O show do cantor britânico Harry Styles em São Paulo é nesta terça-feira, mas fãs acampam na porta do Allianz Parque, na zona oeste da cidade, desde o ano passado. O objetivo é garantir um lugar próximo da grade que separa a plateia do palco onde estará o ídolo.
Até outubro, 120 fãs revezavam turnos em três barracas na espera pela abertura dos portões. No fim de semana da véspera do show, o número de acampamentos cresceu.
Fã do ex-integrante do One Direction há uma década, Rafaella Arruda Costa, de 24 anos, comprou o ingresso para a pista premium do evento ainda em 2019. A apresentação foi adiada por causa da pandemia e o ingresso, cuja modalidade premium chegava a R$ 668, acabou realocado para esta terça.
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A fã que se apresentou como Amy, de 23 anos, também da barraca de Arruda Costa, "jurava que nunca faria esse tipo de loucura". Mas fez. "Muita gente não entende que você pode continuar tendo uma vida normal", diz a jovem, que concilia o acampamento com faculdade, estágio e uma loja de produtos dedicados a Styles.
A proximidade do show, porém, aumentou a tensão na fila. Arruda Costa diz que sofreu ameaças de fãs que não conseguiram acampar na porta e agora questionam se essa fila antecipada é justa. Na tarde de sábado, o número de barracas crescia.
O sacrifício de dormir em filas é comum entre fãs. Foi o que fez outra fã que se identificou como Gabrielle aos 12 anos, em 2014, para garantir um bom lugar no show do One Direction. Hoje, aos 24, ela é uma das responsáveis pelo portal Harry Styles Brasil.
O site, organizado por seis fãs, reúne informações sobre o cantor em redes sociais. Elas traduzem entrevistas, fazem reportagens dos shows e interagem com outros fãs. O Twitter do portal soma 45 mil seguidores.
Cada uma conheceu Harry Styles à sua maneira. Maria Eduarda, de 20 anos, soube do One Direction em aula de inglês na escola, dez anos atrás. Gabrielle, Tamiris, de 24 anos, e Vanessa, de 22 anos, acompanham o músico desde o reality show The X Factor, em 2010, quando a boy band que alçou Styles à fama foi formada. Bruna, de 26 anos, a mais velha das administradoras do portal, é a única que conheceu Styles já em carreira solo.
Segundo Maria Sherman, autora do livro "Larger than Life", sobre a história das boy bands, esse tipo de grupo é caracterizado pelo público que atinge --mulheres jovens. "Boy bands podem ser o BTS fazendo um som mais trap e hip-hop ou os Beatles cantando 'I Wanna Hold Your Hand'. O que os une é que são homens jovens performando para públicos predominantemente femininos."
A autora afirma que o apelo de um fandom, nome dado ao conjunto de fãs, é o senso de pertencimento. Estar em uma comunidade de fãs permite compartilhamento de shows, lançamentos e notícias.
A fã Maria Eduarda define a paixão pelo pop star como um estilo de vida. "Assim como amigos meus gastam comprando carro ou começando uma família, eu prefiro ir em show", diz. "Comecei tão nova que mal lembro da minha vida antes disso."
Fãs têm papel essencial no crescimento da carreira desses astros. O cantor canadense Justin Bieber começou postando vídeos no YouTube e foi alçado à fama pelo esforço das fãs. Na mesma toada, foi pelas mãos das "directioners'' que a música "No Control", rejeitada por produtores do grupo, se tornou single informal do One Direction. As jovens fizeram uma campanha online, puseram a canção entre as mais tocadas e até produziram clipes amadores.
O comportamento de fãs online dita o funcionamento das próprias redes sociais, segundo a pesquisadora Kaitlyn Tiffany, autora do livro "Everything I Need I Get From You: How Fangirls Invented the Internet" sobre as fãs de One Direction. Memes como "come to Brazil", frase repetida à exaustão por fãs brasileiras, hashtags e GIFs, tudo isso começou com comunidades de fãs.
"Grupos dedicados a bandas como Grateful Dead e a série 'Arquivo X' tinham uma espécie de motivação prévia para usar a internet e as redes. Fãs são sempre os primeiros a aparecer em novas plataformas que são introduzidas na internet porque eles já têm um instinto de procurar as ferramentas e utilidades para o fandom", diz Tiffany.
A mesma capacidade de organização dá as caras fora da música e os fandoms se mostram grupos politizados. Nas eleições americanas de 2020, as "armies", fãs do BTS, orquestraram sabotagens online em eventos do Partido Republicano.
Durante protestos do movimento Black Lives Matter no mesmo ano, elas inundaram com vídeos de k-pop postagens da polícia que pedia informações sobre manifestantes. Nas eleições presidenciais brasileiras deste ano, as fãs de Harry Styles fizeram campanha para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, nos portais dedicados ao cantor.
O estigma persegue esse tipo de comunidade. Fãs, em especial mulheres, são ridicularizadas por externar suas paixões. "Não escondo, eu posto mesmo. Sei o que as pessoas pensam, mas não tô nem aí", diz Gabrielle.
Segundo duas das administradoras do portal, Bruna e Luiza, a origem da implicância está mais no machismo do que em atitudes exageradas das fãs de Harry Styles. "Um homem ser obcecado por futebol, ir a todos os jogos e ver jogo em casa é okay. Uma mulher ser fã, ir a todos os shows, aí já é demais", diz Luiza.
"É mais fácil tachar essas meninas de assanhadas. Elas são vistas como selvagens irracionais, nunca como pessoas que querem fazer parte de uma comunidade", diz a pesquisadora Maria Sherman.
Por mais que o acampamento envolva perrengues como passar a noite sob a chuva em uma barraca, usar o banheiro no shopping mais próximo e correr riscos de segurança na avenida Francisco Matarazzo, as jovens mal podem esperar para o show de Styles.
Mesmo após o longo esforço, dizem que a adrenalina de ver um ídolo tão de perto é tanta, que nem sequer sentem o cansaço. Depois do show desta terça, elas retomam o acampamento para garantir a mesma grade para os próximos shows, nos dias 13 e 14.