Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Wagner Tiso lança songbook de 100 partituras e comemora 60 anos de carreira



Wagner Tiso comemora 60 anos de carreira. Não é uma efeméride qualquer. Maestro, compositor, orquestrador, pianista, arranjador e sócio-fundador do Clube da Esquina, esse mineiro de Três Pontas, de 77 anos, é capítulo à parte na história da MPB e do cinema nacional.




 
Ele gravou cerca de 30 álbuns; tocou, fez arranjos e regeu orquestras para 150 cantores; é autor de mais de 30 trilhas sonoras de filmes; também criou duas peças sinfônicas.
 
Não bastasse tudo isso, Wagner compôs com Milton Nascimento o hino da redemocratização brasileira: “Coração de estudante”.
 
Wagner Tiso no último show de Milton Nascimento, no Mineirão, em 13 de novembro deste ano (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
 

O filho de dona Walda

Quem sai aos seus não degenera, diz o ditado. Filho de Walda Tiso Veiga, professora de piano que educou musicalmente várias gerações em Três Pontas e Alfenas, no Sul de Minas, Wagner festeja suas seis décadas de ofício também com o propósito de ensinar.
 
Acaba de sair o songbook instrumental “Wagner Tiso – 60 anos de música”, com 100 partituras autorais dele. Quinhentos exemplares vão ser destinados a escolas que trabalham com educação musical. O projeto é patrocinado pela Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj).




 
As partituras ficarão disponibilizadas gratuitamente no aplicativo SpotPart, trabalho coordenado por Mariana Tiso, mulher de Wagner. O songbook tem 380 páginas, trazendo textos em português, inglês e espanhol, com apresentação do poeta e compositor Geraldinho Carneiro.
 
As partituras foram selecionadas pelo compositor, algumas delas inéditas. Desenhos e diagramas são do próprio Wagner.
 
“No livro, temos partituras de músicas minhas feitas com Milton Nascimento, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Murilo Antunes, entre outros”, conta ele.
 
A princípio, 500 exemplares chegarão às escolas. “Assim que todos forem distribuídos, aí, sim, faremos tiragem que será disponibilizada ao público e estará à venda nas principais livrarias brasileiras”, informa Wagner.




 
LEIA:
Família Tiso: celeiro de talentos musicais

Do Brasil para o mundo

“O aplicativo Spotpart vai colocar as partituras para o mundo inteiro”, ressalta Mariana Tiso. “Partitura é linguagem universal, por isso todos os músicos poderão tocar junto, tudo estará disponível no streaming”, enfatiza. “Achamos importante a obra do Wagner estar materializada. Não adianta ela estar apenas em alguns livros, porém sem acessibilidade.”
 
O então governador de Minas Tancredo Neves com Milton Nascimento, Wagner Tiso e Gonzaguinha, artistas engajados na campanha da diretas (foto: Jorge Gontijo/EM/D.APress/4/2/84 )
 
 
O songbook traz vários textos. Um deles é de Milton Nascimento, que relembra a época em que os dois meninotes eram vizinhos em Três Pontas.
 
“Ele me falou que passava em frente à minha casa, ouvia o som da minha sanfoninha e dos quatro baixos e falava: 'Esse cara é diferente'. O Dida falou para mim que o Wagner tinha um lance de achar que eu era cantor e que precisava de gente que me acompanhasse”, conta Milton.




 
Ou seja, alguém que acompanhasse “a cabeça, o ouvido e tudo” daquele garoto apelidado Bituca, filho da carioca dona Lília e do três-pontano Josino. “O primeiro foi o Wagner. Teve vários pianistas, várias coisas assim, mas igual a Wagner, ninguém. Depois teve o Clube da Esquina”, diz Milton.
 
Falando nisso, uma das partituras traz a melodia de “Bituqueando”, além de “Mar azul”, “O grande mentecapto”, “Giselle”, “Chico Rei”, “Dona Beija”, “Meu ninho” e “Pai Francisco”, entre outras composições de Tiso. O songbook vem com alentado perfil biográfico de Wagner Tiso assinado pelo jornalista e historiador João Marcos Veiga.
 
“A cada acorde e compasso, percebe-se o próprio pulso da música brasileira da segunda metade do século 20 que encantou o mundo: a sofisticação sem perder a brasilidade, o diálogo de gêneros e ritmos, o sinfônico de braços dados ao popular. O pianista mineiro parece sintetizar como poucos tudo isso”, escreve Veiga, lembrando que Tiso é presença marcante em momentos emblemáticos da vida cultural brasileira nos últimos 50 anos.




 

 

Milton e Wagner em BH

Wagner e Milton trocaram o Sul de Minas por Belo Horizonte na década de 1960, onde conheceram Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant e Beto Guedes. A eles se juntou o fluminense Ronaldo Bastos. Formou-se aí o embrião do disco e do movimento Clube da Esquina, que até hoje impacta a MPB.
 
“Nos anos 1960, a bossa nova ainda é forte referência, mas na virada para os 70, Tiso incorpora, principalmente junto ao grupo Som Imaginário, um novo universo musical que passa pelo rock progressivo e instrumental contemporâneo”, observa Veiga.
 
Nos anos 1960, em BH, com Nivaldo Ornellas no sax e Milton Nascimento no contrabaixo (foto: Acervo pessoal)
 
 
De acordo com o historiador, a assinatura pessoal de Tiso emergiu a partir das canções “A matança do porco” e “Armina”, ainda com o grupo de rock, “transitando da delicadeza à catarse progressiva e orquestral”.
 
Algum tempo depois, álbuns solos de Wagner trariam temas belíssimos, como “A igreja majestosa”, “Os cafezais sem fim” e “Zagreb”. Paralelamente, ele marcava presença em discos dos colegas do Clube e de estrelas da MPB.




 
“Criações de Wagner vão de canções que marcaram o século 20, incluindo o hino da redemocratização, a temas eruditos e de caráter fortemente experimental e visual”, pontua Veiga, chamando a atenção para a contribuição do compositor para o cinema.
 
Wagner musicou, entre outros, os filmes “Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra; “A ostra e o vento”, “A lira do delírio”, “Inocência”, “Chico Rei” e “Os desafinados”, de Walter Lima Jr.; “Jango”, de Silvio Tendler (cujo tema era “Coração de estudante”); “Vida de menina”, de Helena Solberg; e “O guarani”, de Norma Benguel. Também é dele a trilha da novela “Dona Beija”, sucesso da extinta Rede Manchete.

Cidadão do mundo

Nos anos 1980 e 1990, observa Veiga, Wagner extrapolou a canção formal, “buscando sonoridades de outros cantos do mundo”. Descendente de ciganos, o músico gravou três discos na Suíça, morou na Espanha entre 1988 e 1989, viveu em Portugal em períodos alternados, de 1972 a 2000. Também tocou com o Quinteto de Cello na Dinamarca, Alemanha e na França.




 
No teatro, foi elogiado pela opereta “Manu Çuarê”. Essa multiplicidade de referências se reflete nas parcerias – Wagner trabalhou com Ferreira Gullar, Henfil, Geraldo Carneiro, Murilo Antunes, Fernando Brant e Paulo Sérgio Valle.
 
“Um cancioneiro que não se limita ao Brasil dos holofotes, revirando constantemente o chão da fértil da música popular de nosso país, com 'O frevo ilumina a cidade', 'Joga na bandeira', 'Sambaxixe' e 'Olinda-Guanabara'. Nessa variedade de gêneros que visita em suas músicas, chama a atenção, junto ao caráter visual, a estrutura bem-acabada e de paredes sólidas, como dos tijolos das antigas fazendas mineiras”, observa Veiga.

Desde 2016, Wagner Tiso vem se apresentando como maestro com vários artistas, além de fazer shows solo. Retomou o Som Imaginário ao lado de Robertinho Silva, Victor Biglione, Luiz Alves e Tavito (que morreu em 2019).




Planos para 2023

Mais recentemente, tem percorrido o Brasil em dueto com o guitarrista Victor Biglione. Os planos são muitos para 2023. Animado, Tiso conta que pretende gravar um disco de inéditas.
 
“Venho compondo ao longo dos anos e como também faço trilhas para cinema, tenho muita coisa guardada. Farei uma seleção entre aquelas já estão finalizadas e gravarei com orquestra, quarteto, trio, duo e até mesmo solo. Tenho muita coisa legal”, revela.
 
Wagner Tiso e Victor Biglione fazem turnê pelo país (foto: Ana Luiza Nolasco/Morandi Fotografia)
 
 

TRAJETÓRIA

. 1958

Wagner Tiso inicia carreira no grupo W’s Boys, banda de baile do Sul de Minas, em que Milton Nascimento se apresentava como Wilton.

. ANOS 1960

Participou do Sambacana, em BH, dos grupos de Edison Machado e Paulo Moura, além do Berimbau Trio. Surge o embrião do Clube da Esquina. Em 1969, faz o arranjo e compõe “Matança do porco” para a trilha sonora de “Os deuses e os mortos”, filme de Ruy Guerra.




 
Wagner no estúdio, durante as gravações de 'Clube da Esquina 2' (foto: Acervo pessoal )
 

. ANOS 1970

Com Robertinho Silva, Tavito, Luis Alves, Laudir de Oliveira e Zé Rodrix, cria a banda de rock progressivo Som Imaginário. Em 1972, arranja e orquestra os discos “Clube da Esquina” e “O milagre dos peixes”, de Milton Nascimento. Em 1977, grava o primeiro disco solo, “Wagner Tiso”.
 
Wagner e Som Imaginário (foto: Acervo pessoal)
 

. ANOS 1980

Lança os discos “Todas as teclas”, com César Camargo Mariano; “Coração de estudante”, com participação de Milton Nascimento; “A Floresta do Amazonas – Villa-Lobos”, com João Carlos Assis Brasil e Ney Matogrosso; e “Manú Çaruê – Uma aventura holística”, com Cazuza e Ritche.

. ANOS 1990

Entre outros álbuns, lança “Wagner Tiso – Profissão: Música”, com clássicos de Waldir Azevedo, Tom Jobim e Dolores Duran; e “Debussy e Fauré com o Rio Cello Ensemble”.

. ANOS 2000

Lança “Memorial”, com Zé Renato; “Tom Jobim Villa-Lobos”, com Rio Cello Ensemble; “Cenas brasileiras”, com Orquestra Petrobrás Pró-Música e Roberto Tibiriçá; “Um som imaginário”; “Da sanfona à sinfônica – Wagner Tiso 40 anos de arranjos”; “Samba e Jazz – Um século de música”; “Outras canções de cinema”, com Márcio Malard. Em 2018, realizou o primeiro Festival Internacional de Piano Solo, em Belo Horizonte.