Com seu pescoço de girafa, o Jaraguá é temido por todos – pudera, o monstro alimenta-se de crianças. Pois o personagem do Reisado, festejo realizado durante o ciclo natalino em vários lugares e com grande popularidade no Nordeste, ganha agora sotaque mineiro.
Maurício Tizumba vai passar o Natal em Pernambuco – e trabalhando. O músico, ator, cantor e compositor – trabalhador da arte, como ele prefere – é um dos convidados do espetáculo “Baile do Menino Deus”, que será encenado de hoje a domingo (25/12) no Marco Zero, coração do Recife Antigo.
Na montagem, que chegará ao YouTube nas próximas semanas, Tizumba vai cantar com um coro infantil a música do Jaraguá e a da burrinha, chamada Zabilin. Também personagem do Reisado, ela surge durante a reza – acredita-se que tenha poderes mágicos.
No palco, na live e no cinema
O auto “Baile do Menino Deus” acompanha o nascimento de Jesus Cristo por meio da tradição nordestina. Surgiu em 1983, por obra de Ronaldo Correia de Brito e de Assis Lima, com músicas de Antônio Madureira. Virou tradição do Natal recifense – estreou há 39 anos, e há 19 teve sua primeira edição no Marco Zero.
Com a pandemia, o auto virou live em 2020 e filme de uma hora em 2021. Tizumba participou dessa última edição, gravada no Teatro Santa Isabel, ao lado de Chico César e Lia de Itamaracá. Agora, com o retorno ao formato presencial, a montagem será dirigida pela encenadora paulista Cibele Forjaz. São esperadas 70 mil pessoas a cada noite.
“Estou ansioso para fazer ao vivo, pois é um espetáculo maravilhoso, lúdico, que conta de maneira muito nordestina o que é o Natal”, comenta Tizumba. O “Baile”, no entanto, não é novidade na carreira dele. Nos anos 1990, participou da montagem mineira encenada por Lelo Silva, fundador da Catibrum Teatro de Bonecos.
O espetáculo pernambucano fecha o ano de muito trabalho para Tizumba. Recém-chegado aos 65, ele completou seu cinquentenário de carreira em 2022. Como profissional, vale dizer, já que a história dele na música teve início na infância: aos 7, tocava nos programas infantis da extinta TV Itacolomi.
“Minha carreira começou em 1972, como músico de baile. Era meio coringa, tocava guitarra, contrabaixo, bateria, tudo que precisava. Fui crooner também, tinha set no meio do baile só meu, com música latino-americana”, relembra o então jovem integrante da Helper’s Band.
Como era menor de idade, foi emancipado pelo pai, Antônio José Moreira. “Ele assinou os papéis para que eu pudesse tocar nas noites, tanto de BH quanto do interior.”
Ele foi com os bailes até 1976. A partir dessa época, ganhou os bares. “Mais de 150”, conta Tizumba, que fazia apresentações de música brasileira acompanhado do violão que ganhou da diretora de seu antigo colégio.
A vocação para teatro, que chamou a atenção de seu antigo professor de literatura, se concretizou em 1986, quando Tizumba teve sua primeira experiência profissional. Integrou o elenco do espetáculo “Bella ciao”, de Luiz Alberto de Abreu, montagem do grupo Filhos da PUC dirigida por Carlinhos Vasconcelos.
Mas o registro profissional como ator só viria em 1990, quando Maurício Tizumba se formou no Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Aí eu fui para o abraço. Fiz aproximadamente 35 peças. Destas, 30 são musicais.”
"Planejamento zero" para sobreviver
Música, teatro, dança, tudo veio a seu tempo, mas com “planejamento zero”, conta Tizumba. “Minha vida sempre foi assim. Comecei a trabalhar em baile porque ali tinha dinheiro para tocar. Se tinha dinheiro para cantar, eu cantava. Para dançar? Danço também, interpreto. As coisas foram aparecendo mais em função da sobrevivência”, diz.
Tizumba encerrou recentemente a primeira temporada de “Auto da Compadecida, a ópera”. Na montagem da Orquestra Ouro Preto, ópera bufa com música de Tim Rescala, ele interpretou dois personagens do clássico de Ariano Suassuna: o autoritário (e um tanto limitado) major Antônio Morais e Manuel, personagem que simboliza o bem e é o próprio Jesus Cristo.
A encenação, que estreou em São Paulo, ganhou os palcos do Rio de Janeiro e foi apresentada no início deste mês no Palácio das Artes, com ingressos esgotados. Depois de terminar sua participação no espetáculo, Tizumba ainda organizou um evento tradicional em Belo Horizonte neste período do ano.
Com a volta da agenda presencial, promoveu, no Galpão Cine Horto, o Tambores de Natal, festa de encerramento do Tambor Mineiro, centro de referência da cultura afro-brasileira criado por ele há duas décadas. Formando anualmente turmas de percussão, o projeto enfrentou revés durante a pandemia. Em agosto de 2020, Tizumba se viu obrigado a entregar o imóvel, um galpão no Bairro do Prado.
Aulas de percussão e curso de verão
Mas ele não entregou os pontos. Assim que a crise sanitária arrefeceu, voltou a dar aulas de percussão em “espaços de amigos”. Fecha 2022 com turmas na Casa Outono, no Bairro do Carmo, no Bar do Museu Clube da Esquina, em Santa Tereza, e no Teatro da Cidade, no Centro. E vai continuar dessa maneira até ter condições de voltar à sede própria.
Em 18 de janeiro, Tizumba inicia as aulas do curso de verão, que será ministrado também nos três espaços. É percussão para leigo mesmo, gente que nunca pegou em instrumento musical na vida. O curso vai até meados de março.
Acha que acabou? Que nada. Desdobrando-se sempre – “minha vida é assim” –, Tizumba, no retorno do Recife, só fará uma pausa para o ano-novo.
Em 6 de janeiro, começa a ensaiar “Herança”. “É um espetáculo autoral, para eu atuar com a minha filha (a atriz, cantora e escritora Júlia Tizumba). Estou tentando convencer o (Sérgio) Pererê (seu parceiro há muitos anos) a entrar. As músicas ele já está fazendo, mas queria que estivesse em cena, Pererê é sempre uma maravilha. Quando o vejo cantando, não quero mais nada na vida”, finaliza.
“BAILE DO MENINO DEUS – UMA BRINCADEIRA DE NATAL”
De hoje (23/12) a domingo (25/12), às 20h, no Marco Zero, no Recife. A partir da próxima semana, estará disponível em www.youtube.com/bailedomeninodeus. No mesmo endereço pode ser acessado o filme rodado em 2021.