Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Minas e Bahia dão régua, compasso e talentos à banda Trilho Elétrico


Cantada por Milton Nascimento em “Ponta de Areia”, a ligação de Minas com a Bahia é simbolicamente reinaugurada por um novo projeto musical. Trata-se do grupo Trilho Elétrico, formado pelos mineiros Rodrigo Borges e Lelo Zaneti, baixista do Skank, e pelos baianos Lutte e Manno Góes, ex-baixista e vocalista do grupo Jammil e uma Noites.





Com dois singles lançados na última semana – “Repaginou”, com a participação de Luiz Caldas, e “Trilho Elétrico”, com Armandinho Macedo –, a banda pretende lançar seu álbum de estreia no primeiro semestre de 2023. Antes de esse trabalho vir à luz, o objetivo é chegar ao carnaval com munição para arrastar foliões em Belo Horizonte, em Salvador e reverberar pelo resto do país.
 
O baiano Armandinho Macedo faz participação especial no single 'Trilho Elétrico' (foto: Divulgação)
 

Filho de Momo

A Trilho Elétrico, afinal, “nasceu” no carnaval, guiado pelo espírito de Momo, relata Rodrigo Borges. O projeto começou a ser gestado a partir do encontro dele com Manno Góes, presidente da União Brasileira de Compositores (UBC), a quem foi apresentado pelo violonista e compositor mineiro Geraldo Vianna, diretor da entidade.

“Num evento da UBC no Rio de Janeiro, conheci Manno. Mostrei minhas músicas, comentei com ele sobre o carnaval de Belo Horizonte, a Divina Banda, o nosso bloco que sai pelas ruas de Santa Tereza, e o convidei para conhecê-lo”, conta Borges.





Convite aceito, Manno veio a Belo Horizonte na folia de 2020. “Ele ficou maravilhado, falou que o carnaval da cidade parecia com o de Salvador há 20 ou 30 anos”, diz Rodrigo.

“Fui dar uma canja na Divina Banda e fiquei encantado, apaixonado, muito fascinado com isso de tocarem músicas do Clube da Esquina em ritmo de marchinha, de samba-reggae”, afirma Manno.

Logo em seguida, o sobrinho de Lô Borges foi a Salvador e os dois compuseram a música que viria dar nome à banda. Com a chegada da pandemia, seguiram trocando figurinhas remotamente.

“Com o isolamento, nós, artistas, ficamos procurando o que fazer. Pensei na ‘Ponta de Areia’ do Milton, que fala de Bahia e Minas. Sou neto de baiano, meu avô materno é de lá. Daí propus ao Manno criarmos esse projeto de Minas com Bahia. Ele topou imediatamente”, detalha Borges.

Nos contatos on-line, os dois tiveram a ideia de convidar outro mineiro e outro baiano para integrar o grupo. Rodrigo pensou em Lelo, de quem é amigo, e Manno convidou Lutte, cujo trabalho diz admirar.

“Ele é um cara da cena alternativa daqui de Salvador, integrou a banda de reggae Mosiah, que teve projeção bem legal na Bahia. Sempre gostei do trabalho do Lutte, achei que ia encaixar bem. De fato, ficou maravilhosa a química dele com o Rodrigo e comigo, já que somos os três cantando”, diz Manno.




 
Luiz Caldas, pioneiro do axé, participa do single 'Repaginou', da banda Trilho Elétrico (foto: Cesar Raseck/divulgação)
 

Quando a pandemia permitiu, o quarteto intensificou os trabalhos. Foram muitas as músicas feitas durante o isolamento social, e os quatro seguem compondo.
 
“A gente tanto faz parcerias quanto enviamos ideias uns para os outros. Tem bastante coisa produzida, material para mais de um disco. Estamos na fase de seleção do que vai entrar no álbum”, diz Rodrigo Borges.

O selo Pacific Records está cuidando do lançamento dos singles. Além de Luiz Caldas e Armandinho Macedo, estão confirmadas faixas com Mart’nália e Daniela Mercury.

“Manno fez um frevo maravilhoso e convidou Daniela para cantar, que aceitou. Mart’nália participa de ‘Vem dançar’. Estamos muito felizes com esse projeto unindo a pegada rítmica da Bahia com a coisa das harmonias mineiras”, ressalta.





 

 

Não é só folia

Trilho Elétrico mira o carnaval, mas não se trata de projeto apenas para a folia, esclarece Rodrigo Borges. A essência do trabalho é o ritmo e o suingue com a proposta de fomentar a diversão, mas com horizontes abertos.

“A banda surge na pegada do carnaval, embora a gente queira rodar o ano inteiro. Nas letras, por exemplo, a gente trabalha questões atuais. ‘Repaginou’ é letra bastante progressista, que fala de diversidade. Teremos canções de amor. A ideia é falar do Brasil, do que achamos importante ser dito sobre política, sobre a sociedade, mas fazendo um convite à leveza”, aponta.

Leveza também é a palavra a que Lutte recorre para definir a Trilho Elétrico. Ele observa que os singles já lançados carregam o espírito carnavalesco, mas a ideia é ir além da folia.





“Somos artistas de segmentos distintos e temos liberdade artística. Todo mundo opina, todo mundo dá ideias, o que possibilita um leque grande de opções. Neste mundo pós-pandemia, a gente precisa de leveza. A gente quer tentar expressar isso por meio do nosso som. O mundo precisa de um diálogo mais tolerante, mais amoroso e mais humano”, diz.

Lutte destaca que sua praia é o reggae raiz. Comenta que o trunfo e o desafio da Trilho Elétrico é ser integrado por quatro artistas com formações e linguagens distintas.

“Tem a questão de eu trazer minhas referências e tentar fazer com que elas se encaixem de forma fluida num projeto com quatro cabeças. Estou acostumado a ser a voz, o compositor, o produtor dos meus trabalhos. Numa proposta conjunta, existe o desafio de você se abrir a outros segmentos de mercado pelos quais você, de repente, não tem muito trânsito”, pondera.

Identificado com a linguagem pop do Skank, Lelo Zaneti diz que sua relação com o carnaval vem da infância, na cidade natal, São Domingos do Prata (MG), onde acompanhava desfiles do Bloco dos Sujos, coordenado por um tio. Ele aponta o álbum “Muitos carnavais”, de Caetano Veloso, como referência importante em sua formação.





“Tem também a própria retomada do carnaval de rua em Belo Horizonte. A gente costumava acompanhar os ensaios da Divina Banda, no Distrital de Santa Tereza. A conversa com o Rodrigo sobre a Trilho Elétrico começou por aí, a gente falando sobre reproduzir certas coisas do Clube da Esquina em ritmo de carnaval e funcionar bem”, relata.
 
Martnália vai trazer o suingue carioca para o som 'baianeiro' da Trilho Elétrico (foto: Eny Miranda/divulgação)
 

Skank na onda das micaretas

Para Lelo, a proposta de aproximar Minas e Bahia remete aos anos 1990, quando o Skank participava frequentemente de micaretas – carnavais fora de época em voga naquela época. A banda tocou em muitos eventos com Daniela Mercury, por exemplo.

“Participamos ativamente de shows, eventos, festas, tudo isso movimentando uma cena gigante, que tinha essa coisa da parceria, da proximidade do pop com o axé, e formou uma geração inteira. Não só estivemos juntos, mas ajudamos a construir essa história, ressalta.





Rodrigo Borges identifica os tambores como o principal elemento de união das culturas mineira e baiana. O instrumento de matriz africana está presente nas celebrações e festas populares dos dois estados.

“A Bahia nos deu Caetano, Gil, os Novos Baianos. Minas chegou com o Clube da Esquina, que tem característica rítmica muito forte. Percebo que há admiração recíproca”, diz, lembrando que é Caetano quem assina o prefácio do livro “Os sonhos não envelhecem”, de seu tio Márcio Borges.

 

 

Lô e Beto influenciaram Manno

Manno Góes aponta a complementariedade de linguagens musicais. “Como compositor de música baiana, tive a música mineira como fonte de inspiração forte durante toda a minha carreira, com suas construções harmônicas e melódicas lindíssimas. Esses elementos estão presentes em várias músicas do Jammil, como ‘Milla’ e ‘Minha estrela’. Sempre ouvi muito Lô Borges e Beto Guedes”, destaca.

Minas e Bahia são estados festeiros que cultivam os encontros e os abraços, afirma o baiano. “Essa identidade cultural se expressa também na música. A parte rítmica da Bahia com a parte melódica e harmônica de Minas resulta num negócio lindo”, garante.