Homenagear a cantora Elizeth Cardoso (1920-1990) é o objetivo dos músicos Celso Sim e João Camarero ao lançar o álbum “Divina dádiva-dívida”. Com 16 faixas gravadas em voz e violão, o disco traz clássicos que foram imortalizados pela artista carioca.





Camarero conta que o projeto nasceu de um encontro entre ele e o cantor e ator paulista Celso Sim. “A gente se conheceu, até não tem muito tempo, porém viu que havia muita afinidade musical entre ambos e ficou com vontade de realizar algum trabalho juntos”, diz. 

“Aquela coisa, não sabe o quê, de vez em quando se encontra e fala, vamos fazer algo, vamos e tal... Acabou que, por algumas coincidências, o repertório que foi se desenhando era de coisas que foram gravadas pela Elizeth Cardoso. Então, entendemos que tínhamos que seguir esse caminho e fazer essa homenagem a ela”, conta Camarero.

O violonista revela que esse foi o norte para continuar o trabalho. “A partir disso, a gente foi garimpando músicas que ela gravou, algumas bem desconhecidas, outras menos. O critério, o assunto especialmente das músicas, como o próprio Celso diz, era uma declaração de amor ao Brasil”, pontua. 





“Elizeth sendo a voz-mãe do Brasil e a gente vivendo esse momento tão louco da nossa história não deixa de ter questões nas letras que, às vezes, não tão diretamente direcionadas, de maneira óbvia, mas que falam dessas questões todas. Por exemplo, ‘Serra da Boa Esperança’ fala ‘no coração do Brasil, um punhado de terra’.”

Xamã inspirou a dupla

“Essas coisas todas atravessando as músicas”, ressalta Camarero. “O disco abre como uma espécie de gênesis, com um texto de David Kopenawa, tirado do livro ‘A queda do céu – Palavras de um xamã yanomami’ (2015). Ele conta como a história da criação da humanidade a partir do ponto de vista dos ianomâmi. É muito bonita essa maneira de eles descreverem a criação.” 

O músico afirma que “a partir disso, a gente emenda com uma música, porque o Celso vem do Teatro Oficina, e foi uma experiência muito legal pensar um repertório com uma dramaturgia, no sentido do texto. E a gente gravou exatamente como fazemos no show, quando só paramos depois de ‘Autonomia’, que é a sexta faixa do disco.”

A primeira música do disco é “Aroeira”, parceria de Romildo e Toninho Nascimento, dupla que ficou consagrada pelos sucessos gravados por Clara Nunes, como ‘Conto de areia’, entre outras. “O Toninho, que é o letrista, é do Norte, morou nos arredores de Belém do Pará quando criança, e a letra de ‘Aroeira’ flerta com o candomblé mais ligado à cultura indígena. Então, acaba se fazendo uma ponte com o texto do Kopenawa, de certa maneira, com o candomblé, com essa herança africana.”





Na sequência vêm “Serra da Boa Esperança” e “Luz Negra” (Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso). “Essa música não tinha letra, e o Nelson Cavaquinho sempre a tocava instrumentalmente. Certo dia, o diretor Leon Hirszman (1937-1987) estava filmando ‘A falecida’ (1965), que era baseado em um texto de Nelson Rodrigues, e queria uma música tema. Então o Amâncio pediu essa melodia para o Nelson e colocou essa letra.”

Versos de Grace Passô

A seguir vem “Olho da Terra”, que é um poema da atriz e dramaturga mineira Grace Passô. “A gente emenda com ‘Autonomia’, música de Cartola. Segue ‘Mente ao meu coração’ que, assim como a Elizeth, também foi gravada por Paulinho da Viola, e ‘Três apitos’, de Noel Rosa.” 

“Em tudo buscamos vestir as músicas, aos olhos do que a gente estava olhando. Acho que tem um perigo quando se faz uma homenagem, especialmente a uma artista desse tamanho, de você cair na mesmice ou tentar reproduzir o que ela fez e virar um pastiche. Mas a gente achou um caminho muito respeitoso e fez tudo com muito carinho e amor para ela.”

Ele cita que “o trecho final do trabalho apresenta ‘Minhas madrugadas’ e ‘Serafim Ponte Grande’, texto de Oswald de Andrade, ‘Chão de estrelas’, música gravada por ela e também por Sílvio Caldas, que é um dos autores, ‘Flor e espinho’ e ‘Chega de saudade’”. 





“Esta última a gente gravou totalmente diferente. E para ir para o final, ‘O canto de regresso à Pátria’, que é um texto do Manifesto do Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, e que a gente emenda com ‘Sabiá’. Para mim, o ciclo se encerra aí. Porém, a gente gravou mais uma, que foi ‘De manhã’, que a Elizeth gravou também. É uma das primeiras músicas gravadas pelo Caetano e que acabou ficando como um epílogo.”

As músicas foram rearranjadas pelo próprio João Camarero. “É tudo criação nossa, a gente foi desenhando tudo juntos. O álbum está saindo em formato físico também. Gravamos alguns clipes, que já estão rodando no YouTube, começando por ‘Luz Negra’, que foi o primeiro single que lançamos. Estamos pensando em rodar com o show neste ano e já estamos começando a ver a nossa agenda para fechar as apresentações.”

“DIVINA DÁDIVA-DÍVIDA” 

Álbum de Celso Sim e João Camarero. Disponível nas plataformas digitais 


 
 


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