Jornal Estado de Minas

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Caso Flordelis é esmiuçado em séries do Globoplay e HBO Max


Em 11 de agosto de 2021, a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD), a quinta mais votada do estado do Rio de Janeiro, teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar. Ela teria coagido testemunhas e ocultado provas durante a investigação do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, morto a tiros em casa, em Niterói, em 16 de junho de 2019. Em 13 de agosto, uma sexta-feira, Flordelis, já sem a imunidade parlamentar, foi presa na residência onde ocorreu o crime.





Nas 72 horas entre a cassação e a prisão, a pastora, cantora e mãe de 55 filhos teve dezenas pessoas do seu lado. Boa parte da família, advogados e assessores, além de uma equipe de documentaristas.

Botox e aplique

Câmeras, diretores e produtores acompanharam os últimos momentos de liberdade da ex-deputada. Flagraram, por exemplo, o encontro de Flordelis com sua dermatologista para fazer aplicação de botox como também o momento em que ela, no banheiro de casa, retirou o aplique (perucas sempre foram sua marca registrada), ficando com o cabelo ao natural.

A ascensão e o ocaso da evangélica de 61 anos – que cumpre pena de 50 anos na Penitenciária Talavera Bruce, em Bangu, zona oeste do Rio, como mandante do assassinato do marido – é uma história tão complexa que não se esgota após duas séries documentais.





Flordelis foi condenada em um domingo, 13 de novembro. No dia 4, três antes de o julgamento ter início, o Globoplay estreou os dois primeiros episódios da minissérie “Flordelis: Questiona ou adora”. Nas duas sextas-feiras posteriores (11 e 18 de novembro), foram disponibilizados os quatro episódios restantes. A repercussão foi tamanha que no dia 22 daquele mês a equipe gravou capítulo extra.

Tal episódio, o sétimo, que acompanha o julgamento, foi lançado no Globoplay em 8 de dezembro. Neste mesmo dia, a HBO Max lançou a minissérie “Flordelis: Em nome da mãe”, com quatro episódios. As duas produções estão entre as 10 mais assistidas das duas plataformas.

“Quanto mais você mergulha em uma história, menos você sabe, pois vai percebendo que ela tem muitas nuances”, resume Maurício Monteiro Filho, codiretor de “Flordelis: Em nome da mãe”, série dirigida por Suemay Oram. Nem é preciso estar tão próximo do caso, como Monteiro, para perceber que o caso Flordelis não tem respostas fáceis.





É um exercício de paciência assistir às duas séries (ao todo, 11 episódios), mas também é uma forma de ver como a mesma história pode ser contada de maneiras diferentes. Mania, para não dizer quase obsessão norte-americana, o true crime aportou com mais força no Brasil com a explosão do streaming.
 
A ex-deputada com o noivo, Allan Soares, 40 anos mais jovem, em cena da produção da HBO (foto: HBO/divulgação)
 

Onda criminal

Vários casos midiáticos ganharam, recentemente, séries documentais: “Pacto brutal: O assassinato de Daniella Perez” (HBO Max), “O caso Evandro” (Globoplay), “Elize Matsunaga: Era uma vez um crime” (Netflix) e “O caso Celso Daniel” (Globoplay). Mas todas, vale dizer, abordam crimes elucidados ou que ocorreram há muitos anos.

O caso Flordelis não. As duas séries foram realizadas simultaneamente à investigação policial e lançadas no calor da decisão da Justiça. “É bem diferente, pois você não sabe o que vai acontecer, então tem de ficar 24 horas em alerta. A emoção é verdadeira, pois não é uma história de retrospectiva”, comenta Suemay Oram, documentarista anglo-brasileira baseada em Londres e especialista no gênero true crime.




 

 

Ela foi uma das diretoras de “Bandidos na TV” (Netflix), série-sensação sobre Wallace Souza, apresentador de TV de Manaus, ex-policial militar eleito por três vezes deputado estadual, que encomendaria crimes para garantir a audiência de seu programa. Com Flordelis, o pulo do gato foi o acordo com a ex-parlamentar para acompanhá-la durante o processo.

Depois da morte do pastor Anderson, quando se começou a especular que ela seria a mandante do crime, em poucos meses a parlamentar se viu abandonada por seus pares, acusada por um dos filhos e com a vida exposta pela imprensa, acusada por youtubers e apresentadores de programas populares. Flordelis veio a público fazer apelo, pelas redes sociais, pedindo ajuda.

“A produtora-executiva da série, Diene (Petterle), é brasileira e mora em Londres. Quando saiu a notícia na BBC de que a Flordelis, decepcionada com a mídia brasileira, fez um pedido (de ajuda) para o exterior, ela a contatou”, conta Suemay.





Em maio de 2021, as gravações começaram efetivamente. Até a prisão, a equipe conversou com ela e os personagens mais próximos. O caso é complicadíssimo – além de Flordelis, outras 10 pessoas foram a julgamento, oito delas parentes da evangélica (sete filhos, entre biológicos e adotivos, e uma neta). Oito, das 11, foram condenadas.

A motivação do crime – anunciado por Flordelis, no calor da hora, como simples latrocínio – foi ganhando novas nuances. Em meio às investigações, sua filha biológica, Simone dos Santos Rodrigues (condenada a 31 anos), afirmou que era abusada sexualmente, há anos, por Anderson. E o abuso teria chegado até sua filha. O caso ainda envolve suposto envenenamento da vítima, que controlava toda a carreira, artística e política, da mulher.
 
Carta de Flordelis para pôr a culpa do crime no filho adotivo é um dos destaques da série "Questiona ou adora", do Globoplay (foto: Globoplay/divulgação)
 

Dois olhares na tela

Tal história é desmembrada nas duas séries. A da HBO Max, mais enxuta, enfatiza o desenrolar do crime de forma cronológica. A do Globoplay vai e volta no tempo em todos os episódios, dando muito destaque à trajetória da personagem no passado e também à investigação policial e jornalística (a minissérie foi realizada em parceria com o jornal “O Globo”).





Cada qual traz seus trunfos. Além do olhar “de dentro” sobre a vida de Flordelis, a série da HBO Max destaca um personagem que surgiu no meio do processo, causando comoção na época. O produtor Allan Soares, quase 40 anos mais jovem que a evangélica, se tornou noivo dela durante as investigações.
 

 

Já a produção do Globoplay vai a fundo em histórias secundárias, como a carta que Flordelis teria forjado para jogar a culpa do crime em Lucas Cézar dos Santos de Souza, um de seus filhos adotivos, assim como a verdade sobre Daniel dos Santos de Souza – o jovem, apontado como único filho biológico de Flordelis e Anderson, foi adotado.

“Se a gente se pautasse por uma narrativa com expansão de contexto, perderia a espinha dorsal da coisa”, afirma Maurício Monteiro sobre a decisão de se ater ao caso principal. A intenção da HBO Max foi, desde o início, lançar a série após o julgamento. Ele foi adiado, o que afetou os planos. “Não queríamos lançar antes para não afetar (o júri).”




"Detetives" de thriller

Com menos de um mês para filmar e finalizar a série, Suemay admite que o processo foi de “muita emoção”. Para ela, o interesse crescente por true crime tem algumas razões.
 
“As pessoas gostam de se colocar como investigadoras, como um thriller.  Acho importante cada programa ter uma perspectiva diferente, que não seja só sobre o crime. Abordamos o julgamento pela mídia, a ideia de abuso dentro das famílias. Dessa maneira, o true crime consegue abrir a conversa sobre outros temas.”

Monteiro vai além: “Há um espaço socialmente relevante que o true crime preenche. Fica difícil olhar para vários lados a partir da cobertura da imprensa. A forma como os comentários vêm é, muitas vezes, de maneira punitivista, na adesão a todas as acusações. O processo criminal não terminou, a pessoa está sendo acusada e o público já a condenou. O true crime parte de perspectiva diferente, exige um conjunto probatório do ponto de vista criminal muito mais sólido. Dessa maneira, há menos especulações e percebem-se as dimensões sociais que perpassam cada crime, inserindo o true crime no lugar do debate.”




“FLORDELIS: EM NOME DA MÃE”

Série em quatro episódios. Disponível na HBO Max e no Discovery+
 
>> Apresenta depoimentos de Flordelis feitos para a série, além de acompanhar o cotidiano dela e seus últimos momentos em liberdade
>> Traz depoimentos de Allan Soares, noivo de Flordelis
>> É mais enxuta, com quatro episódios, e direta, acompanhando o desenrolar do crime em ordem cronológica

“FLORDELIS: QUESTIONA OU ADORA”

Série em sete episódios. Disponível no Globoplay
 
>> Apresenta o passado de Flordelis, destacando histórias da ex-parlamentar e personagens que conviveram com ela antes da fama
>> Dá muito destaque à investigação, tanto a realizada pela polícia quanto a de jornalistas que cobriram o caso
>> Vai fundo em histórias secundárias, como a da carta que a protagonista foi acusada de forjar para colocar a culpa no filho adotivo