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Estado de Minas ARTES VISUAIS

Gaveta, cristaleira e armário 'enlouquecem' na exposição de Francisco Nuk

Artista busca novos significados para a utilidade, subvertendo peças do mobiliário "da vovó" em busca da liberdade. Mostra começa quarta-feira (4/12), no CCBB


13/12/2022 04:00 - atualizado 12/12/2022 22:39

Gavetas flutuam na exposição do escultor Francisco Nuk
Apaixonado por gavetas, Francisco Nuk decidiu libertá-las da prisão imposta pelos móveis (foto: Gustavo Andrade/divulgação)
Quem entrar no CCBB, a partir desta quarta-feira (14/12), vai se deparar, logo no hall, com armários tortos (um deles pendurado no teto) e cristaleiras deformadas. Semelhantes ao quadro “A persistência da memória”, de Salvador Dalí, com seus elementos “derretidos”, os móveis integram a exposição “A forma não cumpre a função”, do artista plástico belo-horizontino Francisco Nuk, que ficará em cartaz até 13 de fevereiro.

Cada um dos três espaços do primeiro piso do CCBB recebeu instalação de Nuk. No primeiro, há duas mesas entrelaçadas, com cabeceira de madeira de 7m de comprimento, formato que remete às ondas. No segundo, 150 gavetas foram dependuradas e agrupadas sem ordem lógica. No último, seis cristaleiras estão dispostas como dominós, até serem barradas por um espelho gigante.

“As pessoas costumam considerar meu trabalho surrealista, mas a verdade é que foi um acidente”, explicou o artista durante visita guiada à mostra, na segunda-feira.

Não à mesmice

A ideia inicial de Nuk era fazer um armário torto. Por ter trabalhado a vida inteira como marceneiro, estava acostumado a produzir móveis sob medida com funcionalidade prevista e, sobretudo, equilíbrio e sustentação. No entanto, ele decidiu sair da mesmice. E arriscou, deformando os objetos com o intuito de tirar a utilidade deles.

Foi assim que surgiram as mesas de cabeceira tortas e entrelaçadas. As gavetas perderam sua função utilitária. De início, elas não seriam de verdade, apenas detalhes da escultura. “Mas veio uma provocação do meu pai, dizendo que eu deveria fazer as gavetas se abrirem”, revela Nuk. Ele é filho do artista plástico Sérgio Machado.

“Gavetas abertas, passei a enfrentar um dilema: se fossem todas fechadas, mero ornamento, eu teria uma escultura; a partir do momento em que elas se abrem, a obra se torna mobiliário.”
 
Artista Francisco Nuk está deitado sobre móvel cheio de gavetas em formato de onda
O artista plástico mineiro Francisco Nuk, com sua marcenaria surrealista, questiona o conceito de utilidade (foto: Gustavo Andrade/divulgação)

É algo presente nas casas, principalmente das avós, para propor a seguinte reflexão: OK, você quer me colocar um rótulo, quer que eu tenha um emprego, me case, tenha filhos (...). No entanto, vou ser armário do meu próprio jeito. Posso ser, sim, gaveta, mas serei gaveta de cabeça para baixo

Francisco Nuk, artista plástico

 

Afinal de contas, a arte deve ser inútil para existir?

Esta pergunta não saiu da cabeça de Nuk. A partir da dúvida, ele passou a refletir sobre o conceito de inutilidade, levando tal dilema para suas peças.

Cada criação dele deveria ser o mais disfuncional possível. Assim, surgiram gavetas de cabeça para baixo, armário flutuante e cristaleiras no formato de ferramenta.

Quanto mais objetos inúteis criava, Nuk mais encontrava novos significados para as obras.

“As pessoas caracterizam minhas obras como surrealistas porque exploro a utilidade até o limite para ela eventualmente se tornar inútil. No entanto, o que é inútil? Será que existe, por excelência, esse inútil? Me incomoda muito pensar que nada vai ser inútil, porque isso é questão de perspectiva”, observa.
 
Escultor Francisco Nuk está sentado ao lado de um armário que criou, que também está sentado no chão
Peças de Francisco Nuk remetem aos objetos 'derretidos' de Salvador Dalí (foto: Gustavo Andrade/divulgação)
 

A partir dessa constatação, ele criou a instalação com 150 gavetas dispostas sem ordem lógica. A escolha das peças não foi acaso, pois Nuk é fascinado por gavetas. Afinal, ao mesmo tempo em que ajudam as pessoas a serem mais organizadas e guardam coisas importantes, elas são confinadas a locais obscuros, enclausuradas. De acordo com o artista, isso reforça o aspecto acumulador e um tanto quanto mesquinho do ser humano.

“A inutilidade não pode ser vista como antagônica, não pode ser rejeitada. Ela precisa ser um novo ambiente para o questionamento de algo que incomoda, para nos fazer pensar em alternativas”, diz.

Armário "filosófico"

Ao buscar a ressignificação do mobiliário tradicional, Nuk conta que se encontrou. E quanto mais se enxergava na própria produção, mais mergulhava no questionamento a respeito da inutilidade.

“Eu me vi naquele armário. Passei a questionar a minha própria utilidade”, observa.

“A ideia, então, foi trabalhar com a mobília mais conservadora em estilo antigo, mas que, ao mesmo tempo, traz memória afetiva muito grande para nós, mineiros. É algo presente nas casas, principalmente das avós, para propor a seguinte reflexão: OK, você quer me colocar um rótulo, quer que eu tenha um emprego, me case, tenha filhos e seja uma pessoa pré-definida, assim como a mobília é pré-definida. Tudo bem. No entanto, vou ser armário do meu próprio jeito. Posso ser, sim, gaveta, mas serei gaveta de cabeça para baixo.”
 
O artista plástico mineiro Francisco Nuk está ao fundo da foto. Na frente há peças criadas por ele inspiradas em móveis
Instalações de "A forma não cumpre a função" estão expostas no CCBB, na Praça da Liberdade (foto: Gustavo Andrade/divulgação)
 

Dominó com cristaleiras

A terceira instalação do térreo remete ao desejo de Nuk de se libertar. As seis cristaleiras dispostas em dominó são uma forma de provocar o público com a seguinte questão: “O que aconteceria se a nossa utilidade fosse empurrada, despejada e quebrada?”

Nuk diz que, antes de ser artista, é marceneiro. Com técnicas da marcenaria, constrói obras artísticas e está inserido no que chama de “ciclo de utilidade”.

Seguir a carreira artística iria contra o que é considerado útil, e essa contradição está representada na última instalação da mostra. Cristaleiras caindo em “efeito dominó” significam a destruição gradativa da “persona útil” de Nuk, mas também a liberdade para criar.

As cristaleiras, aliás, não se limitam a representar Nuk. Qualquer um que queira romper com o tal “ciclo de utilidade” estará representado nesta instalação. O resultado desse rompimento? Está refletido no espelho gigante logo à frente.

“A FORMA NÃO CUMPRE A FUNÇÃO”

Esculturas de Francisco Nuk. De quarta a segunda-feira, das 10h às 22h, no Centro Cultural do Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Entrada franca. Em cartaz até 13 de fevereiro. Informações: (31) 3431-9400.


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