Ela diz que o acha digno e gentil. “Para um policial? Para um coreano? Para um homem?”, ele pergunta. “Para uma pessoa moderna”, ela responde.
O diálogo entre Hae-joon (Park Hae-il) e Seo-rae (Tang Wei), os protagonistas de “Decisão de partir”, longa de Park Chan-wook pré-indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, que estreia nesta quinta-feira (5/1) nos cinemas brasileiros, condensa a um só tempo os principais traços de personalidade dos personagens e a dinâmica de sua relação.
Nessa altura da trama (contada em 2h20), a meticulosamente observadora Seo-rae cultiva mais estranheza do que admiração por Hae-joon, policial que a investiga como suspeita de provocar a morte do marido.
De origem chinesa, tendo entrado ilegalmente na Coreia do Sul, Seo-rae se casou com um homem mais velho, envolvido nos trâmites de recepção e legalização de imigrantes recém-chegados ao seu país.
Ele é achado morto em circunstâncias duvidosas. Caiu de uma montanha, depois de havê-la escalado até o topo. A reação da viúva, sabidamente vítima de violência do marido, que não demonstra surpresa nem abatimento com a notícia do que ela define como o suicídio dele, levanta as suspeitas da polícia.
Fascínio
E desperta também o fascínio de Hae-joon pela altivez de uma mulher que mantém com firmeza atitudes claramente em desacordo com o comportamento que se espera de alguém que acabou de ver a morte trágica do homem com quem dividia sua vida.Sob o pretexto de investigá-la, o cronicamente insone Hae-joon, cuja mulher vive em outra cidade, passa a “fazer tocaia” em seu apartamento, observando-a a distância, noite após noite, e monitorando seus hábitos e movimentos.
Seo-rae se dá conta da excessiva atenção que o investigador lhe dedica, assim como identifica com propriedade que há algo de anacrônico no modo de ser desse homem especialista em crimes que parece ser pautado por um sentido indesviável de retidão.
Ele trata os suspeitos respeitosamente, dando-lhes sem restrição o benefício da dúvida, e repreende os deslizes (constantes) de seu atrapalhado parceiro policial, para quem a atração de Hae-joon por Seo-rae não passa despercebida.
O caso é encerrado como suicídio. Investigador e antiga suspeita se aproximam e se tornam íntimos. Até que um evento banal faz tudo mudar. Hae-joon perde a confiança em Seo-rae e em sua capacidade de julgar. Entra em crise pessoal e profissional.
Descrever o que ocorre no restante da trama privaria o espectador das surpresas que o roteiro reserva. O certo é que Park Chan-wook desenvolve e aprofunda um romance policial no mais literal dos sentidos. Haverá outras mortes, novas suspeitas e ao menos mais uma tragédia.
Dúvida
A sucessão de acontecimentos para os quais existe mais de uma interpretação possível, conforme o ângulo que se prefira, sublinha a sensação de que a verdade sempre escapa e traça um paralelo eloquente com os insondáveis caminhos do desejo e as razões que guiam as decisões dos amantes.O lado “pessoa moderna” de Hae-joon comparece em seus métodos de investigação e na preponderância que o celular tem na trama. É nos telefones pessoais que estão localizados os segredos de cada um, as pistas e as provas de suas falsidades; é por meio dos aparelhos também que as conversas mais graves e íntimas se dão.
Num elaborado jogo de adivinhação que dá ao espectador a chance de exercitar suas habilidades dedutivas e investigativas, Park Chan-wook atrasa ao máximo a resposta sobre qual é quem toma a decisão de partir. A revelação fica para a última cena do filme, embora antes já se saiba que foi uma escolha feita com o objetivo de “permanecer para sempre como um caso não resolvido”.
Em resumo, Park Chan-wook, que levou a Palma de direção no Festival de Cannes, faz com seu belo filme uma investigação sobre a impossibilidade do amor.
“DECISÃO DE PARTIR”
(Coreia do Sul, 2022, 140 min.). DE Park Chan-wook. Com Tang Wei, Park Hae-il e Go Kyung-Pyo. Classificação: 14 anos. Estreia nesta quinta-feira (5/1) no Cineart Ponteio (13h, 15h40, 21h) e no UNA Cine Belas Artes (14h, 20h30).
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