O presidente nomeado do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, ex-candidato ao governo do Distrito Federal, comenta na entrevista a seguir os impactos dos atos terroristas ocorridos no último domingo (8/1), em Brasília. Ele também fala sobre reestruturações no órgão e a importância da educação patrimonial para a conscientização da população acerca dos bens culturais materiais e imateriais.





Do ponto de vista cultural, em relação ao episódio trágico de domingo (8/1), qual é a primeira avaliação que fez e quais ações serão tomadas?
Na terça-feira (10/1), estivemos no Supremo Tribunal Federal (STF), no Palácio do Planalto e estamos dialogando com o Congresso Nacional para verificar de maneira mais detalhada o que foi destruído. Não foi pouca coisa. As imagens mostraram a violência e o ódio empregados na ação dos terroristas. Há uma equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) trabalhando neste momento em cooperação com o STF, o Planalto e o Congresso na identificação dos bens, das obras e das danificações também dos edifícios. É um cenário de guerra o que nós encontramos. De fato, tudo foi destruído, praticamente. Muita depredação, muita violência.

O que o deixou mais chocado?
Daquilo que eu vi, me chocou toda a agressão às obras de arte. Parece que eles escolheram algumas para depredar. Me chocou muito o cenário do STF (Supremo Tribunal Federal). Andamos em praticamente todos os andares e ali era notório que não se tratava apenas de quebrar as coisas, mas de agredir, de colocar ódio, de derramar ali todo aquele sentimento perverso, que é reflexo da ignorância e da falta de consciência sobre o que representa não só o edifício, mas o que está dentro dele e o que representa para a sociedade. Nós temos também um prejuízo simbólico.

Como seria o pacto pela reconstrução?
Precisamos encaminhar a revitalização, e isso vai demandar muita energia, orçamento, técnica e muito esforço. As instituições do Estado brasileiro vão conduzir esse processo, mas nós estamos recebendo apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), organismos internacionais, outros governos, iniciativa privada, etc. Toda colaboração é bem-vinda. Sobre a liderança do Ministério da Cultura, nós vamos reunir todas essas expertises. Mais ainda, existe um pacto para além da reconstrução material. Que é um pacto em torno da memória desses acontecimentos. A ministra (da Cultura, Margareth Menezes) citou a possibilidade de um memorial. Por que ela destacou isso? Para todos nós, é muito importante que aquilo que aconteceu fique como lição. Não foi simplesmente uma quebradeira, foi um terror. Em alguns países, como na Alemanha, França, Estados Unidos, e também na África, você tem nos espaços de memória toda a descrição dos fatos, das situações, mas sempre ao final uma placa ou num texto você encontra a seguinte mensagem: para que não se repita. Nós temos o compromisso de explicar para a sociedade brasileira e promover uma educação sobre a memória desse fato, para que não se repita. Para que as atuais e futuras gerações saibam o que aconteceu.





O senhor não acha que essa tensão elevadíssima na Praça dos Três Poderes pode acarretar um afastamento da população brasileira? Já que a tendência é aumentar a segurança no local, haveria também diminuição da circulação de pessoas.
O desejo do presidente Lula, desejo da (primeira-dama) Janja e da ministra (da Cultura) Margareth (Menezes) é justamente fazer o contrário. Ao invés de restringir, ocupar. A presença do povo na praça e dentro dos prédios é muito importante, porque é o que vai permitir que as pessoas entendam o simbolismo, o significado e a importância do que está ali. Inclusive, isso é um princípio da prevenção à violência. Quanto mais ocupado o espaço, menos violento ele se torna. Precisamos contemplar a população e essa diversidade. Brasília é a capital dos brasileiros. Nós podemos ter ali movimentos, expressões culturais, o encontro da sociedade, como era antigamente. Quem nasceu em Brasília, sabe que nós sempre visitamos a praça, trazendo os nossos familiares, amigos que chegavam a Brasília para conhecer. Como é nas capitais do mundo inteiro, você tem, nos centros políticos e nesse espaço das instituições do Estado pontos de encontro de lazer, cultura e turismo.

Qual é o seu principal objetivo nesse momento à frente do Iphan?
Precisamos resgatar o brilho e a autoestima dos servidores. Precisamos de um plano de carreira para os servidores do Iphan. Isso está no nosso horizonte de médio prazo. Também precisamos reestruturar o órgão por dentro. Tivemos publicado recentemente um regimento interno completamente arbitrário e sem a consulta aos servidores. Isso mexeu bastante nas estruturas das diretorias, coordenações e assessorias. Vamos rapidamente reorganizar isso e iniciar um processo mais profundo com os servidores, para pensar um rendimento qualificado e com mais critério que facilite a rotina, que melhore a administração do órgão. Também temos, ainda pensando internamente, o desafio de realmente prestigiar o trabalho técnico. Algumas superintendências foram ocupadas por pessoas completamente desqualificadas. Vamos fortalecer o trabalho técnico e dar condições para os servidores fazerem o seu melhor trabalho. Do ponto de vista de agenda, colocaremos em prática o sistema de patrimônio. No Congresso Nacional, existe uma legislação que institui o Sistema Nacional de Patrimônio, que orienta a participação da população na política de patrimônio e estabelece metas e diretrizes para gerirmos o patrimônio nacional. Outra coisa muito importante é aproximar o Iphan, por meio do Ministério da Cultura, dos outros órgãos do Estado, como Ministério do Meio Ambiente, da Educação, do Turismo, e assim por diante. Também aproximar o Iphan dos estados e municípios para compartilharem essa gestão do patrimônio e pensar projetos em nível local. Pensar no Iphan como um instrumento do movimento nacional e não só numa perspectiva de conservação, mas de indução de novas propostas e inovação.





Haverá uma cooperação com as ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara?
Sem dúvida, a ministra Margareth vai conduzir bem a aproximação da pauta racial, dos povos originários e dos direitos humanos também, porque a política de memória está completamente atrelada à agenda dos direitos humanos no Brasil. Estamos com muita expectativa de trazer o Iphan para um outro lugar. Não queremos o Iphan de 30 anos atrás. Muito menos esse que foi do governo Bolsonaro. Queremos um Iphan do século 21, conectado à agenda da sustentabilidade também.

Outro ponto está relacionado à educação patrimonial, certo?
Educação patrimonial é aquilo que faz com que as pessoas entendam o valor do seu patrimônio material e imaterial. Então, por exemplo, é muito importante que uma criança que nasce numa comunidade quilombola tenha educação patrimonial, para se sentir parte daquele grupo, assim como é importante que um jovem nascido em Brasília entenda que somos patrimônio da humanidade.




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