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Estado de Minas CINEMA

Longa 'Matilda: O musical' dá novo fôlego à personagem de Roald Dahl

Produção da Netflix, dirigida por Matthew Warchus e estrelada por Emma Thompson, moderniza a trama filmada em 1996, com Mara Wilson


27/12/2022 04:00 - atualizado 26/12/2022 23:34

Atriz Emma Thompson usa roupa semelhante a uniforme militar no filme Matilda: O musicla
Emma Thompson está irreconhecível como a temida diretora Trunchbull (foto: Netflix/reprodução)

 
Esqueça “Little bitty pretty one”, canção dos anos 1950 que garantiu a “Matilda” uma de suas cenas mais icônicas, quando a garotinha descobre seus poderes telecinéticos e se põe a dançar junto com a mobília de casa. Na nova versão para a história que chega agora à Netflix, a faixa não está presente, embora não faltem momentos musicais ainda mais grandiosos.
 
A nova adaptação do livro “Matilda”, de Roald Dahl, é, afinal, um musical importado da Broadway e da West End londrina, onde a versão teatral fez sucesso arrebatador – foram cinco prêmios Tony e sete Olivier, honrarias máximas dos palcos americanos e britânicos.
 
Parecia questão de tempo, no momento atual de simbiose entre cinema e teatro e de saudosismo nas telas, até que “Matilda” reencarnasse. Os fãs do longa estrelado por Mara Wilson em 1996, no entanto, não devem esperar imitação. As diferenças entre um e outro vão muito além de “Little bitty pretty one”.
 
Alisha Weir de pijama abre a porta do quarto e ao fundo se vê cama de casal, no filme Matilda: O musical
Alisha Weir é a nova Matilda (foto: Netflix/reprodução)
 
 
Aspectos principais da trama permaneceram intactos e detalhes icônicos também, das divertidas travessuras da garotinha às excêntricas punições de seus pais e diretora. Mas o tom do filme é completamente diferente – mais inocente, mais ambicioso e até mais britânico.
 
“Não conhecia muito bem o filme quando fizemos a peça, mas é claro que agora, com a adaptação, nós pensamos mais nisso. Mas este filme não é uma tentativa de substituir o anterior, até porque aquela era uma versão americanizada. Fora que quando se adicionam músicas e dança, tudo muda”, explica o roteirista Dennis Kelly.
 
Ele e o diretor Matthew Warchus, também indiferente ao longa de 1996, comparam sua versão para “Matilda” à relação entre os musicais vencedores do Oscar “Oliver!” e “Amor, sublime amor” com suas inspirações, outros chamarizes das bibliotecas britânicas, “Oliver Twist”, de Dickens, e “Romeu e Julieta”, de Shakespeare.
 
 

Rebelião no colégio

“Matilda: O musical” acompanha a personagem do título, garota ignorada pelos pais que encontra refúgio nos livros. Quando começa a frequentar a escola, sua inteligência acima da média chama a atenção da doce professora Honey e da pavorosa diretora Trunchbull.
 
Armada com cérebro tão desenvolvido que lhe dá o poder de controlar objetos com a mente, a protagonista comanda uma rebelião contra os métodos de ensino – ou de tortura – da vilã, que incluem arremessar meninas de tranças pelo ar e obrigar gulosos a comerem bolos inteiros.

Há muita liberdade criativa nos dois “Matildas”, mas a essência continua nas páginas escritas por Dahl, um dos maiores autores da literatura infantil. Uma olhada em seu currículo traz o senso de familiaridade para muita gente, que pode nunca ter lido seus livros, mas certamente já viu adaptações como “O fantástico Sr. Raposo”, “James e o pêssego gigante”, “Convenção das bruxas” e, claro, “A fantástica fábrica de chocolate”.
 
É um “baú do tesouro”, como bem traduz Alisha Weir, incumbida de dar vida à nova Matilda.
 
O longa que estreia agora é o primeiro fruto da compra que estremeceu o mercado há quatro anos, quando a Netflix desembolsou algo em torno de US$ 1 bilhão, cerca de R$ 5,2 bilhões, segundo especialistas da indústria, para ter os direitos autorais sobre várias histórias do autor britânico.
 
Mais recentemente, a relação do streaming com Dahl ficou ainda mais sólida com o arremate da companhia que administra seu espólio e de seu catálogo na íntegra.
 
Willy Wonka vai gerar uma série animada comandada por Taika Waititi, e outras adaptações devem surgir em breve numa espécie de universo Roald Dahl, que abrangerá filmes, séries, jogos, peças, livros e todo tipo de produto.

Roald Dahl na mira do 'cancelamento'

Um passo arriscado, não só pela cifra envolvida, mas também porque o autor é um dos nomes que foram atingidos, nos últimos anos, pela onda de cancelamento que fez vítimas os escritores infantojuvenis e compatriotas J. K. Rowling e Rudyard Kipling.
 
Seu caso é delicado, pois o autor expressou em vida pontos de vista abertamente antissemitas. É um assunto especialmente espinhoso em tempos de Kanye West e alta nos ataques a judeus.
 
Ela própria escritora – além do Oscar de melhor atriz por “Retorno a Howards End”, ganhou o de roteiro adaptado por “Razão e sensibilidade” –, Emma Thompson vê com cuidado a polêmica.
 
Por um lado, ela sabe, é impossível cancelar toda a obra de autor tão fundamental. Por outro, condena o preconceito inquestionável que pautou a vida pessoal da Dahl.
 
“Você precisa separar o autor da arte. Caso contrário, honestamente, quem vai escapar?”, questiona a nova intérprete da temível Trunchbull, que aparece em cena coberta de próteses e maquiagem, que a tornaram quase irreconhecível.
 
“Quem você vai encontrar que tenha escrito coisas brilhantes e também tenha sido um ser humano brilhante, alguém que incorpora todos os nossos ideais democráticos e defende os direitos humanos? Você não vai. Então, precisamos ver o que sua arte sugere. No caso, sim, Dahl era uma pessoa perturbada, mas não vemos preconceito em seus livros.”
 
O diretor Matthew Warchus faz coro, lembrando que o coração de “Matilda” – esta nova, a dos palcos, a dos anos 1990 ou a do livro – é justamente seu discurso de tolerância e gentileza.

“MATILDA: O MUSICAL”

Reino Unido/EUA, 2022. Filme de Matthew Warchus. Com Emma Thompson, Alisha Weir e Lashana Lynch. Disponível na Netflix 


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