Em 2019, o professor do curso de letras da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) Eloésio Paulo preparava aula sobre o escritor português José Cardoso Pires (1925-1998), quando se deparou com um livro-entrevista do próprio Pires. Eloésio se lembrou na hora do amigo Luiz Ruffato. Pensou na relevância que Ruffato conquistou com sua obra literária e propôs: “Poderíamos fazer algo parecido”.
Ruffato topou. Por e-mail, enviou em 20 páginas as respostas às perguntas de Eloésio. No entanto, o professor acabou interrompendo o trabalho. Faltava enfoque mais aprofundado da obra de Ruffato, enquanto ao entrevistado faltou tempo para se dedicar a respostas completas.
A dupla só retomou o projeto quando uma recém-aberta editora do Paraná se interessou em publicar a entrevista em formato de livro. Assim nasceu “Um deserto de estranhas verdades”, lançado em novembro pela Editora Maralto.
Ritmo ligeiro
Criado em novembro de 2021, o selo Maralto é voltado exclusivamente para produções literárias. Embora ainda esteja engatinhando, como define a publisher Cristiane Mateus, a editora vem “em ritmo ligeiro”. No ano passado, a tiragem foi de 1,5 milhão de exemplares. Em 2022, serão 2,2 milhões.
A estreia foi promissora: a editora acaba de conquistar o respeitado Prêmio Jabuti deste ano, na categoria ilustração, com o livro “Origem”, da autora mineira Anna Cunha.
Além de “Um deserto de estranhas verdades”, em novembro a Maralto lançou “Paisagem com segredo”, livro de contos do escritor goiano Flávio Carneiro, e “Toda cicatriz desaparece”, do catarinense Rogério Pereira, editor do jornal literário Rascunho.
Também reeditou “O coração às vezes para de bater”, da carioca Adriana Lisboa, e “Um rio corre na Lua”, do baiano Ruy Espinheira Filho, considerado por Carlos Drummond de Andrade autor de “poesia concentrada e de sutil expressão”.
Veio de Drummond, aliás, o batismo do selo. “A gente queria que o nome tivesse uma referência literária, mas que ela não fosse óbvia e, assim como a literatura, pudesse funcionar com outros significados”, explica Cristiane.
A Maralto surgiu a partir da venda da Editora Positivo (que integrava o Sistema Positivo de Educação) para o grupo Arco Educação, em 2019. Um dos principais motivos da negociação foi o interesse do grupo nas publicações didáticas da empresa.
Ainda que a antiga editora contemplasse majoritariamente o sistema educacional, havia em seu catálogo centenas de títulos literários – segmento específico para a literatura havia sido criado na Positivo.
Cristiane, que já trabalhava no setor desde 2012, propôs aos novos donos criar um selo dedicado exclusivamente a obras literárias. Ele herdaria o catálogo da Positivo e investiria na publicação tanto de autores contemporâneos quanto de clássicos.
No prelo
É a isso que ela tem se dedicado desde a criação da Maralto. Em 2022, foram lançados 12 livros de autores atuais. Mais 12 de autores clássicos estão no prelo para ser publicados no início do ano que vem.
“Estamos com uma série de obras inéditas para 2023. Teremos um romance inédito de Miguel Sanches Neto e um livro de contos de Luís Henrique Pellanda”, adianta Cristiane.
“A ideia é continuar ampliando o catálogo, continuar fazendo lançamentos, sempre com o olhar para a diversidade de autores, gêneros, formatos de livros e público leitor”, emenda. A proposta é oferecer livros para crianças, jovens e adultos.
A diversidade, sobretudo de autores, é uma das preocupações da Maralto. Dos cinco livros lançados em novembro, não há autores do mesmo estado, por exemplo.
“A gente tem preocupação tanto com a diversidade em relação a temas quanto a autores e às cidades de onde eles vêm. Até porque, nós trabalhamos com a ideia de formação leitora”, destaca a publisher, referindo-se aos leitores que estão em idade escolar.
Como exemplo, ela cita escolas que adotam apenas uma editora para contemplar alunos do ensino infantil até o ensino médio. “Corre-se o risco de que 90% sejam romances de autores paulistas, entre outras características que acabam se tornando limitadoras da formação”, explica.
Formação
A preocupação com o público em idade escolar se explica por que a Maralto mantém programa de formação leitora, no qual, além de negociar venda de títulos de seu catálogo para as escolas, trabalha com a formação de professores e bibliotecários escolares para que eles possam lidar mais facilmente com o título que têm em mãos.
“A diversidade é a cara da Maralto”, garante Cristiane. No entanto, pondera que essa preocupação não pode estar à frente da qualidade literária das obras. No próximo ano, diz que pretende “apostar na qualidade, a fim de garantir um catálogo amplo e diversificado.”
NA VITRINE
“Um deserto de estranhas verdades”
.De Luiz Ruffato e Eloésio Paulo
.Maralto
O professor Eloésio Paula, por meio de entrevista com o escritor mineiro Luiz Ruffato, apresenta a origem deste autor, de Cataguases (MG), abordando sua formação como leitor e suas relações pessoais e profissionais
“Paisagem com segredo”
.De Flávio Carneiro
.Maralto
Por meio de contos curtos, o goiano Flávio Carneiro propõe imersão em cenas corriqueiras no dia a dia de qualquer cidade, a fim de questionar o comportamento das pessoas
“Toda cicatriz desaparece”
.De Rogério Pereira
.Maralto
Primeira publicação de Pereira depois de 12 anos, traz 40 crônicas selecionadas por Luiz Ruffato, que têm como fio condutor as lembranças, da infância aos dias recentes
“O coração às vezes para de bater”
.De Adriana Lisboa
.Maralto
A autora trata da passagem da infância para a adolescência em narrativa que se assemelha a um diário. A protagonista desabafa sobre os dilemas que enfrenta e, claro, as dores do primeiro amor. Obra reeditada
“Um rio corre na lua”
.De Ruy Espinheira Filho
.Maralto
Com toques de mistério, conta a história de Rio da Lua, cidadezinha do sertão brasileiro às voltas com a suposta aparição de uma santa
Informações: linktr.ee/maraltoedicoes