Uma padaria, um SUV de luxo e um beat. Resumidamente, esta é a história de “Evoque prata”, single que ocupa atualmente o topo das 50 músicas mais tocadas do Spotify do Brasil e de Portugal. Ainda acumula mais de 1 milhão de vídeos em desafios no TikTok. Já no YouTube, o vídeo está em quinto lugar na parada brasileira. Lançada há três meses, a música conta com 100 milhões de streams consolidados.
Tudo começou no Bairro São Geraldo, na Zona Leste de Belo Horizonte. A fome bateu e Gabriel Henrique, o MC Menor HR, de 20 anos, foi com Pablo Patrício, o DJ Escobar, de 22, lanchar na Mixpão, que fica próxima ao estúdio onde eles estavam. O DJ já havia mostrado para o MC um beat.
“Tinha visto um Evoque (um dos quatro modelos da “família” Range Rover), achei o carro bonito. Estava com o beat na cabeça e aí veio ‘Dentro da Evoque prata/ Tocando Escobar e as bitch jogando na cara”, comenta HR sobre os versos iniciais do funk.
Letra na gaveta
Durante a conversa na padaria, vieram novas partes da música. Outro MC que eles conheciam, o Menor SG, de 19, tinha uma letra guardada. “Estava pronta há um ano. Peguei parte da letra e ela encaixou certinho”, diz Tales, o SG, coautor de “Evoque prata” com HR e Escobar.
O trio continua impactado com o alcance da música. “Acho que se chegasse a 100 mil (streams) já estava bom”, conta HR. Mas a história vem sendo diferente e deve ir muito além.
Depois de viralizar nas redes sociais e plataformas digitais, “Evoque prata” vai ganhar as pistas. Também de Belo Horizonte, o DJ KVSH (alcunha de Luciano Ferreira), de 29, produziu o remix da faixa ao lado da dupla portuguesa Karetus, lançado neste mês.
“Me apaixonei pelo sample que o DJ Escobar usou. Tinha escutado em festas com outros DJs e resolvi convidar os meninos (os patrícios Carlos Silva e André Reis, que assinam Karetus). Só depois descobri que a música era de BH”, comenta KVSH.
Com bastante projeção nacional – só no Spotify conta com 3,3 milhões de ouvintes mensais –, KVSH já levou vários gêneros para a eletrônica, como o hip-hop e o trap (subgênero do rap).
“Venho tentando quebrar o preconceito da eletrônica com o funk, que ainda é muito grande”, conta KVSH, que no início da carreira, em 2016, foi quase expulso de uma agência de São Paulo porque havia remixado um funk.
“Na época, me falaram que não se mistura água com óleo. Fiquei com isso na cabeça, pois quero atingir todos os mundos. E o TikTok mostrou que dá para misturar muitas coisas, que hoje tem abertura para tudo.”
"Venho tentando quebrar o preconceito da eletrônica com o funk, que ainda é muito grande"
KVSH, produtor
KVSH: um upgrade e tanto
O encontro com KVSH foi um passo e tanto para o trio de “Evoque prata”. “Os caras são outro nível. A gente só via eles em rede social”, comenta Menor HR. “Foi um passo grande na carreira, para atingir outro público. Querendo ou não, muita gente conhece ‘Evoque prata’, mas ninguém sabe que é a gente que canta”, acrescenta Menor SG.
Nascido em BH e criado em Nova Lima, onde os pais eram funcionários da antiga mina Morro Velho, KVSH frequenta paradas de plataformas digitais há tempos.
“Para ser sincero, as posições são para massagear o ego. O que importa é que o som está atingindo novas pessoas. Para os meninos, o remix abre outros mercados. Festa de 15 anos, por exemplo, é mercado quente no Brasil. Passei contato para eles para ver se conseguem abertura para esse tipo de evento, o que é muito importante, pois estão em lugares que nunca imaginaram por causa da música.”
Hoje com seu próprio selo, Lemon Drops, KVSH acredita tanto no potencial de Belo Horizonte que não quer deixar a cidade. “Todo artista mineiro quando começa a bombar pega as malas e vai para São Paulo. Fiz isso em 2019 e não me adaptei. Voltei para BH, onde tenho vários amigos, e resolvi também criar um estúdio.”
O Lemon, na região do Funcionários, deve abrir as portas em fevereiro. “A ideia é abrir espaço para novos artistas”, diz KVSH.
"Foi um passo grande na carreira, para atingir outro público. Querendo ou não, muita gente conhece 'Evoque prata', mas ninguém sabe que é a gente que canta"
Menor HR, músico
Funk com a marca registrada de BH
“Evoque prata” é legítima representante do funk de BH, considerado atualmente quase um subgênero. “Ele é mais melódico do que os outros. Também mistura muitos gêneros, pop, rock sertanejo.” Menor SG completa: “O funk de BH sempre inova, não se sabe como vai ser o próximo hit.”
A repercussão on-line começa a gerar frutos. “'Evoque' fez a gente entrar na disputa com os melhores. Queremos que a parada continue dando certo, fazer um trampo bom”, diz Menor SG. Escobar já tem cinco músicas para lançar no início de 2023 com os dois MCs. “Tem que ser rápido. A gente vai para o estúdio, a meta é fazer ao menos duas músicas por dia.”
O trio só pensa em se dedicar à carreira. Nascido em Betim e hoje vivendo no Piratininga, na região de Venda Nova – “estou dando entrada em um apartamento” –, Menor HR é de família grande, de nove irmãos. Tinha 16 anos quando fez seu primeiro funk, “Chefinho da boca”.
“Foi o primeiro com clipe e tudo. Mas era tipo light, só falando de menina que gostava de favelado.” Largou os estudos no 1º ano do Ensino Médio. “Hoje é música 24 horas por dia.” A agenda de shows, ele diz, está fechada até o meio de 2023.
Filho de pagodeiro – “meu pai toca tudo, tantan, pandeiro” –, Menor SG começou a trabalhar com música há quatro anos. Os estudos, à noite, tiveram que ser deixados de lado em 2021 por causa do trabalho. Vivendo com o pai e a mãe, admite que a influência do pai contou só um pouco. “Gosto de pagode, mas não consigo tocar nada. Meu negócio é cantar.”
Nascido e criado em Ouro Preto, Escobar chegou a BH há dois anos. “Vim para trabalhar, morar sozinho. Comecei como MC, mas depois fui passando para o mercado de produção e me apeguei mesmo.”
"O funk de BH sempre inova, não se sabe como vai ser o próximo hit"
Menor SG, músico
Sem carteira de motorista
Um modelo Evoque custa, em média, R$ 400 mil. Os dois MCs e o DJ chegaram perto de um deles, emprestado para a gravação do clipe – só no canal Funk de BH do YouTube, o vídeo conta com 34 milhões de visualizações. Dirigir, nem pensar. Ninguém tem carteira de motorista. Escobar quer ver se consegue tirá-la em janeiro.
O SUV prateado que levou os garotos para as alturas não faz parte dos sonhos. “Quero não”, diz Menor SG. “Também não. Você tem que comprar, depois gastar para arrumar...”, acrescenta Escobar. Menor HR, que não sabe dirigir, é de outra opinião: “Gosto bastante, acho bonito. Se der na minha cabeça, um dia eu compro.”