, a ideia era apenas colaborar com algumas questões. Marcelo Froes, porém, percebeu que o colega gaúcho conhecia profundamente a trajetória de seus conterrâneos Kleiton e Kledir Ramil. “Me manda a entrevista toda”, pediu Froes. “Mandei o roteiro, ele fez as perguntas e me creditou com ele na entrevista”, relembra o jornalista.
Marcelo Froes o convidou para escrever a biografia da dupla, mas logo depois deixou a editora da qual era sócio. O projeto só foi para a frente um bom tempo depois, por meio da Editora Bestiário, de Porto Alegre.
“Escrever a biografia dos irmãos gaúchos era sonho antigo que acabou se realizando agora”, afirma Emílio Pacheco. A redação do livro ocorreu a partir de novembro de 2019, mas a pesquisa começou bem antes disso.
“Entrevistei pessoalmente os dois apenas uma vez. Isso porque veio a pandemia. Graças à internet, entrava em contato com eles nos momentos em que precisava. Mandava-lhes questionários e eles me respondiam”, conta o autor. A redação levou dois anos. “Os dois leram o texto e fizeram algumas correções.”
Orkut
Aliás, a internet foi a “madrinha” da amizade entre biografados e biógrafo. “Certa vez, estava no Orkut, em uma comunidade da Almôndegas, fundada por eles e mais três amigos. Comentei que havia assistido ao show comemorativo dos 15 anos do grupo, em 1990. De brincadeira, Kledir havia dito lá: ‘Não percam daqui a 15 anos o show de 30 anos dos Almôndegas’. Kleiton leu e postou no mural: ‘Emílio, li o que você escreveu, é muito interessante, porque talvez isso aconteça’. Infelizmente, o show não aconteceu em 2005.”Mas o contato estava feito. Pacheco se tornou “amigo de Orkut” de Kleiton. “Disse para o Kleiton: 'Você não me conhece, mas sou amigo do Marcelo Froes. Quando ele os entrevistou, em 1999, as perguntas foram feitas por mim'. Foi ali que começamos a trocar figurinhas.”
Só em 2005, Emílio, Kleiton e Kledir se conheceram pessoalmente, quando a dupla o convidou para o show de lançamento do DVD de seus 25 anos de carreira.
“Conheci também o Zé Flávio e o Pery Souza, que eram do Almôndegas, e a gente começou a fazer contato. Vitor Ramil, irmão da dupla, me mandou relato bastante rico sobre os pais deles, que usei no livro.”
O jornalista fez muitas entrevistas: Ivan Lins, MPB4, os ex-Almôndegas Gilnei Silveira e Quico Castro Neves. “Quico era tão importante quanto Kleiton e Kledir naquela banda. Ele é o autor de ‘Haragana’, gravada pela Fafá de Belém. Entrevistei o Zé Flávio, que entrou no Almôndegas no lugar do Quico.”
Pacheco também ouviu o cantor e compositor Vitor Ramil, Wellington Lima, ex-empresário da dupla e do MPB4, o político José Fogaça, parceiro dos dois, e as mulheres de Kleiton e de Kledir.
Lenda gaúcha
O livro resgata a trajetória da banda Almôndegas, tão marcante para os irmãos Ramil. “No Rio Grande do Sul, o grupo é lendário. Ele conseguiu uma façanha para a época: lançar quatro LPs em quatro anos. Fizeram dois discos em 1975, outro em 1977 e o quarto em 1978. Na ocasião, estava começando a produção fonográfica independente”, relembra Emílio Pacheco. Os gaúchos lançaram dois LPs pela Continental e dois pela Phillips (na época Phonogram, hoje Universal).“Os fãs do Almôndegas, dos quais faço parte, ficaram muito tristes quando a banda acabou. Foi uma coisa tão bacana, tão bonita que surgiu em Porto Alegre”, lamenta.
“Ninguém poderia imaginar que daquele grupo surgiria a dupla que faria ainda mais sucesso, até ofuscando o Almôndegas. A história de Kleiton e Kledir é muito rica. Tem toda a saga do Almôndegas, em um primeiro momento, que por si só já renderia outro livro”, garante.
Os irmãos Ramil concretizaram um sonho dos gaúchos: ver artistas fazendo sucesso com o sotaque de sua terra. “É como os mineiros do Clube da Esquina. Sonhávamos em ter um Clube da Esquina nosso, vamos assim dizer. Kleiton e Kledir estouraram como a gente sonhava. Eles deram sotaque gaúcho à MPB, coisa que até então não havia”, destaca o jornalista.
Em 1979, os dois irmãos participaram do festival da canção promovido pela TV Tupi com “Maria fumaça”, não ainda como dupla.
Kleiton mandou a melodia para Kledir. “Kledir havia acabado de assistir a um documentário que falava de músicas brasileiras sobre trem de ferro. Ouviu a gravação e pensou: ‘Isso parece um trem andando’. Foi assim que surgiu a letra superdivertida de ‘Maria fumaça’, que deu a eles o troféu de menção honrosa no festival da Tupi”, conta Pacheco.
O clipe saiu em janeiro de 1981. Foi gravado na cidade histórica mineira de Tiradentes, na maria-fumaça que vai até São João del-Rei. A letra usa a sigla RFFSA, da antiga Rede Ferroviária Federal, para imitar o som de locomotiva. Conta a história de um noivo apressado para chegar ao próprio casamento, que desabafa: “Esse trem não sai do chão/ Urinaram no carvão/ Entupiram a lotação/ E eu nem sou desse vagão”.
Àquela altura, o primeiro disco da dupla Kleiton & Kledir já havia sido lançado pela Universal Music, com “Maria fumaça” e os sucessos “Vira virou”, “Fonte da saudade” e “Viração”.
O segundo disco, lançado em 1981 pela Ariola, trazia “Paixão”, “Deu pra ti”, “Semeadura” e “Trova”. Já o terceiro álbum, de 1983, também pela Ariola, foi o que mais vendeu, ganhando o disco de ouro. Traz os hits “Nem pensar”, “O analista de Bagé” e “Tô que tô”.
Detalhe: os primeiros cinco LPs dos irmãos gaúchos se chamavam simplesmente “Kleiton & Kledir”.
Conexão Minas
Belo Horizonte faz parte da história da dupla. “O Almôndegas se apresentou na capital mineira em 1975, ainda antes da gravação de seu primeiro LP. Quis o destino que o último show de Kleiton e Kledir antes da separação ocorresse no Minascentro, em janeiro de 1987. Já o show da dupla com a banda gaúcha Nenhum de Nós estreou em 2019, em BH, e não em Porto Alegre, como era de se esperar”, informa Pacheco.“Isso atesta a relação especial entre os artistas gaúchos e o público mineiro. Considerando que Minas é verdadeiro celeiro de expoentes musicais, é uma honra que plateia tão bem servida de talentos locais tenha esse carinho pelos artistas rio-grandenses”, afirma o jornalista.
Por enquanto, “Kleiton & Kledir – A biografia” está disponível apenas no site da Editora Bestiário, mas em breve deve chegar à Amazon, Estante Virtual e ao Kindle, informa o autor.
“KLEITON & KLEDIR – A BIOGRAFIA”
• Emílio Pacheco
• Editora Bestiário (394 págs.)
• R$ 80
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Carreira
Cantores, compositores e instrumentistas, Kleiton (violino, voz e violão) e Kledir Ramil (guitarra, voz e violão) nasceram em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Em 1972, os irmãos criaram a banda Almôndegas com os amigos Gilnei Silveira (bateria e percussão) e Pery Souza (percussão e voz). Em 1977, já com nova formação, o grupo se estabeleceu no Rio de Janeiro. Reunia Kleiton, Kledir, Gilnei, João Baptista e Zé Flávio. Em 1979, a banda se desfez e os irmãos Ramil seguiram em dupla, que foi desativada em 1987 e retornou em 1994.