"Acho que as pessoas que desenham são os teimosos, que não concordaram ou não entenderam que deveriam fazer essa troca (por códigos criptografados)
Jefferson Costa, quadrinista
“Não tem ninguém que não saiba desenhar. Nem que seja para fazer bonequinhos de palitinho, todo mundo consegue”, afirma o quadrinista Jefferson Costa, explicando que o desenho é a primeira linguagem gráfica que os seres humanos aprendem para se comunicar.
Vencedor do Prêmio Jabuti em 2019 com “Jeremias – Pele”, do selo Graphic MSP (Mauricio de Sousa Produções), ele foi o convidado especial da 5ª Feira de Quadrinhos da Casa (CDQ-CON), evento realizado gratuitamente neste final de semana pela escola técnica de artes visuais Casa dos Quadrinhos no anexo da Biblioteca Pública de Minas Gerais, entre o Memorial Minas Gerais Vale e o Museu das Minas e do Metal. O evento marca ainda a reabertura do anexo, que fechou no ano passado para obras de revitalização.
Foram quase 50 profissionais da arte sequencial que expuseram suas obras e (alguns) participaram de atividades com o público promovidas nos dois dias de evento presencial. Entre eles, Vitor Cafaggi (“Turma da Mônica” e “Franjinha”, da Graphic MSP), Carol Rossetti (“Vento Norte”), Rebeca Prado (Graphic MSP) e Luís Felipe Garrocho (“Bidu”, da Graphic MSP”).
Jefferson, além de expôr suas HQs, ministrou master class de narrativa visual e participou de bate-papo com o público, no sábado (17/12), mediado pelo também quadrinista Acir Piragibe. Horas antes de subir ao palco do auditório, ele conversou com o Estado de Minas.
Na conversa, falou sobre o mercado de HQs no Brasil, a falta de identificação de muitos quadrinistas com a realidade brasileira e sobre sua história de vida.
Com longo histórico de prêmios por seus trabalhos – Jefferson ganhou, além do Jabuti, o HQMix em 2020 por “Roseira, medalha, engenho e outras histórias”; HQMix em 2015 na categoria de melhor edição especial por “Anansi” e "La dansarina", e o HQMix em 2013 na categoria de melhor adaptação para os quadrinhos com "A tempestade", de William Shakespeare –, ele destaca que o mercado de HQs no Brasil ainda é pequeno.
“Eu trabalhei por muito tempo com ilustração para livros didáticos e fiz algumas coisas na área da publicidade também, antes de conseguir viver só dos quadrinhos”, lembra o artista gráfico.
RACISMO
Hoje, aos 43 anos, ele conta que, na juventude, não via a possibilidade de trabalhar exclusivamente com os quadrinhos, sobretudo por ser negro e ter nascido e sido criado na periferia.
A origem humilde fez com que ele acreditasse, de fato, que não existia a menor chance de trabalhar com arte. Fez, então, curso técnico na área de mecânica. Trabalhou com manutenção de aviões e no conserto de postes da antiga Eletropaulo – distribuidora de energia elétrica em São Paulo, que hoje se chama Enel. Mas acabou se frustrando com o racismo estrutural que há no mercado profissional.
"Pessoas como eu, negras e de periferia, mesmo que mostrem o seu 100% e provem ser melhores do que os outros, não têm espaço para crescimento. Conseguir a primeira vaga de trabalho já é complicado. E, já dentro das empresas, o teto chega rápido”, ressalta.
Foi nesse período de insatisfação que, por acaso, Jefferson viu o anúncio de uma escola de artes gráficas. Aquilo reacendeu nele o desejo de viver exclusivamente do desenho, “a primeira linguagem gráfica” que aprendeu.
“Eu sempre digo que o desenho é a primeira linguagem gráfica que a gente aprende para se comunicar, porque é uma linguagem democrática, universal”, explica. “Independentemente do país que você estiver e da língua que é falada lá, você consegue se comunicar pelo desenho.”
“Todo mundo, antes de saber escrever, usava símbolos para dizer o que queria. Um exemplo são as crianças que, na escola, desenham casas, bonequinhos de palitinhos entre outros elementos para falar da família, dos amigos e do que gostam de fazer no dia a dia. Todos já fizeram isso. No entanto, chega um certo momento em que a gente é levado compulsoriamente a trocar essa comunicação universal pelo código criptografado, que é a escrita”, continua o quadrinista.
A troca da linguagem universal por códigos criptografados, que, de certa forma, exclui as pessoas que não sabem interpretá-lo e limita a comunicação, é algo que Jefferson não compreende e resiste em fazer. “Nunca fez sentido para mim”, afirma. “Acho que as pessoas que desenham são os teimosos, que não concordaram ou não entenderam que deveriam fazer essa troca”, brinca o quadrinista.
COSPLAY
Além do bate-papo, a CDQ-CON contou com painéis e oficinas voltados para a produção de quadrinhos e, ainda no sábado, houve concurso de cosplay. No palco do auditório do Anexo da Biblioteca Pública, reuniram-se personagens como Star Butterfly, protagonista de animação homônima; Vyze, do jogo Skies of Arcadia;, o casal de vilões Coringa e Arlequina, e até mesmo um médico da época da peste negra, com a tradicional máscara de corvo branca.
A vencedora, no entanto, foi a cosplayer Jess, que se vestiu de Dia Kurosawa, da animação japonesa “Love live! Sunshine!!”.
O evento teve ainda “Espaço Geek”, com board games e card games, jogos de tabuleiro, RPG e cartas, e jogos virtuais desenvolvidos por alunos do curso de Jogos Digitais da PUC Minas. Havia ainda uma tatuadora no local para quem quisesse imprimir na pele imagens minimalistas.
DIVERSIDADE
“Nós nos baseamos em alguns pontos para escolher essas pessoas. O primeiro foi a questão da novidade, onde nos pautamos pelas obras que estão sendo lançadas por agora ou artistas que estão surgindo agora. O segundo aspecto foi a diversidade do material, com produções que saíssem do lugar comum ou artistas que se posicionam de maneira diferente. Por fim, consideramos o potencial de novo talento”, explica Seixas.
Em relação ao potencial de novo talento, o grupo de curadores se pautaram por dois aspectos distintos: artistas que estão começando, mas que já demonstram domínio da técnica e veteranos que se encaixam nos requisitos de escolha dos curadores e preenchem lacunas no evento.
“Infelizmente, muitas pessoas ficaram de fora, mais de 30 artistas”, lamenta Seixas. “Mas isso é algo que a gente já avaliou para o próximo ano. Vamos aumentar esse número”, finaliza, projetando a próxima edição do evento.