A gravação do álbum “Clube da esquina” (1972) representou uma série de “primeiras vezes” para Lô Borges, então garoto de 18 anos. Não foi só sua estreia como autor e intérprete ao lado de Milton Nascimento, já nome de respeito na música brasileira. “Quando gravei ‘Um girassol da cor do seu cabelo’, toquei piano com orquestra de cordas (regida por Paulo Moura)”, relembra hoje Lô, 70 anos de vida e 50 de carreira.
É justamente a faixa oito do álbum duplo, música de Lô e letra romântico/psicodélica do irmão Márcio Borges, que abre o repertório dos dois concertos comemorativos – de idade e carreira – nesta semana. Nessa altura da vida, é hora de mais uma “primeira vez”.
Lô vai de 'cuca fresca' para o palco
Na quarta (21/12) e quinta-feira (22/12), Lô se apresenta na Sala Minas Gerais ao lado da Filarmônica e do grupo DoContra. Será também uma estreia para a orquestra, que, prestes a completar 15 anos (em fevereiro de 2023), pela primeira vez vai fazer concerto com repertório exclusivamente popular, formado por 16 canções compostas por Lô e seus parceiros.
“Estou com o espírito bem relaxado. Mesmo sendo uma coisa que nunca fiz, sou cuca fresca como músico. Vou com a maior tranquilidade e segurança. Estudei o concerto ao longo do ano inteiro”, comenta Lô, que somente no início desta semana ensaiará com as três formações que se reunirão na Sala Minas Gerais. As apresentações encerram o ano da orquestra, que retorna em fevereiro.
Com regência de José Soares, maestro associado da Filarmônica, o concerto contará com a orquestra, Lô e sua banda – Henrique Matheus (guitarra), Robinson Matos (bateria), Renato Valente (contrabaixo) e Renato Saldanha (violão) – e o grupo DoContra, com cinco contrabaixistas: Neto Bellotto, Walace Mariano, Pablo Guinez (os três são integrantes da orquestra), Taís Gomes e Valdir Claudino.
Chefe de naipe da Filarmônica, Bellotto, de 32 anos, é o idealizador do projeto e assina direção musical, arranjos e orquestração. Desde 2015 ele está à frente do DoContra, grupo de cordas especializado em reler, no formato de câmara, o repertório popular. É apaixonado pela obra de Lô desde a adolescência.
“É o cara que mais ouço, sempre foi meu ídolo na música. É um dos compositores mais completos, pois a música dele é muito original. Mesmo mudando de estética, de grupos e de formação, sua assinatura se manteve”, afirma Bellotto. Esse paulista, quando se mudou para Belo Horizonte, há 12 anos, começou a se aprofundar na música de Minas Gerais.
Neto Bellotto virou amigo de infância do ídolo
A aproximação dos dois é recente. Durante a pandemia, DoContra gravou “Como o machado” (1972, do “Disco do tênis”, que marcou a estreia solo do músico), com letra e música de Lô. Bellotto mandou para ele de aniversário. Houve mais de um ano de conversas até que no início de 2022, no apartamento de Lô, os dois se conheceram pessoalmente.
“Tudo que não conhecia do Neto fiquei conhecendo este ano, pois encontramos umas 50 vezes. Somos agora amigos de infância”, conta. Já naquele momento Bellotto fez o convite a Lô para o concerto com orquestra.
A Filarmônica não demorou a dar o OK. “Quando fui conversar com o maestro (Fabio) Mechetti (regente titular e diretor artístico da orquestra), ele comprou a ideia na hora. Mas quis entender o formato, ver quem escreveria os arranjos. Fez questão de pontuar que não queria a Filarmônica tocando como outras orquestras fazem, só acompanhando artista. Queria que ela brilhasse”, continua Bellotto.
Ao longo dos últimos meses, ele fez os arranjos e a orquestração de 15 canções – a 16ª, “Para Lennon e McCartney” (Lô, Márcio Borges e Fernando Brant), foi arranjada por Marlon Humphreys-Lima, primeiro trompetista da Filarmônica. O repertório foi definido a partir de aprovação de Lô, que escolheu “as músicas em que me sentia mais à vontade para cantar”.
“O Lô vinha na minha casa, pegava o violão e me ensinava a tocar todas as músicas. Tenho um arquivo enorme dele, da mão esquerda mostrando os acordes que toca, os segredos da música dele”, detalha Bellotto. Depois disso, ele ia para o computador, escrevia os arranjos, fazia os desenvolvimentos orquestrais e os enviava. Lô comenta que aprovou, sem reparos, 90% do que Bellotto enviou.
Com a aprovação do autor, o material era enviado para Mechetti. “Ele sempre pontuava alguma coisa de orquestração, sugeria uma troca de solo de instrumentos. Foi muito puxado, mas muito especial, pois além de ganhar aulas de violão com o meu maior ídolo, também ganhei um ano de orquestração e arranjos com o Mechetti”, diz Bellotto.
Maestro diz que 'avista girassóis'
Regente das duas noites, José Soares, de 24 anos, paulista que chegou a BH no início de 2020 para atuar na Filarmônica, assume que “pegou o trem azul andando, mas já avistava os girassóis”, brinca ele em referência às duas canções antológicas de Lô.
“O projeto me permitiu ter contato aproximado com o trabalho dele como compositor. Há uma vertente muito particular da obra, que é algo difícil de categorizar. As próprias canções têm muitas diferenças e o programa do concerto, com as orquestrações e arranjos que o Neto fez, apresenta um caleidoscópio de linguagens artísticas”, diz Soares.
Um mês antes dos concertos, os ingressos se esgotaram. A ideia é não parar por aí. As duas noites serão gravadas e, para 2023, planejam-se novos encontros, informa Bellotto.
“Comemorar 50 anos de carreira e com uma orquestra do tamanho da Filarmônica é algo que o Lô merece demais”, diz o músico. O homenageado agradece. “Foi um presente, uma honraria, como artista, inaugurar essa história da Filarmônica tocando música popular. O convite me comoveu muito.”
REPERTÓRIO
“Um girassol da cor de seu cabelo”
(Lô e Márcio Borges)
(Lô e Márcio Borges)
“O caçador”
(Lô e Márcio Borges)
“O trem azul”
(Lô e Ronaldo Bastos)
“Faça seu jogo”
(Lô e Márcio Borges)
“Veleiro”
(Lô e Patrícia Maês)
“Clube da esquina”
(Lô, Milton Nascimento e Márcio Borges)
“Estrelas”
(Lô, Milton Nascimento e Márcio Borges)
“Clube da esquina nº 2”
(Lô, Milton Nascimento e Márcio Borges)
“Sonho real”
(Lô e Ronaldo Bastos)
“Para Lennon e McCartney”
(Lô, Márcio Borges e Fernando Brant)
“Dínamo”
(Lô e Makely Ka)
“Feira moderna”
(Lô, Beto Guedes e Fernando Brant)
“Paisagem da janela”
(Lô e Fernando Brant)
“Canção postal”
(Lô e Ronaldo Bastos)
“Onde a gente está”
(Lô e Márcio Borges)
“Quem sabe isso quer dizer amor”
(Lô e Márcio Borges)
LÔ BORGES, DOCONTRA E FILARMÔNICA DE MG
• Quarta (21/12) e quinta-feira (22/12), às 20h30, na Sala Minas Gerais (Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto).
• Ingressos esgotados.
• Ingressos esgotados.