Billie Eilish é a primeira artista nascida no século 21 a liderar a parada da Billboard. E a primeira também a ganhar um Oscar. A jovem de 20 anos disse à BBC que teve dificuldades ao lidar com a síndrome de impostor e que gosta de se sentir mais masculina do que feminina.
Faltam três horas para o início de um show da turnê mundial de Happier Than Ever (Mais feliz do que nunca, em tradução livre), que levou Billie Eilish a quatro continentes ao longo de sete meses. O encerramento do giro internacional é em Perth, no extremo oeste da Austrália. Ela se apresenta no final de março do ano que vem no Brasil, como uma das principais atrações do Lollapalooza.
Em breve, um alçapão vai se abrir e Billie sairá da parte inferior do palco, como se emergisse de uma torradeira subterrânea, aparecendo agachada debaixo de luzes brancas estroboscópicas. A multidão de 15 mil pessoas que lota o estádio irá à loucura.
Nos próximos 90 minutos, ela vai encantar uma plateia composta principalmente por mulheres jovens nascidas neste século, com sua voz onírica, grave e fluida. Ela se moverá pelo palco com a ponta dos pés e dará saltos como se estivesse em uma roda punk, terminando agachada, com a graça de quem foi treinada como dançarina desde os oito anos de idade.
O show começa. E entre as músicas, ela fala com o público como se fossem seus melhores amigos, dizendo que os ama.
"Eu estava dando uma entrevista mais cedo", diz ela, ao soltar o cabelo amarrado em dois coques apertados. "E eu dizia que, quando uma nova pessoa entra na minha vida — qualquer coisa meio romântica —, vocês são a primeira coisa que eu menciono..."
"Só para vocês saberem: isso está em mim." E a multidão grita de novo.
Três horas antes de tudo isso, Billie Eilish dá entrevista para a BBC, falando de uma carreira que tem menos de uma década de existência.
Billie Eilish Pirate Baird O'Connell nasceu e foi criada em Los Angeles por pais músicos e atores que tiverem papéis de coadjuvantes em séries como Friends e The West Wing. Billie estudou em esquema de homeschooling ao lado de seu irmão e parceiro musical Finneas O'Connell. Ela escrevia canções desde os quatro anos de idade.
Uma noite em 2015, Billie, com 14 anos na época, colocou na internet a música Ocean Eyes, escrita por Finneas, para que seu professor de dança pudesse ouvir a faixa.
Quando ela acordou, milhares tinham ouvido Ocean Eyes. Logo em seguida veio um contrato com uma gravadora — e uma série de reuniões desconfortáveis com homens mais velhos.
"Eu olho para o passado com carinho na maior parte do tempo, mas, você sabe, era bem engraçado uma garota de 14 anos com seu irmão de 17 anos em centenas de reuniões a todo momento", Billie diz à BBC.
"Foram muitos encontros com pessoas que não sabiam como conversar com meninas de 14 anos."
O centro das atenções
Conforme a fama de Billie explodiu, o número de seguidores nas mídias sociais também. Atualmente com 100 milhões no Instagram e mais de 60 milhões no TikTok, qualquer post de Billie Eilish gera um turbilhão de de comentários. Ela diz que conhece bem o potencial tóxico das seções de comentários, então para ela é assustador ser o tema central de milhões de conversas.
"Eu cresci na internet. Via todo mundo com os olhos do público, e de repente eu é que estava em evidência. E então vira algo como 'ah, agora eu estou em pauta, não só participando pelos comentários, o que é bem estranho", diz ela.
"E quando você vê a si mesma e seu nome em todos os lugares, é realmente difícil saber quem raios você é."
A fama mundial significou o interesse de vários importantes meios de comunicação. Comentar tanto sobre trivialidades como assuntos mais sérios e pessoais — seus momentos com depressão e ideias suicidas — significa ter suas falas analisadas com lupa.
É difícil ter que justificar coisas que você disse quando era adolescente, afirma Billie.
"É muito difícil me desenvolver e mudar, por vários motivos", diz Billie.
"Eu enfrentei faz pouco tempo uma síndrome de impostor bem forte. Eu já enfrentei isso tantas vezes na minha vida e em alguns momentos do ano passado e do ano anterior eu entrei em uma espiral negativa dentro da síndrome do impostor que eu me agarrava ao que podia para me sentir de novo eu mesma."
É quase impossível imaginar como uma pessoa tão jovem conseguiu lidar com os holofotes e o peso das expectativas de quem está de fora.
A edição de junho de 2021 da Vogue britânica mostrou a cantora, então com 19 anos, em um vestido de espartilho de cetim bem justo, em um look bem diferente das roupas largas e sem gênero com as quais ela era sinônimo. A capa gerou comentários não apenas da internet, mas também do jornal The New York Times, que listou críticas ao novo visual.
Billie diz que não sente necessidade de exibir apenas uma versão de si mesma, embora se sinta mais poderosa quando se sente "masculina".
"Eu me sinto mais poderosa quando me sinto masculina em minha vida, e também posso encontrar poder na feminilidade — é uma espécie de equilíbrio entre ambos", diz ela.
"Gosto de me sentir mais masculina do que feminina, me faz sentir melhor. Mas foi algo que foi difícil para mim por muito tempo. Há momentos em que você pode ter isso e ainda é bom. Agora estou usando um camisa mais apertada e uma mais decotada, e o meu eu antigo diria: "Eca, por favor, não!'."
"Mas eu gosto, me faz sentir bem agora, e é apenas o equilíbrio entre os dois."
A composição favorita de Billie, Your Power ("Seu poder", em tradução literal), com letras como "talvez você não queira perder seu poder, mas é tão estranho possuí-lo" resultou em um momento particularmente eletrizante na última noite da turnê em Perth, quando dezenas de jovens seguraram cartazes dizendo "obrigado" enquanto ela cantava a balada.
As placas foram feitas pela australiana Alyssah Campbell, de 19 anos, que as distribuiu para os fãs. Para Alyssah, a música é sobre um período de sua própria vida em que enfrentou um trauma.
"Your Power é uma música com a qual quase todo mundo pode se identificar", diz ela à BBC. "Quando ouço essa música, penso no homem que abusou de seu poder quando estava comigo, em quanto trauma ele me causou, física e emocionalmente."
Billie diz que a música é sobre várias pessoas que ela conheceu e lutaram contra isso.
"É realmente difícil ter muito poder, em geral", diz ela. "É difícil ter poder e é muito difícil quando você não tem nada e de repente você está com muito poder. É difícil não tirar vantagem disso e abusar dele. Além do que a música aborda, isso vale para tudo na vida."
Há um momento em seu documentário da Apple TV, The World's A Little Blurry ("O Mundo Aparece um Pouco Borrado", em tradução livre), em que pouco antes de subir ao palco no Coachella em 2019, em que Katy Perry diz que Billie pode ligar para ela toda vez que quiser conversar sobre as pressões que sofre como artista.
Billie diz que ainda não telefonou para Perry.
"Eu deveria ligar para ela. Na hora eu simplesmente não acreditei nela. Já era louco demais. Eu não poderia imaginar que fosse ainda mais louco."
Billie diz ser impossível descrever para outras pessoas como é ser tão famosa. "É como tentar explicar uma cor que não existe."
* Billie Eilish está neste ano na lista BBC 100 Women, de 100 mulheres inspiradoras e influentes ao redor do mundo. Siga o BBC 100 Women no Instagram, Facebook e Twitter (em inglês).
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63867947