Los Angeles – A três horas de barco, numa comunidade ribeirinha do Pará, pessoas de macacão comprido branco, capuz, luvas, máscaras e viseiras caminham lentamente em busca dos moradores nas habitações de palafita. Elas levam na mão o termômetro infravermelho que mais parece arminha de brinquedo.
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“A ficção tem um tempo diferente, tanto que estamos filmando a terceira temporada só agora e para exibir no segundo semestre de 2023”, continua Helena, num hotel em Los Angeles, onde veio fazer campanha por uma vaga no Oscar para seu filme.
“Havia uma urgência em 2020, eu tinha muitos colegas próximos na linha de frente, e resolvemos filmar. Mas queríamos algo diferente do jornalismo porque as pessoas já tinham visto de tudo”, diz.
Cenas não repetem a TV
Vencedor do festival É Tudo Verdade, o documentário tem ritmo muito diferente das reportagens impactantes de TV.
Não há desespero nas filas dos hospitais por uma cama ou cilindro de oxigênio, nem políticos discursando contra a ciência. As diretoras se concentram nos heróis que seguraram a onda da COVID, grupo formado majoritariamente por mulheres.
“Como disse Albert Camus, em tempos de grandes tragédias, há mais coisas a se admirar nos seres humanos do que desprezar. E acho que encontramos isso”, diz Ana. “Encontramos mulheres de grande inspiração que conseguiam, no meio de situações-limite, encontrar um lugar de humanidade e delicadeza”, observa.
“Não ficamos fugindo dos homens, filmamos quem encontramos e, em todos os níveis, as mulheres lideravam, desde chefia, limpeza, enfermagem”, informa. “É uma questão bem profunda, não é bom, todo mundo deveria cuidar de todos.”
No lugar do corre-corre de um pronto-socorro, comum nos dramas hospitalares da TV, a dupla filma o cotidiano da pandemia em busca de certa poesia, como quando enfermeiras dão banho de leito no paciente intubado ou a médica coloca música de Amado Batista para um idoso doente recém-acordado.
A equipe do documentário, formada por apenas cinco pessoas, percorreu cinco estados brasileiros entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, tomando todos os cuidados necessários de “maneira neurótica”, segundo ela. Todos se testavam frequentemente, desinfetavam os equipamentos diariamente e se mantinham juntos e isolados fora das filmagens.
De médicos e agentes a coveiros
Os registros mostram agentes comunitários e médicos do SUS em diferentes ambientes, como o Hospital das Clínicas de São Paulo, um presídio em Salvador, comunidades ribeirinhas na Amazônia e na periferia do Recife. Há também o trabalho das equipes de lavanderia dos hospitais, dos coveiros e dos funcionários que removem corpos nas residências.
No momento, as duas inverteram os papéis. A médica Helena está em Hollywood na campanha do Oscar – a lista de quinze pré-indicados sai nesta quarta-feira (21/12) –, enquanto a irmã, a cineasta e atriz Ana, está “batendo cartão” numa UBS (Unidade Básica de Saúde) de São Paulo para protagonizar a terceira temporada de “Unidade Básica”. A série agora será inspirada em casos da pandemia e na relação entre profissionais da saúde com pacientes da comunidade.
“Existe um imaginário construído pelas séries norte-americanas de grandes hospitais chiques e privados, do glamour do médico especialista, do cirurgião”, diz Helena, que trabalhou cinco anos numa UBS antes de se especializar no estudo de novas narrativas no audiovisual sobre o universo da saúde e da medicina, tema de seu doutorado na USP.
“Já em 'Unidade Básica', a gente discutia como retratar de maneira diferente e criar um tempo maior de observação na narrativa para trazer outra dimensão do que é o cuidado em saúde.”
Na contramão de 'House'
Desde setembro, Helena está na Universidade Harvard, em Massachusetts, como pesquisadora convidada do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos. Ela conta que desde 2019 a Escola de Saúde Pública da universidade utiliza episódios da série na sala de aula.
“Estudantes de medicina querem ser 'House', não querem estar na ponta atendendo doenças prevalentes”, afirma Helena.
“Essas doenças parecem mais fáceis, mas são muito complexas de resolver, porque é preciso entrar no universo do paciente, entender onde ele mora, onde trabalha. E a série acabou virando um ótimo recurso educacional”, finaliza.