Uma busca pelo desafio. É assim que Rodrigo Toffolo, maestro da Orquestra Ouro Preto, define “Auto da Compadecida, a ópera”, o novo projeto do grupo. A parceria com o compositor Tim Rescala estreou no Rio de Janeiro em novembro, passou por São Paulo também no mês passado e chega a Belo Horizonte neste fim de semana.
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Mineiro Fred Selva é pandeirista de 'Bazzar', montagem do Cirque du SoleilZé Ibarra e Bala Desejo comemoram o Grammy Latino no palco d'AutênticaCoral belo-horizontino reconhecido pela Santa Sé se apresenta na Itália'O auto da Compadecida 2': Taís Araujo será Nossa SenhoraDisco inédito com Victor Biglione marca os 60 anos da cantora Cássia EllerProdutora nega roubo de instrumentos de Harry Styles no Paraná“Considero 'O basculho' e 'O grande governador' como aperitivos, quase o estágio para uma coisa maior”, brinca o maestro. “Sentimos a falta de uma ópera cômica, uma ópera-bufa brasileira que pudesse despertar o interesse e o sorriso do público”, diz.
Foi justamente para suprir essa carência que Toffolo escolheu adaptar a peça de Ariano Suassuna (1927-2013). “Quando a gente estava pensando no texto que daria um libreto, chegar até ‘O auto da Compadecida’ acabou sendo caminho natural. É um texto delicioso, ele tem tudo o que a gente procura.”
Adorável malandro
Muito viva no imaginário popular – seja pelas diversas montagens encenadas no país seja pelo filme de Guel Arraes, de 2000 –, a peça “O auto da Compadecida” conta a história do julgamento divino de João Grilo, malandro pobre do sertão nordestino morto pelo cangaceiro Severino de Aracaju.
Por mais que o protagonista tenha caído na graça dos brasileiros – muito pela interpretação de Matheus Nachtergaele no filme de Arraes –, ele está longe de ser uma pessoa honesta. Ao longo da história, João Grilo trapaceia os patrões exploradores (o padeiro e sua mulher), o padre, o bispo, o coronel Antônio Morais e o temido cangaceiro. Por fim, consegue tapear até o diabo, invocando a Compadecida a seu favor no julgamento para escapar do inferno.
A ópera é fiel ao texto original de Suassuna. Estão presentes o Palhaço – que apresenta o espetáculo e serve como ligação entre os atos – e o gato que “descome” dinheiro, usado por João Grilo para enganar os patrões. Figuras ausentes no longa de Arraes.
“A ópera é feita de um jeito lúdico e brincalhão, mas não deixa de ter seu aspecto mais intimista e lírico no segundo ato, o que surpreende bastante as pessoas, principalmente aquelas que não dominam o que acontece em termos dramáticos na obra original”, observa Tim Rescala.
Ao assinar as composições de “Auto da Compadecida, a ópera”, Tim consolida a parceria com a Orquestra Ouro Preto iniciada no espetáculo “O pequeno príncipe”, em 2018, que prosseguiu com “Fernão Capelo Gaivota”.
O compositor explica que procurou sair um pouco do regionalismo em busca da universalidade. “É um formato de ópera no qual é tudo cantado, mas há um diferencial: no elenco de nove artistas, temos seis cantores líricos e três atores. E esses três atuam musicalmente através do canto falado”, explica.
Para dirigir o elenco, o maestro escolheu Chico Pelúcio, coordenador do Centro Cultural Galpão Cine Horto, experiente ator e diretor do Grupo Galpão.
Participam da montagem Carla Rizzi (mulher do padeiro), Cláudio Dias (padeiro), Fernando Portari (Padre João), Glicério Rosário (Palhaço e Severino de Aracaju), Jabez Lima (João Grilo), Marcelo Coutinho (Bispo), Marília Vargas (cangaceira e Compadecida), Maurício Tizumba (Antônio Morais e Manuel) e Rafael Siano (Chicó e Encourado).
“A gente conseguiu levar para o palco uma interpretação mais teatral, pois embora vários cantores tenham veia teatral, o ator tem o domínio da cena, esse domínio corporal”, comenta Rodrigo Toffolo.
“O Tim sugeriu o nome do Chico Pelúcio. Eles já trabalharam juntos muitas vezes. Foi muito legal ter alguém que trabalha no campo teatral, com a envergadura e a história do Chico”, elogia.
Filho de Ariano criou figurinos
Para conceber o figurino, o maestro escolheu Dantas Suassuna, filho de Ariano. “Ninguém conhece mais a obra do pai do que ele”, comenta o maestro. “Dantas conseguiu entregar diversas possibilidades e resoluções que deram muito certo no espetáculo”.
Foram quase dois anos de trabalho para chegar ao espetáculo que BH verá neste fim de semana. Entre as principais preocupações do maestro estava a concepção de uma obra que fosse ópera, de fato, e não musical armorial, que tem como gênese criativa as raízes populares.
“A ópera é mais universal. Você pode vê-la no futuro com várias encenações, figurinos e cenários diferentes. Já vi ‘Lá Bohème’ se passar num café dos anos 1950, 'Cármen' ambientada numa gangue de motoqueiros, 'Tristão e Isolda' ser montada no consultório de Freud. Esta é a magia da ópera”, destaca Toffolo, citando, respectivamente, as obras de Puccini (1858-1924), Bizet (1838-1875) e Wagner (1813-1883).
Como a turnê de “Auto da Compadecida, a ópera” foi curta, o maestro pretende fazer novas apresentações em 2023, passando por cidades que não receberam a montagem.
A recepção do público no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (os ingressos para as duas apresentações já se esgotaram) pesou a favor. Afinal de contas, a ópera mineira encheu teatros em todas as sessões. Toffolo adianta que há planos para gravar as canções para serem lançadas em breve, talvez junto da nova turnê.
“AUTO DA COMPADECIDA, A ÓPERA”
Com Orquestra Ouro Preto. Regência: Rodrigo Toffolo. Composição: Tim Rescala. Direção cênica: Chico Pelúcio. Nesta sexta-feira (9/12) e sábado, às 21h, no Grande Teatro Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Informações: (31) 3236-7400. Ingressos esgotados.