Na esteira das celebrações em torno das cinco décadas do lançamento do álbum “Clube da Esquina”, vem à luz um livro recheado de depoimentos, textos que remetem ao momento da gravação, contextualização histórica e vasto material fotográfico.
“De tudo se faz canção – 50 anos do Clube da Esquina” (Garota FM Books) será lançado nesta terça-feira (20/12) à noite, no Bar do Museu Clube da Esquina. Organizado pelo compositor e escritor Márcio Borges, um dos principais letristas do álbum, e pela jornalista e pesquisadora musical Chris Fuscaldo, trata-se da ampliação da proposta que remonta há 12 anos, quando Marcio estava estruturando o museu virtual dedicado ao movimento do Clube da Esquina, surgido em BH nos anos 1960.
''Foi uma grande surpresa, para mim, receber o texto e ver que nele o Milton faz uma declaração de amizade, de irmandade, que me comoveu muito''
Márcio Borges, compositor
Em maio deste ano, Chris Fuscaldo estava às voltas com um festival que a Prefeitura de Niterói estava promovendo para marcar o cinquentenário do disco. Por essa razão, procurou Márcio.
'Start' em Piratininga
O festival, realizado em setembro, foi motivado pelo fato de o “Clube da Esquina” ter sido pré-produzido em Marazul, situado no Bairro Piratininga, na cidade fluminense, onde Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes moraram durante um período e começaram a engendrar as músicas que resultaram no álbum.
“Fui atrás do pessoal do Clube e me encontrei com Márcio. Na conversa que tivemos, ele se lembrou desse livro e pensamos em fazer um outro, marcando os 50 anos”, conta Chris, que é proprietária da Editora Garota FM Books.
“Márcio falou que no livro dos 40 anos do Clube tinha muitos depoimentos atemporais que poderiam ser usados agora. Pensei que o ideal seria não fazer uma reedição, mas algo novo, então reaproveitamos alguns depoimentos e fomos atrás de outros”, aponta.
Assim, “De tudo se faz canção – 50 anos do Clube da Esquina” traz tanto depoimentos de Fernando Brant (1946-2015) e Tavito (1948-2019) quanto textos inéditos de Milton Nascimento, de Lô Borges e do próprio Márcio.
Também conta com pequena “biografia” do disco e do movimento gerado a partir dele, escrita por Chris.
O faixa a faixa ficou a cargo de Ana Maria Bahiana, Charles Gavin, Patricia Palumbo, Kamille Viola, Ricardo Schott, Renato Vieira, Leandro Souto Maior e Bento Araujo, entre outros pesquisadores.
Há também minuciosa ficha técnica do álbum; pequeno tomo dedicado ao “Clube da Esquina 2”, lançado em 1979; prefácio de Chris e posfácio em que ela trata de tudo o que ocorreu em 2022 – exposição, shows, festivais, a enquete que apontou o disco de 1972 como o melhor lançado no Brasil, o musical “Os sonhos não envelhecem” e a turnê de despedida dos palcos de Milton Nascimento.
De acordo com Márcio, os depoimentos que já tinha guardados foram a espinha dorsal do novo livro, mas acabaram por se constituir a parte menor da publicação. O letrista e escritor destaca a importância dos conteúdos inéditos.
“Entraram textos do Milton, do Lô, meu, da Chris, o faixa a faixa só com gente bacana escrevendo, uma ligeira abordagem do ‘Clube da Esquina 2’, com depoimentos de Flávio Venturini, Telo Borges e Murilo Antunes, a parte dedicada à turnê ‘A última sessão de música’. Virou um material muito rico”, diz o letrista.
''Márcio falou que no livro dos 40 anos do Clube tinha muitos depoimentos atemporais que poderiam ser usados agora. Pensei que o ideal seria não fazer uma reedição, mas algo novo''
Chris Fuscaldo, jornalista
Márcio Borges: 'Livro totalmente novo'
Borges garante que “De tudo se faz canção – 50 anos do Cube da Esquina” é um livro “totalmente novo”, chamando a atenção para o fato de ele chegar em edição bilíngue.“O livro dos 40 anos foi uma publicação muito restrita, com 500 exemplares, só em português, e a gente sabe que existe uma demanda grande no exterior por informações sobre o Clube da Esquina”, pontua. O texto que ele próprio assina é um resumo poético desse percurso.
“Começo falando de quando fomos morar no Edifício Levy, no Centro de BH, em 1963, no mesmo ano em que Milton também se mudou para lá. Se meu pai tivesse escolhido um outro prédio qualquer para morar, eu possivelmente nunca nem sequer teria visto Milton Nascimento e nada do que a história registra teria acontecido”, observa o letrista.
“Genealogia afetiva de um certo Clube”, o texto de Márcio, é mais poético e emotivo, em contraponto com o restante do livro, que tem caráter mais informativo, informa Chris Fuscaldo. Ela aponta que o texto de Lô Borges, “O Clube e o tempo”, também traz um tom mais emotivo.
A pesquisadora destaca que o texto enviado por Milton Nascimento surpreendeu os organizadores, a começar pelo título, “Carta a Márcio Borges”.
“É o depoimento que encerra o livro. Para falar do disco, ele se dirige a Márcio, fala que se não fosse o encontro com a família Borges, talvez o ‘Clube da Esquina’ não tivesse acontecido”, diz.
“Foi uma grande surpresa, para mim, receber o texto e ver que nele o Milton faz uma declaração de amizade, de irmandade, que me comoveu muito. Pensei que ele fosse escrever algo mais genérico sobre o disco”, revela Márcio.
Obra de celebração
Chris pontua que “De tudo se faz canção” não se pretende uma biografia, mas uma obra de celebração. Ela se valeu de diversas fontes – entre elas o livro “Os sonhos não envelhecem: história do Clube da Esquina”, que Márcio Borges lançou em 1996.
“Já li tudo sobre Clube da Esquina e Milton Nascimento, então já tinha esse caldo, mas também recorri à edição de 2007 do programa ‘O som do vinil’, que o Charles Gavin apresentou no Canal Brasil dedicado ao Clube, com vários depoimentos muito importantes”, conta.
O programa “Corredor 5”, que o produtor musical Clemente Magalhães mantém no YouTube, foi outra fonte importante para Chris.
“Certa vez, ele levou para ser entrevistado o Nivaldo Duarte, que foi o técnico de som do álbum. Então ele contou muitas curiosidades do processo de gravação no estúdio”, destaca.
A pesquisa a levou à juventude de Milton Nascimento, quando, após se mudar de Três Pontas para Alfenas, começou a se profissionalizar ao lado de Wagner Tiso. “Trago essa história do Milton, menino adotado, que tocava gaita e sanfona.”
Enquete do Discoteca Básica
Chris integrou o grupo de 162 críticos, artistas e pesquisadores que votaram na enquete proposta pela equipe do podcast Discoteca Básica, que apontou “Clube da Esquina” como o melhor disco lançado no Brasil. Ela admite que o álbum de 1972 não ocupou o primeiro lugar de sua lista, mas pondera que poderia ter ocupado.“A cada semana, meu ranking dos melhores muda. Adoro o ‘Clube da Esquina’, mas também sou viciada em Tropicália, em Jovem Guarda. Não me lembro de qual foi o disco que coloquei em primeiro lugar na enquete, justamente porque meu gosto muda muito, mas sei que o ‘Clube’ estava entre os cinco primeiros. Agora, até porque estou envolvida com o lançamento do livro, ele é meu preferido”, diz.
“É um disco incrível, com ficha técnica gigante, recheada de músicos muito talentosos, às vezes em segundo plano. Gonzaguinha, por exemplo, faz backing vocal na faixa ‘Estrelas’. Tem arranjos geniais e Milton é, sem dúvida, dos maiores compositores e intérpretes do Brasil”, diz a pesquisadora. “Some-se a isso tudo a liberdade que a gravadora deu, porque ela não acreditava no projeto, então seus representantes nem iam ao estúdio. (Os músicos) Tiveram essa sorte”, aponta.
“DE TUDO SE FAZ CANÇÃO: 50 ANOS DO CLUBE DA ESQUINA”
• De Márcio Borges e Chris Fuscaldo
• Garota FM Books
• 300 páginas
• R$ 149
• Lançamento nesta terça-feira (20/12), às 19h, no Bar do Museu Clube da Esquina (Rua Paraisópolis, 738, Santa Tereza).
Entrada franca