O livro “Origens do drama clássico na Grécia Antiga” será lançado pelo pesquisador Rafael Silva, doutor em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nesta quinta-feira (15/12), às 18h, na Livraria Quixote.
De acordo com o autor, obra é um convite para que o leitor retorne às raízes de um dos fenômenos estéticos mais revolucionários da história literária. O livro aborda o desenvolvimento de uma forma poética de drama encenado durante festivais cívico-religiosos em homenagem ao deus Dionísio na cidade de Atenas no período clássico.
Rafael destaca que a dicotomia entre os aspectos religiosos e políticos ligados à tragédia grega o motivou a empreender a pesquisa. De acordo com ele, as origens da tragédia, da comédia e do drama satírico só podem ser entendidas a partir de suas interconexões poéticas, sociopolíticas e religiosas.
“É como se houvesse uma tensão insolúvel das abordagens. Me dei conta de que a tragédia, a comédia e o drama satírico tinham implicações políticas na cidade de Atenas juntamente da esfera religiosa. Quis mostrar como esses dois aspectos são complementares”, explica.
Rafael revisita, sob a perspectiva crítica, teorias influentes acerca das origens da tragédia, da comédia e do drama satírico na Grécia Antiga, trazendo novas leituras de tais interpretações teóricas, desde suas primeiras formulações na Antiguidade até a atualidade.
Nietzsche e Hegel
No âmbito dessas teorias a partir das quais a pesquisa se desenvolveu, ele destaca o livro “O nascimento da tragédia”, de Nietzsche, e também os escritos de Hegel. “Sempre me inquietou nesses dois autores a dicotomia entre política e religião. Parti de uma questão estética moderna e contemporânea e voltei aos testemunhos mais antigos, do Período Arcaico, para mostrar essa complementariedade”, aponta.O autor diz que Nietzsche trata das origens dos gêneros dramáticos na Antiguidade colocando-os em diálogo com a modernidade. “Ele valoriza demais a religião e a loucura, por exemplo, o que acho tão errado quanto valorizar somente as questões políticas. Munido das reflexões lançadas por autores como Nietzsche, me volto para o campo da Antiguidade clássica”, detalha.
Ao longo dos últimos tempos, estudiosos passaram a dar a devida atenção à dimensão cívico-religiosa das apresentações de tragédias, dramas satíricos e comédias no calendário de Atenas. “Isso quer dizer que seus aspectos religiosos e políticos são tão importantes quanto os elementos poéticos, retóricos e dramáticos dessas obras”, pontua.
Simplismo
Rafael considera que a pesquisa desenvolvida, a princípio, para sua dissertação de mestrado em letras na UFMG permitiu-lhe reavaliar uma série de eventos da Antiguidade, que, acredita, sempre foram entendidos de forma simplista. Ele aponta, por exemplo, as abordagens sobre Pisístrato, que governou Atenas entre 546 a.C. e 527 a.C.“As ações dele eram vistas de maneira errônea, porque as fontes democráticas posteriores nunca o representaram de forma favorável. Ele foi um tirano, um governante único que, apesar de ter tomado o poder de maneira ilegítima, fomentou as artes movido pelo sentimento de criar, por meio delas, uma unidade política. Ou seja, teve atuação importante na Atenas do Período Arcaico”, pontua.
Assim como Pisístrato, que contribuiu para o desenvolvimento da poesia e das instituições políticas em seu tempo, há outros exemplos de revisão crítica de algumas proposições consolidadas no pós-iluminismo, afirma o autor, sublinhando que sua pesquisa abarca, a partir de Pisístrato, as implicações políticas da poesia.
“Uma tragédia era encenada para 25 mil pessoas em um teatro. Isso tinha impacto profundo em termos de mensagem política, porque era o que Atenas queria mostrar para os outros gregos. Religião, política, poesia e cultura, de forma geral, andam de mãos dadas o tempo inteiro na sociedade pré-iluminista”, ressalta.
O autor observa que há aspectos obscuros relacionados às culturas antigas explorados por estudos contemporâneos, em termos de práticas sociais, políticas, religiosas e sexuais.
“A revalorização dessa dimensão pouco conhecida da Antiguidade revela a presença de certa estranheza no seio daquilo que há de mais clássico na cultura, obrigando-nos a rever aquilo que até então tínhamos por inquestionável”, diz.
Brasil
O estudo que “Origens do drama clássico na Grécia Antiga” traz é pertinente para a contemporaneidade e, por isso, segundo o autor, não é pensado apenas para a esfera acadêmica – tem potencial para atingir público mais amplo.“O estudo da história antiga não é algo fechado em si, serve para compreender comparativamente o presente, até para que a gente possa pensar o futuro. Não é preciso ir longe: no Brasil mesmo, a gente observa, ao longo dos últimos anos, arte, política e religião cada vez mais imbricadas. Quando me volto para essas questões, proponho um diálogo com o panorama atual”, aponta.
Rafael criou, há três anos, um canal no YouTube (www.youtube.com/RafaelSilvaLetras) para disponibilizar gratuitamente palestras e cursos dedicados a estudos clássicos. Ele aponta que esse conteúdo está em plena consonância com o que “Origens do drama clássico na Grécia Antiga” apresenta.
“Pretendo fazer o mesmo com meu trabalho de doutorado, publicando um livro, também pelas Edições Loyola, e disponibilizando no canal do YouTube os resultados da pesquisa. Muito desse material já pode ser acessado. Proponho meio que um curso de estudos clássicos alinhado com minhas pesquisas”, destaca.
Além da academia
O desejo de alcançar audiência além do círculo acadêmico também se relaciona com a atividade on-line, segundo o autor. Ele diz que o público do canal é bastante diversificado e alguns vídeos já atingiram a marca de 20 mil visualizações. “É um público realmente heterogêneo, que acompanha esse trabalho desde que foi criado”, afirma.A chegada da pandemia motivou a criação do canal. “Pensei nele como um meio de oferecer apoio aos estudantes que ficaram isolados, sem aulas. Como a iniciativa deu certo, muitas pessoas aderiram, resolvi dar continuidade e tenho ampliado as propostas por lá. Isso é algo que incentivo as pessoas da universidade a fazerem, trabalhar com a ideia de extensão, dialogando com a sociedade”, pontua.
Ele observa que a audiência do canal inclui número considerável de jovens, que se interessam especialmente por mitologia clássica, graças à presença do tema em livros infantojuvenis, filmes, séries e jogos de videogame.
Por essa razão, desde o princípio ele diz que busca divulgar estudos da Antiguidade clássica por meio de abordagem despojada e dinâmica, mas sem abrir mão do rigor acadêmico.
Choque de ideias
No vídeo de apresentação do canal, ele explica que organizou uma série de listas sobre temas literários, filosóficos e históricos, incluindo tanto vídeos próprios quanto de outras pessoas, com a intenção de dar acesso ao maior número possível de opiniões sobre um determinado assunto.“O choque e o diálogo de ideias são a forma mais construtiva de desenvolvermos o pensamento crítico”, diz.
Rafael chama a atenção para os vídeos em torno do que batizou “Entre os gregos e nós (outros)”, que cumprem a função de tecer diálogos entre os gregos antigos – sua cultura, seus costumes e suas práticas – e a realidade contemporânea do Brasil.
Para o autor, a dinâmica é enriquecedora para todas as partes envolvidas. Rafael classifica seu modelo de trabalho como “reflexão metateórica”, que cumpre importante papel formativo.
“Os caminhos da pesquisa são tão fundamentais quanto os resultados. A pesquisa não apenas forma um produto, que é o livro, mas forma também o autor e os possíveis leitores”, ressalta.
Convidado especial
O lançamento do livro, na Quixote, vai contar com a presença de Jacyntho Lins Brandão, referência nos estudos sobre a Grécia Antiga, para bate-papo com o autor.Doutor em letras clássicas pela Universidade de São Paulo (USP), Jacyntho é professor titular de língua e literatura grega da Faculdade de Letras da UFMG, da qual já foi diretor. Também foi vice-reitor da UFMG.
Brandão é um dos fundadores e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos. Escreveu diversos livros, entre eles “A poética do hipocentauro: literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samósata” (Editora UFMG, 2001), “A invenção do romance” (UnB, 2005), “Luciano de Samósata: como se deve escrever a história” (Tessitura, 2009) e “Antiga Musa: arqueologia da ficção” (Relicário, 2015).
“ORIGENS DO DRAMA CLÁSSICO NA GRÉCIA ANTIGA”
• De Rafael Silva
• Edições Loyola
• 298 págs.
• R$ 58
• Lançamento nesta quinta-feira (15/12), das 18h às 21h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), com a participação do professor Jacyntho Lins Brandão