Esqueçam temas que possam provocar atritos religiosos. Desta vez, o especial de Natal do Porta dos Fundos deixa os dogmas de lado. Nem por isso, o nono trabalho, que marca o fim de ano da produtora, vai dar paz às figuras natalinas.
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Fábio Porchat, que repete pelo segundo ano consecutivo a parceria no roteiro com Jonathan Marques, afirma que religião ainda é tema que interessa ao Porta. Inclusive, minidoc traz Jesus chateado por não ser mais garoto-propaganda do especial natalino.
O humorista descarta qualquer pressão de grupos religiosos para que o tema deixasse, pelo menos por ora, o especial.
Há três anos, véspera de Natal, a sede da produtora, no Rio de Janeiro, foi atingida por um coquetel molotov em protesto ao “Especial de Natal Porta dos Fundos: A primeira tentação de Cristo”, que mostrava Jesus voltando do deserto acompanhado do namorado. Religiosos defenderam a censura do filme.
Em “O espírito de Natal”, um grupo de amigos foge das comemorações de fim de ano e se hospeda em um chalé perdido no meio da floresta. Tudo vai bem até uma pessoa misteriosa invadir a casa. A reação da turma é imediata e trágica. Figuras do imaginário natalino, como renas e anões, dão um toque a mais na trama de suspense, mistério e, claro, muito sangue.
Porchat conta que a ideia partiu da vontade de contar uma história que nunca havia sido apresentada. “Se for fazer alguma coisa no Porta, penso: o que só o Porta poderia fazer? O que a gente não poderia ver em outro lugar?”, diz ele ao Estado de Minas.
“Já que tenho uma produtora que pode fazer o que ela quiser, vou tentar uma coisa diferente, ousada, estranha. E aí tive a ideia: o que nunca aconteceu com o Papai Noel?”.
O Natal do Porta não ostenta a estética tradicional das comemorações de fim de ano. O vermelho e o verde, cores da festa, estão opacos. Papai Noel surge empoeirado e Mamãe Noel, enlouquecida. Fábio diz que a ideia é não deixar os personagens óbvios. “Até porque, se fosse o Papai Noel de cara, aquele grupo de amigos diria: É o Papai Noel!”.
De acordo com ele, o legal é a dúvida dos amigos naquele chalé. “Será que é o Papai Noel? Será que é um homem? Não, é um cara, é um bandido. É um assaltante. Então, ele está lá meio de vermelho, tem um saco, está parecendo um ladrão mesmo. Assim eles se defendem.”
Ter Papai Noel como tema não é a única novidade do especial do Porta. Trata-se de uma história de terror, bem ao estilo daqueles filmes adorados por quem já passou dos 50 quando era jovem. Ao contrário da comédia, é um terreno em que o audiovisual brasileiro ainda está tateando.
Porchat observa que, apesar de o público brasileiro gostar tanto de filme de terror, o Brasil ainda não tem tradição no gênero. Ele espera que a qualidade do longa sirva de exemplo.
“O filme é resultado da vontade de sempre fazer tudo bem-feito. Desde o início do Porta, lá em 2012, as pessoas falam: ‘Nossa, nem parece internet, eles fazem com qualidade de TV’”, observa.
“Espírito de Natal” tem 35 minutos. A escolha que não foi proposital, apesar de Fábio reconhecer que o público não tem muita paciência de encarar uma tela por muito tempo.
“Realmente, as pessoas não aguentam ficar mais de uma hora na tela. Por ser um especial, produção nossa, a gente pode fazer o que bem entender, no tempo que a gente quiser. Se a gente quisesse fazer 15 minutos, dava; se fizesse uma hora, dava também. Não é preciso ficar preso ao tamanho”, afirma. No primeiro corte, eram 45 minutos.
“Quando as armações da história começam a acontecer, está tudo acontecendo tão rápido, mas tão rápido, que acaba. 'Caraca, já acabou, que loucura!'. Acho isso bom, dá o gostinho de 'será que vai ter o 2?”
Política e cultura
Bem-humorado, Porchat afirma que o Brasil voltou a se unir e agora a vovó católica pode assistir ao especial. Otimista, acredita que depois de tanta briga política resultando em amizades desfeitas, dentro e fora da família, as coisas voltaram ao normal. Destaca que o que foi desprezado pelo atual governo entra na ordem do dia.
“A cultura volta a ter valor, volta a ser aliada, e não inimiga do povo brasileiro. A cultura traz dinheiro para o país, dá dinheiro para o governo, para a educação e a saúde. O que é investido na cultura volta com injeção fiscal”, afirma.
“Tínhamos um governo que queria se vingar dos artistas, que não pensava na cultura e não pensava no retorno financeiro, porque retorno precisa de investimento, né? Ano que vem, quando a gente parar de brigar, de ter um líder que incentiva a briga, grita o dia inteiro xingando jornalista, falando mal, agredindo, só de poder tirar este ser da frente já acalma tudo”, acredita.
“Sinto que agora a gente respira um pouco mais aliviado, deixando o ânimo penetrar. Não é que parou de haver cobrança, mas agora a gente segue num caminho mais leve”, afirma.
Quando o especial de Natal entrar no ar, a quarta temporada de “Que história é essa, Porchat?” terá chegado ao fim. Dois produtos diferentes, mas com a marca deste apresentador, roteirista e ator, sempre de olho em tudo.
"Sou centralizador e cuidadoso, gosto de ver o melhor produto possível. Como escrevo, gosto que as coisas saiam do jeito que eram na minha cabeça. Mas quem dirige é o diretor, com quem tenho conversa muito boa, diálogo aberto. É claro que a visão dele entra, ele decide coisas para as quais não estou nem aí. Só fico muito em cima para que seja o mais bem-feito possível, o mais engraçado possível ou o mais aterrorizante possível.”
Porchat aprova todas as histórias do programa e os cortes finais, garantindo que não interfere na direção e na edição. A próxima temporada estreia em março, no GNT, com 40 episódios até o final de 2023.
Ao longo dos últimos quatro anos, o formato do programa nunca se repetiu, observa. “Em 2019, ele estreou como eu queria, perfeito, e funcionou. Em 2020, com a pandemia, teve de ser virtual. Em 2021, foi sem plateia e sem os convidados poderem se aproximar. Em 2022, volta metade da plateia com máscara. No ano que vem, a gente volta a fazer o programa como foi pensado em 2019. Ele volta com fôlego e força total”, afirma.
Caminhando para o quinto ano, “Que história é essa, Porchat?” não se desgastou, acredita o apresentador. “Com histórias muito boas, o programa tem fôlego”, diz, garantindo que não quer brilhar mais do que os convidados, famosos ou anônimos.
“O que mais gosto é quando alguém fala pra mim: ‘Adorei o programa da Roberta Miranda!’. Você vê, o programa não é meu, o programa é da Roberta Miranda. É o maior elogio que posso receber, pois consegui deixar a pessoa tão à vontade ali, tão tranquila contando a história dela, que o programa é dela.”
Pé-frio no estádio
Esta entrevista foi feita antes da eliminação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Porchat ganhou fama de pé-frio. “Sou o Mick Jagger brasileiro”, brincou, referindo-se à fama do astro britânico – aliás, o stone estava no Mineirão, acompanhando o filho Lucas, quando o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha.
“O problema é no estádio. Não posso ir ao estádio. De quatro jogos de Copa do Mundo que assisti no Brasil, três o Brasil perdeu. Lancei a campanha falando que sou pé-frio, e o engraçado é que pegou. No fim das contas, é muito saudável e engraçado. Divertido.”
Porchat aponta seus jogadores favoritos: “Vinícius Júnior é excelente, ele é uma máquina, domina muito bem a bola. Tem uma calma, uma tranquilidade, é muito o espírito do Brasil. Casemiro também é muito centrado, muito firme, absoluto ali na sua posição.”
Em março, o humorista entra em cartaz com o stand up “Histórias do Porchat”, em São Paulo, contando histórias de viagens. No próximo ano, também deve rodar dois filmes que está escrevendo para serem lançados em 2024. “Vem bastante coisa por aí”, adianta.
“O ESPÍRITO DE NATAL”
Especial do Porta dos Fundos. Estreia na próxima quarta-feira (21/12), na plataforma Paramount