Com a camisa aberta que expõe seu corpo magro e ossudo, Timothée Chalamet deixa um prédio abandonado numa de suas primeiras cenas de “Até os ossos”. A nudez de seu torso denuncia manchas frescas, ainda brilhosas, de sangue, compondo um visual estranhamente sexy.
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É curioso que a nova parceria de Chalamet e Guadagnino seja um filme sobre canibalismo. Outro ator de “Me chame pelo seu nome”, Armie Hammer, caiu recentemente em desgraça após uma série de denúncias de abuso que envolvem, justamente, mensagens em que ele se diz canibal.
Dedo arrancado
Em “Até os ossos”, porém, a sensualidade é quase pueril e se faz presente já na sequência inaugural, antes de Chalamet chegar. É Taylor Russell, nome anônimo para muitos, mas premiado em Veneza, quem protagoniza a história.
Descobrimos a predileção da personagem por carne humana quando, numa festa do pijama, uma amiga mostra a ela o esmalte das unhas. Ela observa vidrada, até que pega um indicador e o enfia na boca. Em vez de avançar para brincadeiras mais quentes, no entanto, arranca o dedo fora com uma mordida.
“Pode soar estranho, mas gravar em meio a todo aquele sangue não foi incômodo ou nojento. Na verdade, foi divertido. Os dias em que me cobri de sangue foram os melhores, porque todos estavam de bom humor, achando engraçado. E a mistura ainda tinha um gosto bom”, diz Taylor Russell.
De incidente em incidente, sua personagem e o pai foram obrigados, por anos, a fugir de uma cidade para outra, sem deixar rastros. Até que, certa noite, o patriarca abandona a filha com alguns poucos dólares, uma gravação carregada de culpa e também de alívio e sua certidão de nascimento, que revela as primeiras informações que ela tem da mãe.
Ela decide pegar a estrada em busca daquela figura até então inexistente, mas esbarra num senhor estranho, interpretado por Mark Rylance. E descobre que não é a única comedora de carne humana no mundo, mas logo rejeita a ideia de assassinar para se alimentar, como ele sugere.
Ameaça masculina
“Até os ossos” joga, a todo tempo, com a ideia de ser perigoso e estar em perigo. Maren está nas duas posições, o que leva a trama a interpretações menos sangrentas, em especial se considerarmos que a protagonista é jovem que em seu caminho se sente constantemente ameaçada por homens mais velhos.
Até que o rostinho delicado e adorado de Chalamet entra em cena. Ele e a protagonista sentem ligação instantânea e embarcam juntos em road movie que, para Russell, é muito mais sobre sexualidade, solidão, vício, amadurecimento e o sentimento de deslocamento do que sobre vísceras. E, acima de tudo, amor.
Adaptação do romance homônimo de Camille DeAngelis, o filme tem roteiro de David Kajganich, que por sua vez colaborou com Guadagnino em “Suspíria”. Para ele, no coração da trama está o relacionamento do casal, e quem for ao cinema deve estar ciente de que esta não é bem uma história de terror.
“As pessoas estão famintas, perdão pelo trocadilho, por filmes que não digam a elas como devem se sentir ou que não venham com um manual de instruções”, reflete o roteirista, que também sugere os motivos para a sanguinolência estar em alta em produções que não pertencem necessariamente ao horror.
“As pessoas estão percebendo que estamos num momento da história em que não conversamos. Nós preferimos partir para o conflito em vez de nos comunicarmos”, afirma, ao comentar o clima de polarização que tomou o planeta. “Para quem tem boas intenções, isso é aterrorizante. Filmes como 'Até os ossos' subvertem esse terror para falar sobre conexão humana”, garante.
“ATÉ OS OSSOS”
• EUA, Itália, 2022. Direção: Luca Guadagnino. Com Timothée Chalamet, Taylor Russell e Mark Rylance.
• Classificação: 18 anos. Em cartaz nesta quarta-feira no Cineart Ponteio (15h30, 18h20, 21h10), UNA Cine Belas Artes (16h, 20h30) e Diamond (18h50, 21h40).
• Classificação: 18 anos. Em cartaz nesta quarta-feira no Cineart Ponteio (15h30, 18h20, 21h10), UNA Cine Belas Artes (16h, 20h30) e Diamond (18h50, 21h40).